Acervo, Rio de Janeiro, v. 36, n. 1, jan./abr. 2023

Espaços urbanos e metropolização no Brasil (1940-1970) | Dossiê temático

O plano Doxiadis e a capitalidade da Guanabara

The Doxiadis plan and Guanabara’s aura as a capital / El plan Doxiadis y el aura de Guanabara como una capital

Juliana Oakim Bandeira de Mello

Doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pesquisadora associada do Laboratório de História Econômica e Social do Instituto de História da UFF, Brasil.

juliana.oakim@gmail.com

Resumo

O artigo analisa o plano Doxiadis, um plano diretor contratado por Carlos Lacerda em 1964 para a cidade do Rio de Janeiro. Sua contratação articulou, além das questões teóricas do planejamento urbano da época, o debate político centrado em Lacerda e a manutenção da capitalidade da cidade, que havia perdido anos antes o status de Distrito Federal para Brasília.

Palavras-chave: história urbana; Rio de Janeiro; planejamento urbano.

Abstract

The article analyzes the Doxiadis plan, a master plan contracted by Carlos Lacerda in 1964 for the city of Rio de Janeiro. Its hiring articulated, in addition to the theorical issues of urban planning at the time, the political debate that had Lacerda as the center and the maintenance of the city’s aura as capital, which had lost its status of federal district for Brasilia years before.

Keywords: urban history; Rio de Janeiro; urban planning.

Resumen

El artículo analiza el plan Doxiadis, un plan maestro contratado por Carlos Lacerda en 1964 para la ciudad de Río de Janeiro. Su contratación articuló, además de las cuestiones teóricas de planificación urbana de la época, el debate político que tenía a Lacerda como centro y el mantenimiento del aura de capital de la ciudad, que había perdido años antes el estatus de Distrito Federal para Brasilia.

Palabras clave: historia urbana; Río de Janeiro; urbanismo.

O objeto deste artigo é o plano Doxiadis, um plano diretor contratado por Carlos Lacerda em 1964 para legitimar as intervenções urbanas que vinham sendo implementadas desde 1961 no estado da Guanabara, com fins de garantir a manutenção da capitalidade da cidade. Obscuro, o plano é de difícil consulta até hoje e seu conteúdo é pouco conhecido em comparação aos outros planos diretores da cidade. Mas por que essa particularidade?

De modo a começar essa reflexão, faz-se necessário aproximarmo-nos do processo pelo qual o Rio de Janeiro perdeu sua função de Distrito Federal. Dessa maneira, o texto começa por uma análise da transferência da capital para Brasília e a consequente criação do estado da Guanabara. Em seguida, o texto analisa as intervenções urbanas que Carlos Lacerda, primeiro governador daquele estado, implementou na cidade, de modo a manter sua aura de capitalidade. Posteriormente, segue-se à contratação do urbanista Constantinos Apostolos Doxiadis, cujo plano daria a legitimidade técnica para as intervenções já em curso no território guanabarino. Mais à frente, o texto se debruça sobre o conteúdo teórico do plano e sua tradução em uma forma urbana, por meio de um plano físico para, por fim, chegar às considerações finais.

A transferência da capital para Brasília e a criação do estado da Guanabara

O processo que culminaria na transferência do Distrito Federal para Brasília iniciou-se em 1955, quando Juscelino Kubistchek, ainda candidato à presidência, adicionou a seu programa de trinta metas de governo para o desenvolvimento do país uma meta extra, uma espécie de meta-síntese: a construção de uma nova capital, símbolo de um Brasil novo e representação material desse momento de desenvolvimento econômico.

Logo após Juscelino Kubistchek assumir a presidência, foi publicada, em setembro de 1956, a lei n. 2.874, que criou a Companhia Urbanizadora da Nova Capital, a Novacap. Poucos meses depois, em 1957, era lançado um concurso de projetos para a construção da nova cidade, que seria erguida do zero. Dentre os vinte e seis projetos inscritos, o elaborado pelo arquiteto Lúcio Costa foi o vitorioso: um projeto que tinha como referência os preceitos do urbanismo modernista corbusiano,1 em uma concepção da era industrial como uma ruptura histórica radical – noção que se alinhava ao projeto político-econômico desenvolvimentista de Juscelino Kubistchek.2

Naquele mesmo ano de 1957, seria iniciada a construção da novacap, Brasília. A urgência se explicava pela necessidade de que sua inauguração ocorresse ainda durante o mandato de Juscelino Kubistchek. Enquanto isso, no Rio de Janeiro (ou como passou a ser carinhosamente conhecida, a belacap, a capital bela, em oposição à capital nova) articulou-se uma grande oposição à proposta da transferência do Distrito Federal: alegava-se, então, que a capital deveria se localizar em um lugar civilizado e que, com a transferência, a tradição e a história nacional estariam sendo abandonadas. Ademais, acreditava-se que com a construção de Brasília seria desprezado todo um investimento passado, que havia transformado o Rio de Janeiro no eixo da unificação nacional (Motta, 1997).3

Diante do polêmico impasse, a solução encontrada foi a organização de um novo estado na federação brasileira. Assim, em 14 de abril de 1960 foi aprovada a lei n. 3.752, conhecida como Lei San Tiago Dantas, que transformou a antiga cidade do Rio de Janeiro na única cidade-estado da federação. Nascia, naquele momento, o estado da Guanabara, ente federativo inédito e mantenedor de alguma distinção em relação ao restante da federação.

Contudo, o conflito não se resolveria somente com a criação de uma cidade-estado. Desde seu nascimento, o estado da Guanabara se encontrava diante de um dilema identitário: seria definido no conjunto federativo mantendo sua aura de capitalidade ou seria estadualizado. Tanto a elaboração do plano Doxiadis quanto as eleições para governador realizadas em 1960 foram parte desse debate.

O vencedor das primeiras eleições estaduais de 1960 foi o udenista Carlos Lacerda.4 O principal ponto de sua campanha (e que garantiu sua vitória) foi a compreensão de que a disputa pelo cargo de primeiro governador da Guanabara apresentava um desafio particular: os candidatos teriam que construir uma relação de identidade com a recém-criada cidade-estado. Para Lacerda, apesar da perda da condição legal de capital, o Rio deveria manter sua aura de capitalidade, uma vez que sua identificação como símbolo do Brasil era importante, não somente para a cidade, mas para todo o país (Motta, 1997).

Carlos Lacerda e a reforma da belacap

Conquistada a vitória, Lacerda estruturou uma gestão apoiada no discurso da eficácia do saber técnico, com o qual, supostamente, as bases de um governo competente estariam garantidas por critérios de impessoalidade, neutralidade e racionalidade. A estratégia da despolitização da administração pública tinha como objetivo preservar essa mesma administração das disputas políticas, das quais o governador era eixo referencial (Motta, 2000b).

Ademais, além da perda da capitalidade, o Rio de Janeiro enfrentava o problema do esvaziamento econômico, tema alimentado por diversos estudos, inclusive pelo próprio plano Doxiadis.5 Nesse contexto, a modernização da cidade por meio de investimentos em infraestrutura urbana surgia como condição necessária para o enfrentamento do esvaziamento tanto econômico quanto da função de capital. E foram essas diversas obras que se tornaram, naquele momento, o motor do desenvolvimento da cidade e da manutenção do status de capital: questão que já havia sido sintetizada no lema de campanha de Lacerda ao governo da Guanabara – “reconstruir a cidade e formar o estado” (Motta, 2000b, p. 52).

Do ponto de vista político e estratégico, o urbanismo do governo Lacerda é o projeto de afirmação da belacap no cenário nacional. É a aposta de que o Rio de Janeiro continuaria sendo a capital de fato do país. (Perez, 2007, p. 225)

Lacerda mudaria significativamente a paisagem carioca ao materializar a noção de modernidade em vias expressas, túneis e viadutos, “tornando-se um ponto de inflexão na história do urbanismo carioca” (Perez, 2007, p. 224). Ao executar sua meta de governo, promoveu uma verdadeira reviravolta na cidade com suas obras, o que garantiu a si um lugar privilegiado na memória do carioca.6

A ênfase na realização de grandes obras era, sem dúvida, um dos elementos-chave do estado-capital projetado por Carlos Lacerda. Com o objetivo de marcar o nascimento de uma nova etapa na vida do Rio de Janeiro, o governo quis dar à cidade uma cara de estado, investindo especialmente em obras de infraestrutura urbana que tornassem a Guanabara capaz de competir com outros estados da federação. Por outro lado, no entanto, a remodelação urbana, concretizada em parques, túneis e viadutos, visava reafirmar o tradicional lugar da “belacap” como cartão de visita do país, inserindo Lacerda na linhagem dos “grandes prefeitos cariocas”, como Pereira Passos e Paulo de Frontin. (Motta, 2000a, p. 116)

Lacerda modificou o sistema de transportes, substituindo os antigos bondes por novos ônibus elétricos. A abertura de túneis e a construção de viadutos foram outras de suas marcas – ao todo, foram construídos 19 viadutos e abertos 5,6 quilômetros de túneis. Destacam-se, ainda, as obras de construção da adutora do Guandu, que triplicou o fornecimento de água da cidade; a ampliação da rede de esgotos com a construção de sessenta quilômetros de dutos; o aumento em 30% no número de hospitais e a construção de cerca de duzentas escolas primárias, praticamente dobrando o número de matrículas de alunos.

Contudo, entre as intervenções promovidas no espaço urbano carioca, a remoção das favelas e a construção de conjuntos habitacionais nos subúrbios da Zona Oeste foram, sem dúvida, as mais marcantes e polêmicas. Erradicar as favelas significava, também, a construção de habitações não somente para a população transferida, como também nas áreas que se tornariam vagas após a remoção, criando para o capital imobiliário e industrial uma oportunidade de investimento altamente lucrativa. Em outras palavras, além dos interesses da cidade “vitrine da nação”, estavam em jogo no programa de remoção de favelas a especulação imobiliária e a reativação da construção civil, estagnada desde o final dos anos 1950 (Motta, 2000a). Durante os cinco anos de seu governo, foram construídas cerca de 12 mil unidades de habitações populares e removidas 27 favelas com cerca de oito mil barracos, alcançando 42 mil moradores (Oakim, 2014).7

A grande quantidade de obras em curso exigia um imenso montante de recursos, o que foi facilitado pelo acirrado anticomunismo de Lacerda e por sua proximidade com o governo norte-americano. Assim, boa parte dos recursos investidos, cerca de cinquenta bilhões de cruzeiros (valor à época), proveio de empréstimos externos de agências internacionais de financiamento: parte por meio de empréstimos do BID,8 parte por doações realizadas por intermédio da AID9 e do Fundo do Trigo.10

Outra fonte de recursos para a execução das obras adveio da característica peculiar da composição tributária da Guanabara: com a unificação dos caixas municipal e estadual, os impostos federais distribuídos em cotas pelos estados e municípios convergiam para o mesmo cofre. Além dos empréstimos estrangeiros e do caixa único, Lacerda aumentou em 20% a alíquota do Imposto sobre Vendas e Consignação (IVC), ampliando consideravelmente a arrecadação do estado.11

Esse processo se acentuaria a partir de dezembro de 1962, quando Carlos Lacerda assumiria publicamente sua intenção de se candidatar à presidência nas eleições de 1965. A partir de então, além das forças conservadoras que se aglutinavam em torno de sua figura (cabe lembrar que era ferrenho opositor ao comunismo e à reforma agrária), Lacerda também contava com as obras realizadas na cidade como uma espécie de vitrine política (Motta, 2000b).

E foi nesse contexto de soma das necessidades de manter a cidade do Rio de Janeiro na vanguarda do Brasil e de manutenção da tradição da capital e do projeto político pessoal de Carlos Lacerda de se tornar presidente que se contratou a execução de um urbanista para elaborar um plano de remodelação urbana que prepararia a cidade para assumir uma posição de liderança no continente sul-americano até o ano 2000. O plano Doxiadis, como ficou conhecido o Plano de Desenvolvimento Urbano a longo prazo para o estado da Guanabara, seria o instrumento técnico que legitimaria a construção de uma imagem nacional para Lacerda (Oakim, 2012).

A contratação de Doxiadis

Antes de analisarmos o processo de contratação de Doxiadis e o conteúdo do plano propriamente dito, é importante atentar para o que representa um plano urbanístico para uma cidade. Um plano urbano retrata a construção, no papel ou no plano da utopia, de uma cidade ideal, de uma cidade desejada. Assim, um plano para uma cidade constitui uma interação entre realidades e representações que expressam modos de pensar, intenções e sonhos. Tendo essa perspectiva em mente, é importante acrescentar que um território de uma cidade não é um vazio a ser preenchido, mas local de relação, de posicionamento e de disputa de significados. Dessa maneira, o urbanismo, enquanto técnica de gestão de populações nos territórios urbanos, é ato político de atribuição de sentido a esses locais, em disputa com outras narrativas também políticas.12

Ademais, também faz-se importante uma reflexão sobre o indivíduo que se tornaria porta-voz desse discurso, ou seja, aquele investido da função oficial de planejar a cidade; no caso aqui estudado, o urbanista Doxiadis. A contratação de um profissional notoriamente reconhecido para a elaboração de um plano diretor é também a encenação de um drama público, uma espécie de invenção organizacional do estado para produzir uma visão oficial, que passa a se impor como legítima.13 E é sob essa perspectiva que nos aproximaremos da seleção de Doxiadis como o urbanista contratado por Lacerda.

Assim, a escolha de Doxiadis para a elaboração do dito projeto não foi aleatória ou por modismo. Ao contrário, materializou em si aquela que era a questão-chave do governo Lacerda: a manutenção da capitalidade da Guanabara. Para além desse objetivo, a seleção de Doxiadis representava simbolicamente (e de diversas maneiras) uma oposição à Juscelino Kubistchek. Para entendê-la, é necessário investigar um pouco sobre a história e a atuação do urbanista grego Constantinos Apostolos Doxiadis (1913-1975) que, à época, coordenava um importante centro de pesquisas em Atenas, na Grécia.

Quando chamado por Lacerda para trabalhar na Guanabara, Doxiadis era figura importante nos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAMs), espaços nos quais eram debatidas ideias referenciais para a concepção de projetos urbanos em todo o mundo. Desde a década de 1930, os debates nos CIAMs vinham sendo marcados pelo paradigma do urbanismo modernista, principalmente aquele proposto pelo arquiteto suíço Le Corbusier, um dos primordiais ícones dessa corrente. Por meio de um radical rompimento com a estrutura formal tradicional – ideia da tábula rasa, da substituição de uma realidade caótica e desordenada por uma nova ordem – os urbanistas modernistas pretendiam não somente solucionar os problemas espaciais da cidade, mas também as questões sociais decorrentes do processo de industrialização (Choay, 1979). Essas ideias corbusianas circularam com grande força na América Latina,14 tornando-se inspiração para projetos realizados no período do desenvolvimentismo – o projeto de Brasília é um exemplo paradigmático da aplicação dessas teorias.

Ao final da década de 1950, assistiu-se a uma conjuntura de crise e de dissolução do ideário urbanístico dos CIAMs. Após o término da Segunda Guerra Mundial, ganhou força um questionamento do grau de abstração da Carta de Atenas15 e a necessidade de se adaptar os princípios do urbanismo às condições dos países fora da Europa.

A consequência mais imediata desse questionamento foi o fim da hegemonia do movimento modernista no urbanismo. O mito da cidade como máquina perdeu espaço para uma visão desenvolvimentista, impulsionada pela expansão do modelo de capitalismo norte-americano. Essa nova corrente tinha como principal bandeira a defesa da necessidade de se reinserir o homem no movimento de planificação urbana, suprimindo a ideia de um modelo estático em favor de uma concepção do tempo e da história como criação permanente. Sua influência contribuiu, sobretudo nos Estados Unidos, para a constituição de uma nova corrente do pensamento urbano, da qual Doxiadis era um dos principais expoentes (Oakim, 2012).

E foi como fruto da crítica ao paradigma modernista que nasceu a equística, a ciência dos agrupamentos humanos desenvolvida por Doxiadis. Com origem etimológica como uma tradução livre do grego oikistikh (derivado da palavra grega ekos, habitat, e do verbo eko, assentar), foi o termo cunhado por Doxiadis para tratar do assentamento humano em todas as escalas de desenvolvimento da vida do homem. Sua meta era construir o equilíbrio entre homem e seu habitat por meio da compreensão do entrelaçamento daqueles que considerava os cinco elementos constituintes de um assentamento: natureza, homem, sociedade, estruturas e redes (Doxiadis, 1962, 1963, 1970).

Para Doxiadis, o urbanismo proposto pelos CIAMs propunha o enfrentamento de perigos concretos com sonhos irrealizáveis de cidades ideais. Ademais, defendia que, para construir as cidades necessárias ao homem, o planejamento urbano deveria abandonar as perspectivas utópicas e buscar a compreensão das forças que condicionavam as cidades do futuro e a vida que se desejava levar nelas.

A crítica de Doxiadis ao urbanismo moderno se estendia à compreensão do arquiteto como o profissional eleito para tratar dos diferentes problemas das distintas cidades. Por essa razão, a equística propunha em torno de si a conjunção de várias disciplinas: economia, ciências sociais, ciências políticas e outras tecnológicas e culturais. Assim, com essa abordagem, pretendia construir, para cada caso, um ponto de vista particular, que pudesse servir de base para o desenho urbano em suas diversas escalas.

Tendo esse debate em mente, podemos observar que a seleção de Doxiadis, o urbanista criador da nova ciência que suplantaria o paradigma modernista de urbanismo, para ser o autor do plano diretor da Guanabara reflete a proximidade entre Lacerda e os Estados Unidos. Sua contratação foi exemplo de que a aproximação ocorrida durante as décadas de 1950 e 1960 foi mais do que política e econômica: também se estendeu à concepção de cidade. Nesse sentido, a escolha de Doxiadis por Carlos Lacerda se deu não somente pela fama e reconhecimento do urbanista no cenário mundial, mas, principalmente, por uma afinidade ideológica, na qual ambos representavam uma aproximação com o referencial norte-americano de cidade e de economia; lembrando que o planejamento urbano é ato político, ainda que disfarçado de técnico.

O plano Doxiadis16

Os tempos mudam, o Rio muda e essas mudanças trazem, para a metrópole, o problema fundamental de se preparar para um novo papel no desenvolvimento futuro do país. (Guanabara, 1967, parágrafo 981, grifo nosso)

Em maio de 1964 (já em meio à ditadura civil-militar), o escritório Consultores Associados Doxiadis17 foi contratado por uma quantia de setecentos mil dólares para a elaboração do Plano de desenvolvimento urbano a longo prazo para o estado da Guanabara.18 O contrato, fechado por meio da Cohab-GB,19 previa também a elaboração de um Programa Especial de Ação (SPA)20 para imediata execução das obras mais urgentes.21

Simultaneamente à contratação de Doxiadis, foi criado na estrutura administrativa do governo do estado um serviço especial, a Comissão Executiva para o Desenvolvimento Urbano do estado da Guanabara (Cedug), cuja função seria acompanhar e assessorar o escritório grego. A Cedug (com uma equipe constituída por arquitetos, engenheiros civis e estatísticos) deveria tornar-se, após a entrega do plano, o órgão da Guanabara responsável pela coordenação e implantação dos planos físicos para o desenvolvimento urbano.

Os Consultores Associados Doxiadis se dividiram em dois grupos: um na Guanabara, que coordenaria junto à Cedug os vários estudos e levantamentos topográficos necessários, e outro em Atenas. O relatório final foi elaborado pelos dois grupos, sob a supervisão e a orientação pessoal de Doxiadis.22

É interessante atentar à urgência que a gestão de Lacerda imprimiu sobre a equipe de Doxiadis. Essa urgência ficou expressa na elaboração emergencial de documentos relacionados a temas que lhe eram caros. Assim, em junho de 1964, com apenas um mês de trabalho, foram elaborados quatro relatórios emergenciais, entre eles o Programa Especial de Ação (SPA), sobre remoções de favelas e construção de habitações populares.23 Como já mencionado, o programa de remoção de favelas era, então, uma das principais políticas urbanas de Lacerda e sua incorporação como relatório emergencial reforça essa importância. Ademais, é necessário destacar que, com apenas trinta dias de trabalho, a equipe de Doxiadis não poderia ter se debruçado detalhadamente sobre a questão, reproduzindo, assim, em seu relatório, grande parte das diretrizes elaboradas pela gestão de Lacerda e já em implementação desde 1963 (Oakim, 2012, 2014).

Posteriormente, após um ano de trabalho, em março de 1965, foi entregue o relatório preliminar sobre o desenvolvimento urbano da Guanabara, com as propostas iniciais da equipe. Elaborado com base nos dados disponíveis e nos levantamentos realizados em 1964 pela Cedug, esse relatório continha um extenso e minucioso estudo sobre o estado. Após sua aprovação, prosseguiu-se à elaboração do relatório final, entregue ao fim de 1965, após 17 meses de trabalho.

Doxiadis defendia que, para assegurar o desenvolvimento da cidade, a política fundamental a ser adotada era a de um planejamento em larga escala, que coordenasse os planejamentos socioeconômico e físico a programas de âmbito nacional e metropolitano. Por conseguinte, o plano de remodelação urbana da Guanabara para o ano 2000 deveria organizar, em forma de distribuição física, as diferentes necessidades identificadas durante a elaboração do estudo. Nesse sentido, o plano Doxiadis foi um plano diretor físico, que definiu as áreas exigidas e as localizações aconselháveis para as atividades necessárias para que, ao início do milênio seguinte, o estado estivesse completamente urbanizado de acordo com “um padrão de crescimento equilibrado e, portanto, pudesse funcionar perfeitamente” (Guanabara, 1967, parágrafo 1.720).

Doxiadis supunha que alguns dos problemas de ordem econômica do estado da Guanabara derivavam da obsolescência relativa e parcial de sua infraestrutura física – ainda que o governo Lacerda viesse promovendo, nos últimos anos, um grande número de obras públicas, a cidade não contava com um plano geral de renovação de sua infraestrutura urbana que pudesse promover seu crescimento ordenado. Sendo assim, o plano diretor para o ano 2000 continha duas finalidades maiores: a criação da infraestrutura física necessária ao desenvolvimento sadio da cidade e a resolução dos problemas urgentes do tecido urbano, sem que se violentasse indevidamente a qualidade, a beleza, o encanto e o caráter da cidade.

Todo o estudo foi executado em três escalas: macroescala, mesoescala e microescala – conforme a metodologia da ciência equística (Doxiadis, 1962, 1963, 1970). No plano para a Guanabara, a essas três escalas correspondiam, respectivamente: a) o papel e a influência do estado do Rio de Janeiro no cenário nacional; b) o estado do Rio de Janeiro e o estado da Guanabara dentro dos limites da sua área metropolitana e, finalmente, c) o exame de dois bairros, Copacabana e Mangue. Apesar da análise diferenciada, o objeto principal e campo de estudo do plano era o espaço da mesoescala, para o qual se propôs o plano diretor, os programas quinquenais de desenvolvimento urbano e os projetos físicos.

A opção por desenvolver o estudo em três escalas diferentes fazia parte do entendimento de que o que estava em jogo na elaboração desse plano era a função do estado da Guanabara na federação. Por essa razão, foi elaborado um plano que, ao consolidar o papel da Guanabara na mesoescala, asseguraria sua posição de liderança na macroescala e, consequentemente, a capitalidade da cidade.

O Rio de Janeiro é um dos maiores centros do continente sul-americano e, como antiga capital, sua influência se estende até as fronteiras nacionais e possivelmente além. As funções administrativas federais estão sendo absorvidas pela nova capital, Brasília, mas o Rio de Janeiro ainda conserva alguns serviços federais e permanece como capital cultural do Brasil. (Guanabara, 1967, parágrafo 89, grifo nosso)

O estudo da área de influência da Guanabara se relaciona, ademais, com uma questão cara a Doxiadis: a investigação sobre a cidade do futuro (Doxiadis, 1969). A cidade do futuro havia sido seu primeiro projeto de pesquisa, iniciado em 1960, a partir de uma ideia concebida em 1958. Analisando a velocidade de crescimento da população e, consequentemente, a expansão da terra ocupada, Doxiadis se propôs a estudar a provável e futura cidade planetária, que ocuparia toda a superfície terrestre e incluiria todos os habitantes da Terra. A esse assentamento deu o nome de Ecumenópolis, termo derivado da palavra grega ecoumeni ou, em português, ecúmeno, toda a área habitável da superfície terrestre.

Uma vez que, aos olhos de Doxiadis, o advento da Ecumenópolis seria inevitável, tornava-se urgente seu planejamento de modo que essa grande cidade, com população entre vinte e trinta bilhões de pessoas (projeção para o final do século XXI), fosse construída de forma habitável e confortável ao homem. Segundo a análise realizada no Centro de Atenas, a Ecumenópolis cobriria todo o planeta com uma rede contínua de menores e maiores concentrações urbanas de diferentes formas, cujos centros se localizariam nos seguintes locais: costa leste dos Estados Unidos; região dos Grandes Lagos, nos Estados Unidos; costa sudoeste dos Estados Unidos; costa leste da China, os vales dos rios Ganges e Nilo e costa leste do Brasil.

Diante da constatação de que a costa leste do Brasil seria um dos pontos nodais da Ecumenópolis, Doxiadis, de certa maneira, se permitiu extrapolar a questão lacerdista de manutenção da capitalidade carioca, dando a ela uma nova dimensão: não somente uma disputa local entre Lacerda e Juscelino Kubistchek (ou entre a Guanabara e Brasília), mas uma preparação para uma realidade futura mais distante, de uma cidade global.

Tendo isso em mente, podemos retomar (e também extrapolar) a importância e o cuidado implementado na contratação do urbanista Doxiadis para a elaboração do plano diretor. Doxiadis representava a superação do paradigma urbano que fundamentou a grande realização de Juscelino Kubistchek: Brasília. Ademais, Doxiadis preparava um plano que garantiria à belacap mais do que a reconquista de uma capitalidade em relação à federação, asseguraria a capitalidade em relação à cidade do futuro, enquanto capital da Ecumenópolis da América Latina.

As propostas do plano físico

Tendo em mãos a perspectiva de que a Guanabara seria um dos centros da futura Ecumenópolis, Doxiadis se debruçou sobre o território urbano do estado, de modo a identificar seus principais eixos de desenvolvimento. Os eixos identificados no plano são:

a) O eixo de orientação leste-oeste, que ligava o complexo industrial nascente em Santa Cruz à zona central da cidade. Não se tratava de uma rota nova, mas de um eixo que possuía sua origem na antiga Estrada Real e que, segundo o plano, no futuro, configurar-se-ia como o principal eixo da Guanabara, a espinha dorsal do desenvolvimento interno. Esse eixo era a dimensão local do vetor de formação da grande megalópole Rio-São Paulo.

b) O eixo interno norte-sul, formado pela avenida Brasil. Conformando-se como o principal eixo de atração da área metropolitana, seu desenvolvimento deveria assegurar para a Guanabara a manutenção de uma posição dominante no desenvolvimento futuro, para além das fronteiras do estado.

c) E, finalmente, o eixo promovido pelo crescimento dos bairros de Irajá, Penha, Madureira e Jacarepaguá. Favorecido pela construção de um viaduto sobre a linha férrea da Central do Brasil em Madureira, era um importante eixo de importância local que poderia estimular o desenvolvimento urbano de Jacarepaguá.


Figura 1 – Os três vetores de crescimento. Ao centro, a linha horizontal vermelha representa o eixo leste-oeste, espinha dorsal da Guanabara e vetor de crescimento da megalópole Rio-São Paulo. Também ao centro, a linha vertical vermelha representa o eixo local de crescimento dos bairros de Irajá, Penha, Madureira e Jacarepaguá. Por fim, a linha horizontal vermelha à direita do mapa representa o eixo interno norte-sul, iniciado na avenida Brasil e que segue em direção às cidades vizinhas. Fonte: produção da autora sobre os desenhos originais do plano


A partir da análise e da localização dos três principais vetores de crescimento da Guanabara, Doxiadis estruturou o plano físico, que prepararia o caminho para o desenvolvimento gradual de um “sistema de comunidades interdependentes, equilibrado e de funcionamento adequado que [fosse] parte de um óbvio conjunto unificado físico e social” (Guanabara, 1967, parágrafo 1.060). Dessa maneira, seguindo a direção apontada pelos três eixos internos apresentados anteriormente, Doxiadis compôs uma malha de comunidades, estruturada segundo uma hierarquia funcional e de grandeza, conforme os fundamentos da teoria equística.


Figura 2 – Mapa da estrutura das comunidades. Em vermelho, as vias expressas que estabeleceriam os limites das Comunidades Classe VI. Em azul, a Zona Central de Classe VIII. Fonte: produção da autora sobre os desenhos originais do plano


De acordo com a hierarquia estabelecida, a Guanabara estaria organizada naquilo que Doxiadis denominou Comunidades Classe VI,24 separadas por vias expressas de alta velocidade (em vermelho, na Figura 2) e cujos centros se ligariam uns aos outros por áreas verdes. Essas comunidades deveriam ser autossuficientes nos empregos e na disponibilidade de serviços locais, de modo que a população residente não necessitasse circular fora de seus limites.

O grande centro da Guanabara seria uma única Zona Central de Classe VIII (em azul, na Figura 2),25 centro de gravidade de toda a área metropolitana e responsável pela manutenção do papel preponderante do estado no cenário regional e nacional. Essa zona, cujo início seria no bairro do Centro, se estenderia ao longo da margem da baía de Guanabara e possuiria, ao longo de sua orla marítima, uma sequência de parques e áreas de recreio.

A redistribuição equitativa de funções no território da Guanabara deveria ser acompanhada de um programa de construção de novas vias arteriais de alta velocidade que viabilizariam o deslocamento dos habitantes. O grande objetivo desse programa seria converter o sistema existente de artérias radiais direcionadas ao Centro em um sistema mais equilibrado, formado por uma rede quadriculada de vias norte-sul e leste-oeste. Para tal, o estado da Guanabara deveria se utilizar da construção de pistas de alta velocidade em estruturas elevadas, além do alargamento e da abertura de ruas, mediante projetos de remodelação urbana.

A metodologia utilizada para o desenho da rede de transportes abraçou os seguintes passos: primeiro, foi determinada uma rede principal de vias com base nos usos da terra e na distribuição da população previstos para o ano meta; em seguida, essa rede foi testada por meio de um modelo matemático, no qual todos os trajetos foram computados e aplicados à malha com o auxílio de um computador eletrônico.26 Posteriormente, com base nos dados obtidos, foram elaborados os projetos finais, que contavam com 403 km de freeways com controle absoluto de acesso e 517 km de avenidas expressas, atendendo à demanda de 15 milhões de viagens-pessoas projetada para o ano 2000.27

Por fim, o plano previa um sistema de transporte coletivo para servir aos corredores intensamente trafegados. Localizado ao longo da Zona Central Leste-Oeste e da costa oriental, consistia em dois sistemas: a) um serviço de transporte coletivo rápido com limitado número de paradas, para servir a deslocamentos de grandes distâncias e b) um serviço de transporte coletivo de velocidade média e alta capacidade, com paradas distanciadas entre quatrocentos e seiscentos metros. Esses sistemas deveriam, preferencialmente, ser constituídos de estradas de ferro elétricas, com trechos subterrâneos.


Figura 3 – A rede de transportes projetada para o ano 2000. As linhas pretas correspondem às freeways e vias expressas projetadas por Doxiadis. Em vermelho, as vias expressas prioritárias, que deveriam ser construídas nos primeiros cinco anos e que correspondem aos principais vetores de crescimento. Em azul, a linha de metrô a ser construída sobre a via expressa. Fonte: produção da autora sobre os desenhos originais do plano


Assim, por meio da estruturação de uma hierarquia de comunidades e de uma rede de transportes adequada, Doxiadis acreditava ter definido as bases de uma estrutura urbana que asseguraria o desenvolvimento sadio da Guanabara.

Para além do expresso no desenho dos urbanistas, é interessante observar que um plano físico representa a tradução para uma forma urbana de conceitos e posições políticas. Assim, ao analisarmos as propostas apresentadas por Doxiadis, é possível identificarmos diretrizes e decisões que reforçam as intervenções que Lacerda já vinha fazendo na cidade. Aqui destaco o já mencionado relatório emergencial para as favelas, alinhado ao programa de remoções.

Ademais, também são traduzidos em desenho urbano conceitos conservadores e hierarquizados de sociedade, como a concepção de um território sem conflitos sociais por meio da organização e da separação espacial das classes. Esse posicionamento é traduzido no plano Doxiadis na forma de uma cidade de estrutura celular, segregada em comunidades de diferentes categorias. De acordo com essa estrutura proposta, o território urbano da Guanabara consistiria em células autônomas, interconectadas por uma circulação periférica, solução urbana que evitaria o contato entre diferentes classes sociais e, portanto, o conflito. Por fim, é importantíssimo destacar que esse plano foi consolidado já em meio à ditadura civil-militar e, dessa forma, já estava alinhado com o planejamento autoritário que se implantou naquele período e que também foi praticado durante a gestão de Lacerda.

Considerações finais

Estruturado como um plano diretor para o ano 2000, o plano Doxiadis representou uma proposta de reordenação e reestruturação urbana que se propôs enfocar todos os problemas do estado da Guanabara e de sua área metropolitana. Produzido em um período de questionamento e reelaboração do papel da cidade do Rio de Janeiro, refletiu em seu conteúdo e propostas os conflitos do momento, ao propor uma ferramenta de governabilidade que supostamente seria capaz de orientar os caminhos futuros, garantido ao estado uma posição destacada no cenário nacional.

Para além do recorte temporal da década de 1960, é sintomática a elaboração de um plano para assegurar a capitalidade do Rio de Janeiro, que foi, desde sua fundação em 1565, uma espécie de cidade híbrida: não apenas mais uma cidade pertencente a uma colônia do império português, mas sim um centro articulador e irradiador de políticas e de pensamento (Rodrigues, 2002). É essa a razão provável da quantidade de planos urbanísticos que tiveram a cidade como objeto ao longo de sua história, exemplos de diferentes futuros almejados para todo o Brasil (Rodrigues; Oakim, 2015).

Nesse sentido, a proposta de Doxiadis torna-se ainda mais emblemática ao tomar como objetivo temporal o ano 2000 – data simbólica de uma nova era, um novo milênio, no qual, ainda que a realidade das cidades estivesse completamente diferente daquela da década de 1960 (não esquecer da crença no advento da Ecumenópolis), a posição de liderança do Rio de Janeiro estaria assegurada pela implementação do plano diretor.

Por ter sido entregue em dezembro de 1965, no último minuto da gestão de Lacerda como governador da Guanabara, o plano não poderia ser aplicado por aquele que o havia contratado. Ademais, em uma atitude que constrangeria o seu sucessor, Lacerda havia anunciado publicamente que deixava para ele, o governador Negrão de Lima, um plano de governo pronto.

Negrão, opositor de Lacerda, não poderia implementar o plano Doxiadis sem custos políticos. Em um primeiro momento, como solução, tentou contratar um outro arquiteto, o brasileiro Sérgio Bernardes, para elaborar um novo projeto. No entanto, cedendo à pressão, em 1966, formou a Comissão Executiva de Projetos Especiais (Cepe), ligada à Sursan28 e à Cohab-GB para analisar o plano de Lacerda. Essa comissão criticou o conteúdo, afirmando que o plano era válido somente na produção de dados necessários à elaboração de outros estudos e que carecia de objetividade enquanto plano diretor (o que, de certa maneira, é verdadeiro).29

Por essa razão, o plano Doxiadis teve sua importância prática reduzida. Sua forte associação com a figura de Lacerda contribuiu também para seu abandono, uma vez que não interessava a criação de vínculos com o polêmico ex-governador que havia apoiado e rompido com a ditadura civil-militar, gerando inimigos em ambas as frentes: a golpista e a democrática. Obscuro até os dias de hoje, há pouquíssimos exemplares do plano para consulta,30 além de seu conteúdo ser repetidamente confundido com outros projetos. Ainda assim, trata-se de uma importante referência para o planejamento urbano, principalmente por ser o primeiro documento elaborado para a cidade do Rio de Janeiro que trata de uma metodologia de planejamento e gestão da cidade.

Referências

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Recebido em 31/8/2022

Aprovado em 24/10/2022


Notas

1    O francês Charles-Edouard Jeanneret-Gris, conhecido como Le Corbusier, foi um dos mais importantes arquitetos modernistas de sua geração. Sua produção e seu ideário foram referência na arquitetura e no urbanismo em todo o mundo.

2    Essa não havia sido a primeira aproximação entre Juscelino Kubistchek e a arquitetura moderna. Enquanto prefeito da cidade de Belo Horizonte na década de 1940, Juscelino promoveu um processo de modernização urbana da cidade que culminou com a construção de um novo bairro: a Pampulha, onde se utilizou a linguagem moderna, com a arquitetura de Oscar Niemeyer. O exemplo torna-se ainda mais pertinente se atentarmos para o fato de que Belo Horizonte havia sido construída na década de 1890 para ser a capital do estado de Minas Gerais, como uma cidade-símbolo da civilização e do progresso promovidos pela República. Brasília, assim como Belo Horizonte, deveria ser a cidade dos sonhos, ambas modernas e promovendo a interiorização do país (Oliveira, 2002b).

3    Destaco aqui o trabalho de Marly da Silva Motta, que explora a articulação da União Democrática Nacional (UDN) e de Carlos Lacerda contra a transferência do Distrito Federal para Brasília e pela manutenção da capitalidade do Rio de Janeiro. Ademais, Motta explora a relação entre essa luta e o projeto político pessoal de Lacerda de tornar-se presidente.

4    Carlos Lacerda, um dos maiores opositores de Vargas, antes de ser eleito governador da Guanabara havia sido deputado federal e vereador pela UDN. Ademais, jornalista de profissão, utilizou seu jornal Tribuna da Imprensa como palanque político.

5     Ao final da década de 1940, a participação da cidade no Produto Interno Bruto (PIB) industrial caíra de 24% para 15%. Na década seguinte, cairia para 9,5%. Contudo, apesar da recessão, o Rio de Janeiro permanecia como segundo maior parque industrial do país, perdendo somente para São Paulo (Perez, 2007).

6     A elaboração de planos e a realização de intervenções no território da capital para reforçar e atribuir uma nova estética a um momento político é algo que se repetiu por algumas vezes na história do Rio de Janeiro. Cabe aqui destacar as primeiras reformas de embelezamento promovidas após a chegada da família real em 1808, quando a cidade se tornou capital do império português. Ou ainda os trabalhos da Comissão de Melhoramentos, a reforma Pereira Passos e o projeto portuário de Francisco Bicalho, executados na virada para o século XXI e que marcaram a estética da capital na Primeira República. Ao fim da década de 1920, houve ainda a contratação de outro plano de embelezamento, o plano Agache. Há, também, a reforma Dodsworth, na década de 1940, que marca as intervenções varguistas no território da capital. Ou o Plano Urbanístico Básico (PUB-Rio) de 1975, elaborado quando o governo Geisel executou a transferência efetiva da capital para Brasília. Por fim, as intervenções realizadas na década de 1990 e baseadas nos conceitos do plano estratégico, que buscavam reconstruir a capitalidade da cidade (Rodrigues; Oakim, 2015).

7     Destacam-se as seguintes remoções: favela do Pasmado, favela Getúlio Vargas, favela de Benfica, favela do Esqueleto e, nos arredores da avenida Brasil, favela João Cândido, favela do Timbó, favela Bom Jesus e favela da praia de Ramos. Entre os conjuntos construídos nesse período destacam-se a vila Kennedy, em Senador Camará, a vila Aliança, em Bangu e a vila Esperança, em Vigário Geral.

8    O Banco Interamericano de Desenvolvimento (Inter-American Development Bank, IDB) foi criado em 1959, em Washington, com o propósito de financiar projetos de desenvolvimento econômico, social e institucional na América Latina e no Caribe.

9     Criada em 1961, a AID (em inglês U. S. Foreign Aid Program, programa de ajuda dos Estados Unidos ao exterior) reunia organismos norte-americanos que tratavam do auxílio ao exterior. Possuía em seu escopo diversas atividades, uma delas a Aliança para o Progresso (programa de assistência ao desenvolvimento socioeconômico da América Latina). Criada logo após a Revolução Cubana, pretendia viabilizar reformas e, ao mesmo tempo, “salvar” a América Latina do avanço do comunismo.

10     O Fundo do Trigo regulamentava empréstimos e doações advindos de recursos originados na comercialização dos excedentes agrícolas norte-americanos, que, na Guanabara, foram aplicados na construção de escolas e na urbanização e remoção de favelas.

11     A partir de 1967, o IVC passaria a ser chamado ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços). Segundo Perez (2007), foi da arrecadação gerada no próprio estado que advieram cerca de 90% dos recursos utilizados nas obras.

12     Para uma reflexão mais aprofundada, sugiro a leitura de Rama (1985) e Foucault (2008, 2005).

13    Para um aprofundamento, ver o debate sobre comissão em Bourdieu (2014).

14     O contato entre as ideias dos CIAMS e a América Latina começa em 1929, durante a realização do CIAM 2, em Frankfurt, Alemanha. Nesse mesmo ano, Le Corbusier realiza uma viagem de três meses por Argentina, Brasil e Uruguai – a construção do palácio Gustavo Capanema, edifício sede do antigo Ministério da Educação e Saúde, é consequência direta dessas visitas.

15     Documento que sintetiza o ideário do urbanismo moderno, elaborado durante o CIAM 4, realizado em 1933 em Atenas, Grécia.

16     Toda a análise do plano Doxiadis baseou-se no conteúdo de suas duas versões disponíveis, em inglês e português: Doxiadis Associates (1965) e Guanabara (1967).

17     Em inglês, Doxiadis and Associates.

18     Em inglês, Master plan and program for the development of the whole state of Guanabara.

19     A Companhia Estadual de Habitação da Guanabara foi criada em 1962 para gerir as políticas de moradia de interesse social no estado.

20     Sigla para o nome em inglês, Special Program of Action.

21     O alto custo do contrato e a escolha de uma firma estrangeira gerou forte oposição na cidade. Uma campanha capitaneada pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) chegou a criar uma comissão para avaliação do contrato entre a Guanabara e o escritório de Doxiadis. Arquitetos como Oscar Niemeyer, Maurício Roberto e Lúcio Costa também se opuseram à contratação do urbanista grego e criticaram o sigilo dos detalhes da contratação.

22     A título de curiosidade: compunham a equipe grega profissionais de diferentes áreas como arquitetos, engenheiros, estatísticos, economistas e até filósofos.

23     Os outros relatórios tratavam da (1) organização na estrutura administrativa dos serviços necessários a um planejamento urbano segundo a equística; (2) elaboração de uma legislação urbana adequada e (3) criação de um programa de instrução e treinamento de profissionais, além da produção de dados sobre a cidade.

24     Uma Comunidade Classe VI, segundo Doxiadis, possuiria população de 300 mil habitantes e funcionaria como uma espécie de bairro autossuficiente, ou até mesmo como uma pequena cidade.

25     Segundo as projeções de Doxiadis, no ano 2000 essa comunidade abrigaria 870 mil trabalhadores diários e 416 mil residentes.

26     A menção ao uso do computador eletrônico é interessante, pois além de indicar os primeiros passos do uso dessa ferramenta, aponta para uma crença na legitimidade técnica dos cálculos apresentados, garantida pelo uso da máquina.

27    Viagem-pessoa é o termo utilizado por Doxiadis para tratar do número de viagens que cada indivíduo faz enquanto circula em uma cidade ou área metropolitana.

28     A Superintendência de Urbanização e Saneamento do estado da Guanabara (Sursan) era a responsável pelas obras públicas no estado.

29     A Cepe também foi a responsável por traduzir o plano para o português, visto que o original foi entregue em inglês.

30     Ao longo da pesquisa, identifiquei somente dois exemplares originais do plano. Um autografado pelo próprio Doxiadis e com dedicatória a Carlos Lacerda, que é parte do acervo do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. O outro, parte do acervo da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano. Já as traduções para o português elaboradas em 1967 são de fácil acesso.



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