Acervo, Rio de Janeiro, v. 36, n. 1, jan./abr. 2023

Espaços urbanos e metropolização no Brasil (1940-1970) | Dossiê temático

Favelas e metropolização do Rio de Janeiro

O caso da favela da Vila do Vintém, no bairro de Realengo, no segundo pós-guerra

Favelas and metropolization of Rio de Janeiro: a case study on the Vila do Vintém favela, in the Realengo neighborhood, after the Second World War / Favelas y metropolización de Rio de Janeiro: el caso de la favela Vila do Vintém, en el barrio de Realengo, después de la Segunda Guerra Mundial

Henrique Mendes dos Santos

Doutorando em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professor auxiliar da Universidade de Vassouras, Brasil.

henriquedj@hotmail.com

Rafael Soares Gonçalves

Doutor em Histoire et Civilisations pela Université de Paris VII, França. Professor associado do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio, Brasil.

rafaelsgoncalves@yahoo.com.br

Resumo

O artigo visa compreender as particularidades de expansão da favela Vila do Vintém (localizada no bairro de Realengo) em um contexto de metropolização da cidade do Rio de Janeiro. A partir de análise do fundo Polícia Política do Arquivo do Estado do Rio de Janeiro e de reportagens de jornais do final dos anos 1940 e início dos anos 1950, o artigo procura analisar a articulação política dos moradores, identificando que a luta pela permanência e pelo direito à moradia também ocorria nas favelas mais distantes dos bairros mais centrais.

Palavras-chave: metropolização; habitação; favela; Vila do Vintém.

Abstract

The article aims to understand the particularities of the expansion of the Vila do Vintém favela (Realengo neighborhood) in a context of metropolization of the city of Rio de Janeiro. Based on the analysis of the Political Polices of record group of the Arquivo do Estado do Rio de Janeiro and newspaper reports from the end of 1940’s and the beginning of 1950’s, the article seeks to analyze the political articulation of the residents, identifying that the struggle for permanence and for the right to housing also occurred in favelas in more peripheric areas.

Keywords: metropolization; housing; favela; Vila do Vintém.

Resumen

El artículo tiene como objetivo comprender las particularidades de la expansión de la favela Vila do Vintém (barrio de Realengo) en un contexto de metropolización de la ciudad de Río de Janeiro. A partir del análisis del fondo de las Policías Políticas del Arquivo do Estado do Rio de Janeiro y de informes periodísticos publicados entre 1945 y 1950, el artículo busca analizar la articulación política de los residentes, identificando que la lucha por la permanencia y por el derecho a la vivienda también se dio en las favelas de las zonas periféricas.

Palabras clave: metropolización; vivienda; favela; Vila do Vintém.

Introdução

O conceito de metropolização se refere a uma associação de desenvolvimentos sociais e espaciais que, coexistindo com antigos processos de urbanização, trazem profundas modificações nas cidades. A metropolização suscita, assim, dinâmicas de apropriação e produção do espaço, resultando em novos conflitos e contradições. O processo de metropolização tem nas grandes cidades a sua face mais avançada, concentrando riquezas em certas áreas e ampliando a extensão territorial (Lencioni, 2020, p. 176). Essa extensão resulta em multiplicidade de centros e, muitas vezes, em descontinuidade do quadro construído (Leroy, 2000, p. 84).

Essa realidade ganha contornos específicos para as metrópoles latino-americanas, como o Rio de Janeiro. Para Flávio Villaça (2001), o contexto faz com que nelas seja realçada a luta de classes, travada em torno das condições de produção e consumo do espaço, isto é, em torno do acesso aos recursos e vantagens do urbano. Sobre os aspectos metropolitanos do Rio de Janeiro, Maria Therezinha de Segadas Soares, já em 1965, afirmou que a cidade “é uma metrópole na verdadeira acepção do termo, isto é, uma cidade que se caracteriza pela multiplicidade de suas funções e consequente heterogeneidade de sua fisionomia (Soares, 1965, p. 340). O processo de metropolização resulta em uma diferenciação social do espaço, como é o caso, por exemplo, no decorrer do século XX, da formação da Zona Sul para designar grande parte dos bairros nobres às margens do oceano Atlântico, ou do subúrbio carioca para designar grande parte dos bairros operários da cidade.

O presente artigo se volta para a compreensão desse processo de metropolização da cidade a partir da reflexão da favela da Vila do Vintém, situada no bairro de Realengo, localizado no que denominamos atualmente como Zona Oeste. Extremamente distante do centro e da mencionada Zona Sul, Realengo é cortado pela linha férrea da estação Central do Brasil e pela avenida Brasil, importante artéria de ligação das atuais zonas Norte e Oeste ao centro da cidade.

O início dos anos 1940 é um marco para pensarmos a expansão de Realengo, sobretudo quando estudamos a questão habitacional. A eletrificação da linha férrea, em 1937, e a possibilidade de maior proximidade entre as áreas suburbanas e o centro comercial da cidade tornaram-se atrativos para o bairro. A construção e inauguração do conjunto do Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários (Iapi), em 1943, também se configurou, conforme analisaremos, como um elemento importante no esforço em ocupar as áreas periféricas a partir de políticas habitacionais. A proposta do Iapi era inovadora à época e articulava o morar com outros elementos necessários à reprodução das condições de vida, como comércio, lazer e creches para os filhos dos operários. A política habitacional era pensada como um dos elementos do planejamento urbano, reforçando a expansão metropolitana que a cidade vinha apresentando naquele momento.

Ao mesmo tempo em que essa expansão do bairro e a criação do mencionado conjunto traziam possibilidades de melhoria das condições de vida de determinados segmentos de trabalhadores, a urbanização e a industrialização permitiam que movimentos e partidos ligados à causa operária pudessem se organizar e estabelecer suas ações políticas. Os bairros operários, inclusive aqueles em áreas suburbanas, passaram também a ser palco dessas ações, sobretudo através da atuação do Partido Comunista do Brasil (PCB), cujos comitês populares locais permitiram a execução de ações voltadas para as demandas dos moradores. Assim, a mobilização política se dava pela leitura das realidades dos bairros.

Enquanto o moderno conjunto dos industriários era construído, gradualmente se consolidava nas proximidades a localidade da Vila do Vintém, que se tornou uma das favelas mais proeminentes da região. O contexto da época mostra que as ações do Estado no âmbito da provisão de habitação não conseguiram beneficiar o conjunto dos trabalhadores, de sorte que viver em favelas era uma solução habitacional para um considerável contingente populacional, inclusive para muitos trabalhadores com carteira assinada (Gonçalves, 2022). A expansão das favelas na cidade acompanhou o processo de metropolização, que não ficou restrito às freguesias urbanas, mas se espalhou nas diferentes áreas da cidade, como foi o caso da Vila do Vintém no longínquo bairro de Realengo.1

Naquilo que tange à organização dos moradores da Vila do Vintém, o final dos anos 1940 vai marcar uma forte presença do PCB na mobilização política local contra uma tentativa de despejo dos seus moradores. Como desenvolveremos a seguir, o crescimento da mencionada favela se dá concomitantemente à construção do conjunto do Iapi de Realengo. Aliás, muitos dos operários do conjunto se tornam moradores da Vila do Vintém, e alguns deles passam, inclusive, a integrar os quadros do PCB no local.

O presente artigo pretende se concentrar nos anos pós-Segunda Guerra, quando os moradores da mencionada favela se mobilizam contra a tentativa de remoção de suas casas. Ao analisar o caso da Vila do Vintém, compreende-se como as políticas de erradicação das favelas não se limitariam àquelas situadas em bairros relativamente mais próximos das áreas centrais, como foi o caso da política dos parques proletários provisórios do início dos anos 1940 (Rodrigues, 2014; Almeida, 2020), mas chegariam também a favelas de bairros mais distantes, como Realengo. Para compreender a formação e a luta dos moradores da Vila do Vintém, foram analisadas reportagens de diferentes periódicos do final dos anos 1940 e princípio dos anos 1950, além do fundo Polícias Políticas no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. O artigo pretende contextualizar inicialmente o processo de expansão metropolitana do Rio de Janeiro no final da primeira metade do século XX, para depois compreender, mais especificamente, as políticas de habitação social e a expansão da favela da Vila do Vintém no bairro de Realengo e, por fim, discutir as formas de mobilização de moradores da mencionada favela nas suas lutas pela permanência.

A metropolização do Rio de Janeiro e a Vila do Vintém

A cidade do Rio de Janeiro foi a primeira a se industrializar no país e ganhar dimensões metropolitanas. Na reflexão de Gonçalves e Sochaud (2019) sobre a expansão metropolitana de Rio de Janeiro e São Paulo a partir dos dados demográficos e das indústrias do censo de 1920, identifica-se uma relação dialética entre urbanização e industrialização. Se, de um lado, a indústria estimulou a ocupação de certas áreas da cidade, atraindo moradores, a concentração urbana trouxe igualmente demandas específicas, que se refletiram na instalação de indústrias de vestuário, alimentação ou construção civil. Segundo os autores, o Rio de Janeiro já tinha iniciado sua transição metropolitana,2 enquanto São Paulo, no momento da realização do censo de 1920, ainda estava iniciando.

A fim de se adequar ao crescimento metropolitano, a cidade do Rio de Janeiro sofreu, após a promulgação da República, uma série de reformas urbanas, assim como planos e códigos se voltaram para pensar a cidade e fomentaram novas dinâmicas urbanas. Como afirma Torres (2018), se em 1890 a população suburbana correspondia a 17,8% da população do Rio de Janeiro, três décadas depois já seria de 30,8%. A estatística predial de 1933 já identificava o crescimento da cidade em ao menos três direções: i) aos bairros marítimos, sobretudo Copacabana; ii) para o extremo norte, com um enorme crescimento da área de Irajá; e iii) na ocupação de áreas relativamente mais distantes do centro da cidade em direção ao oeste, como o bairro de Jacarepaguá (Departamento de Estatística e Publicidade, 1935).

O Código de Obras do Distrito Federal (decreto municipal n. 6.000, de 1937) reforçou esse movimento, estimulando a expansão da industrialização da cidade na direção dos bairros dos subúrbios das linhas de trem da Central do Brasil e da Leopoldina, no que hoje conhecemos como Zona Norte. No entanto, esse decreto foi elaborado tendo em vista uma cidade de ocupação ainda bastante rarefeita. Várias áreas do território (sobretudo os bairros da atual Zona Oeste) permaneceram por um longo tempo sem um tratamento relevante, apresentando um zoneamento residencial mais rarefeito (ZR3) ou mesmo considerado como zona agrícola, como era o caso do bairro de Realengo (Borges, 2007, p. 98).

A abertura da avenida Brasil, inicialmente chamada de “variante da estrada Rio-Petrópolis”, também foi um elemento importante na consolidação da ocupação do subúrbio carioca. Como descreve Torres (2018, p. 291), a avenida Brasil foi inaugurada no mesmo ano que a avenida Presidente Vargas, mas apresentava características bem distintas. Ambas contribuíram para a expansão metropolitana da cidade, desafogando as áreas centrais. A avenida Brasil, mais especificamente, se configurou como uma espécie de estrada, que rompia a cidade, facilitando a conexão não somente de bairros mais periféricos, mas inclusive de cidades do então estado do Rio de Janeiro, situadas no entorno do Distrito Federal. Torres relata que seu primeiro trecho, inaugurado em 1944, ligava o Cais do Porto até o bairro de Parada de Lucas, passando pelo bairro da Penha, em trecho de 15 quilômetros. A metrópole começava, portanto, na década de 1940, a ganhar os contornos e limites que hoje conhecemos (Torres, 2018, p. 296).3

Assim, o esforço em expandir a cidade partia da distribuição das indústrias, da melhoria dos equipamentos de transporte, assim como da formulação das primeiras políticas habitacionais, como foi o caso do conjunto do Iapi de Realengo. Conforme analisado por Gonçalves (2013, p. 125), os investimentos dos institutos de aposentadorias e pensões desempenharam um papel considerável na expansão acelerada do mercado imobiliário daquela época. Apesar do volume considerável de moradias, os institutos favoreciam sobretudo os trabalhadores da indústria e dos transportes e, mesmo assim, não responderam a toda demanda desses grupos por moradia.

Ao mesmo tempo que os IAPs se apropriavam de vários elementos da arquitetura modernista, tais como a construção sobre pilotis, a importância dos espaços verdes e a grande densidade por edificação, eles estimularam notadamente a construção de grandes conjuntos. Como analisa Ferrari e Negrelos (2022, p. 194), os conjuntos habitacionais, “inseridos em um quadro de atuação desenvolvimentista liderada pelo Estado, podem ser compreendidos como dispositivos tanto para o alojamento operário condicionado às políticas estatais quanto para a conformação do que se compreendia como “cidade moderna”. “Os conjuntos utilizaram os critérios mais avançados da arquitetura da época para a habitação social, consolidando a aliança entre Estado e arquitetura moderna na transformação territorial na América Latina” (Gorelik, 2022, p. 101).

Voltando ao caso carioca: diante da distância territorial de Realengo, o Iapi construiu uma espécie de cidade modelo, onde o Estado poderia concretizar o ideal de proteção e de controle social dos trabalhadores. No entanto, como descreve Aravecchia-Botas (2016b, p. 200), as propagandas do Iapi de Realengo valorizavam o fato de estar próximo da linha férrea, recém-eletrificada (1937), facilitando também a locomoção da população e contribuindo para a configuração metropolitana da então capital federal.

Wilma Mangabeira descreve que o Conjunto Residencial de Realengo foi a primeira intervenção no campo habitacional feita pelo Iapi. A autora afirma que entre 1940 e 1951 foram construídos um total de 52 conjuntos habitacionais espalhados por diversos estados do país, mas com forte concentração nos bairros operários de Rio de Janeiro e São Paulo. O conjunto de Realengo foi “um campo de experiências tanto no sentido técnico-arquitetônico quanto no aspecto financeiro e social” (Mangabeira, 1989, p. 227). Aravecchia-Botas (2016a, p. 32) sublinha a qualidade das construções, assim como dos equipamentos de uso coletivo e áreas de lazer.

A partir dos fundos previdenciários desses institutos, como afirma ainda Aravecchia-Botas (2016a, p. 31), o poder público teve pela primeira vez a iniciativa de produzir habitação de interesse social no país. Foi uma espécie de “vitrine” das soluções encontradas para o problema da escassez de moradias populares. Para Mangabeira, “a solução financeira encontrada para preservar a saúde contábil do instituto e ao mesmo tempo oferecer moradias com preços subsidiados aos operários foi a de colocá-las para locação e não à venda” (Mangabeira, 1989, p. 228). Assim, para constituir um patrimônio sólido que representasse segurança e rentabilidade para o instituto, houve uma forte preocupação com a qualidade das edificações a serem construídas (Aravecchia-Botas, 2016b, p. 96).

O instituto, de fato, tornou-se uma espécie de incorporador imobiliário, “agente direto de produção da cidade como forma de incrementar suas atividades atuariais” (Aravecchia-Botas, 2016b, p. 103). Podemos fazer um paralelo entre o Iapi de Realengo e a intervenção da Fundação da Casa Popular no bairro de Guadalupe, relativamente próximo de Realengo. Criada em 1º de maio 1946, a Fundação foi o primeiro órgão estatal voltado exclusivamente para a habitação popular. Apesar de resultados pífios em escala nacional, ela teve um impacto importante em Guadalupe. Ambas as experiências representam um papel importante das políticas de habitação no planejamento da cidade, consolidando a ocupação de bairros mais distantes do centro e contribuindo para a feição mais metropolitana da cidade.

A provisão de moradia por essas experiências, seja por insuficiência de número de unidades, seja pelo perfil específico dos beneficiários ou pelos custos elevados, não respondeu plenamente à demanda. No entorno desses projetos de moradia, favelas se estruturavam praticamente ao mesmo tempo que eles e, em alguns casos, como veremos para a Vila do Vintém, trabalhadores desses projetos acabaram se estabelecendo em favelas da região.4

O interesse do Estado na provisão de moradias nesses bairros suscita tensões e conflitos pelo uso da terra. Ao se analisar o caso da favela da Vila do Vintém na década de 1940, é possível compreender o processo de construção social de uma determinada localidade como favela. Grandes parcelas de bairros afastados da cidade foram erigidas por autoconstrução e com alguma forma de precariedade jurídica quanto à propriedade do solo. Isso não era diferente quanto ao bairro de Realengo e, especificamente, à Vila do Vintém.

Nesse sentido, não é possível estabelecer uma data precisa de quando surge a localidade da Vila do Vintém e se sempre foi considerada uma favela. A rua Belisário de Sousa, principal rua da Vila do Vintém, contava, segundo a estatística predial de 1933 (Departamento de Estatística e Publicidade, 1935), com sessenta construções, das quais 26 eram casebres de madeira. Por sua vez, o censo de favelas de 1948 da prefeitura do Distrito Federal já elencava a Vila do Vintém no conjunto de favelas da cidade (também chamada de Dutra nesse documento) e afirmava que existiam 949 construções residenciais, dez comerciais e dez de uso misto no local (Prefeitura do Distrito Federal, 1949, p. 22). Já o censo nacional de 1950 constatava que 5.938 pessoas moravam na favela da Vila do Vintém (IBGE, 1953, p. 40).5 Tais levantamentos possuíam metodologias distintas e não nos permitem compreender ao certo o processo de crescimento da favela no período. No entanto, podemos afirmar que, ao final dos anos 1940, a Vila do Vintém já se consolida como uma importante favela da cidade e, como veremos a seguir, contrapõe-se ao projeto moderno de habitação operária do conjunto do Iapi.

Entre o progresso e o “atraso”: a construção do bairro operário e o nascimento da Vila do Vintém

A reportagem de 5 de julho de 1940 do Jornal do Brasil estampa a seguinte manchete: “As obras da cidade operária”. Nela consta que o ministro do Trabalho, Waldemar Falcão, acompanhado do chefe do seu gabinete e do presidente do Iapi, visitavam um aprazível terreno situado entre as estações de trem de Realengo6 e Moça Bonita (atual estação Padre Miguel), onde seriam construídas 2.321 casas higiênicas e confortáveis. A chamada “cidade operária” do Iapi também seria dotada de escola, creche, ambulatório médico, praça de esportes, além de edifícios comerciais. Era o sonho dourado da habitação popular que se consumava para os trabalhadores.

O contexto brasileiro do pós-Segunda Guerra apresenta a construção de um pacto baseado na ideia de cidadania regulada (Santos, 1979). A inserção no mundo do trabalho e o reconhecimento da condição de trabalhador por parte do Estado permitia a um contingente ainda restrito de pessoas o acesso a direitos e benefícios via fundo público. A questão social passava também a ocupar a agenda política, e nesse bojo a habitação popular conquistava caráter de centralidade.

A habitação passou a ser condição básica da reprodução da força de trabalho na cidade, e a diminuição de seu custo ao trabalhador representava também a diminuição dos salários ao empregador. Ao longo da década de 1920, o problema da moradia dos trabalhadores deixou de ser tratado como empecilho às reformas dos melhoramentos urbanos nas áreas centrais e foi admitido como parte da transformação das cidades. A mobilização dos setores populares urbanos na Revolução de 1930 expunha o potencial político que a questão urbana, incluindo a habitação, ganharia durante o varguismo (Aravecchia-Botas; Kouri, 2014, p. 154).

Se, até então, o problema das habitações populares ficava a cargo de médicos e sanitaristas, cujo enfoque era a condição de higiene das residências, outras disciplinas passaram a incorporar o debate. Engenheiros, sociólogos, urbanistas e assistentes sociais adensaram a participação nas discussões, envolvendo o problema das moradias, mesmo considerando que a visão dos profissionais ainda fosse repleta de preconceitos morais e assistencialismo (Bonduki, 2012).

No caso específico da cidade do Rio de Janeiro, a expansão rumo aos subúrbios, algo já previsto, como destacamos anteriormente, no código de obras de 1937, e a também mencionada eletrificação da linha férrea no mesmo ano constituíam-se elementos que colaboravam para esse quadro. A possibilidade de integração com o centro comercial permitia o crescimento e a paulatina transformação das antigas freguesias rurais em bairros que lentamente ganhavam um caráter mais urbano, como foi o caso de Realengo.

O próprio código de obras já propunha ações de pouca tolerância com relação aos cortiços, em geral localizados nas áreas centrais da cidade, e às favelas, que deveriam ser removidas e substituídas por habitações proletárias de tipo mínimo. Algumas experiências do início dos anos 1940 foram realizadas em áreas mais próximas ao centro da cidade no contexto dos parques proletários provisórios, construídos de forma temporária justamente pelo interesse imobiliário que os terrenos onde se situavam as favelas suscitava (Gonçalves, 2013).

Se, inicialmente, foram construídas casas provisórias em áreas relativamente mais centrais, a construção de grandes conjuntos habitacionais passou a significar um novo horizonte, na tentativa do enfrentamento da crise habitacional por parte do Estado. As grandes glebas do subúrbio tornavam-se ideais para uma concepção de cidade, que negava as grandes densidades e amontoados urbanos característicos das áreas centrais (Aravecchia-Botas, 2011), sem contar com a possibilidade de, por um lado, adquirir terrenos menos custosos e, por outro, transferir a população operária para zonas mais distantes das áreas centrais.

Também é importante salientar que o debate habitacional vinha ganhando fôlego durante a Era Vargas e estava intrinsecamente ligado ao modelo de proletário que o regime pretendia forjar. A habitação era vista como elemento importante na construção do “novo homem”, sendo a expressão ideológica, política e moral do trabalhador, além de configurar-se como aspecto fundamental da reprodução da força de trabalho. Assim, as experiências habitacionais contavam com diferentes profissionais e estavam imbuídas de um caráter pedagógico.

Nesse contexto, uma das ações mais importantes apresenta indiretamente a participação do Estado através do financiamento de habitações pelos IAPs. Esses institutos abrigavam os trabalhadores de categorias profissionais como marítimos, industriários ou comerciários, sendo que havia possibilidade de financiamento das moradias utilizando-se até 50% dos recursos dos institutos em caixa (Bonduki, 2012).

Os investimentos dos institutos representaram um papel importante para a política habitacional da época. O Estado tentava ao mesmo tempo manter um ideal de proteção e controle dos trabalhadores. No entanto, a ideia anunciada aqui de proteção e controle não significa necessariamente a cooptação dos trabalhadores, supostamente passivos, pelo regime. Gomes (2005) mostra que, para além da visão simplista da adesão dos trabalhadores ao regime varguista em troca de ganhos materiais, subjaz a compreensão de que a classe trabalhadora lutou pela conquista de direitos, inclusive com forte adesão a movimentos de diferentes espectros políticos, como os comunistas, católicos, trabalhistas ou anarquistas. Dessa forma, é importante entender que os direitos sociais adquiridos no período Vargas não foram benesses, mas o resultado de mobilizações sociais por parte do proletariado.

O conjunto do Iapi de Realengo possuía infraestrutura que contemplava água, luz e esgoto, além de valorizar aspectos coletivos, como a construção de uma escola para 1.500 alunos, creches, ambulatórios médicos, quadras de esporte e um horto florestal. A distância de Realengo das áreas centrais forçou a se pensar em várias dimensões do morar, assim como o conjunto foi projetado justamente ao lado da linha férrea (Aravecchia-Botas, 2016b, p. 185). Ainda que a implementação de conjuntos habitacionais tenha sido fator determinante para a transformação dos subúrbios e que a presença do Estado tenha sido responsável por levar um aspecto de urbanidade às antigas freguesias rurais, as melhorias promovidas eram insuficientes, principalmente se comparadas às condições existentes nos bairros centrais, que serviam de moradia para as classes mais abastadas.

Da mesma forma, a oferta de habitação nesses conjuntos era insuficiente. No caso específico dos IAPs, os indicadores mostram que, exceto a categoria dos bancários, os demais tiveram taxas de atendimento muito inferiores, ficando abaixo dos 5% dos trabalhadores associados (Aravecchia-Botas; Kouri, 2014). Assim, mesmo os trabalhadores formalizados tiveram que recorrer a formas de autoconstrução de suas moradias. Conforme assinala Gonçalves (2022), a pretensa informalidade propriamente urbana não significava necessariamente informalidade no mercado de trabalho. Ao analisar dados das fichas do Serviço Social da Fundação Leão XIII na favela da Praia do Pinto, às margens da lagoa Rodrigo de Freitas, o mencionado autor identificou famílias com empregos mais estáveis, inclusive contribuindo aos seus respectivos institutos de aposentaria e pensão. Ele chega a constatar que algumas famílias da Praia do Pinto possuíam lotes em áreas distantes do centro e mesmo na Baixada Fluminense, mas, ainda assim, lutavam para permanecer na favela da Praia do Pinto.

O caso do conjunto do Iapi em Realengo fundou uma espécie de “ilha”, onde somente uma pequena parte da população se sentia contemplada por serviços públicos em detrimento de toda a restante, cuja provisão de bens e serviços era absolutamente precária. Em casos como esse, o aumento da desigualdade urbana suscitava também formas de reivindicação pelo acesso aos serviços. Assim, em que pese a tentativa de provisão habitacional via conjuntos como os do Iapi, favelas cresciam em número expressivo, em muitos casos de maneira concomitante e nas adjacências de tais conjuntos, como ocorreu com a favela Vila do Vintém.7

A reportagem do jornal Tribuna Popular,8 datada de 7 de fevereiro de 1947, apresenta o crescimento da Vila do Vintém, sinalizando que “enquanto olhamos para os telhados de zinco da Vila do Vintém, milhares de apartamentos se encontram vazios na Zona Sul”. A matéria chama a atenção para o “nascimento” da favela e as condições precárias de moradia, incluindo também o acesso difícil às bicas d’água. Além disso, cita que, próximo à favela, conjuntos residenciais estavam em construção, mencionando o caso do Iapi.

É possível identificar, para o caso específico da relação entre o conjunto do Iapi e a Vila do Vintém, que não se tratava apenas de proximidade física, mas envolvia também um conflito sobre a ocupação do espaço urbano, criando as condições necessárias para que uma série de lutas se desenvolvesse, tendo os moradores dessa favela como protagonistas. O relatório da Sociedade para Análise Gráfica e Mecanográfica Aplicada aos Complexos Sociais (Sagmacs)9 traz preciosas informações sobre essa favela:

A Vila do Vintém formou-se em 1945, quando se autorizou a construção de barracos em qualquer terreno da União, para fins de simples residência. O local era campo de treinamento de tropas do Exército. O comando dessa tropa procurou dar certa orientação à construção dos barracos. Mandou dividir o terreno em lotes e estabelecer um alinhamento dentro do qual seriam construídos os casebres. Esse alinhamento permanece até hoje, com ligeiras alterações, e evitou o amontoamento dos barracos. (Sagmacs, 1960, p. 18)

O relatório aponta ainda que a Vila do Vintém, considerada uma das mais pobres em termos de serviço de base, tinha duas escolas particulares. Além disso, seus moradores utilizavam duas escolas municipais situadas nas cercanias dessa favela, o que aponta para um crescimento significativo e uma plena integração dos residentes ao bairro. Outra questão que merece destaque no relatório é a sua relação com o conjunto do Iapi. Nesse caso, é curioso perceber que a produção de moradias populares significou a destruição de parte dessa favela, mostrando uma política ambígua do Estado. O relatório da Sagmacs traz as seguintes informações:

iniciada a construção, no local, de um conjunto residencial do Iapi, parte da favela foi demolida. Os que moravam nessa parte do terreno foram transferidos para barracos construídos pelo Instituto. Estes já foram construídos dentro da favela atual, aproveitando o espaço existente nos lotes. Essa medida despertou forte reação nos moradores, os quais lograram impedir que a frente dos lotes fosse ocupada por novos barracos. (Sagmacs, 1960, p. 18)

O relatório aponta que tanto a ocupação inicial estimulada e organizada pelo Exército quanto a sua transformação posterior, incitada pelas obras do conjunto Iapi, são claros exemplos de como o Estado acaba sendo, em muitas ocasiões, o principal promotor da ocupação dos espaços nos quais hoje se encontra boa parte das favelas. Esses exemplos jogam por terra qualquer tese de ação unilateral por parte dos favelados, ou de ação completamente à margem da lei, a não ser que se considere que quem age fora dos ditames do ordenamento jurídico seja o próprio Estado.

O documento também sinaliza outros aspectos importantes no que diz respeito a uma das mais novas favelas do Rio de Janeiro. A luz era fruto de uma ligação que vinha justamente do conjunto do Iapi. Havia uma distribuição heterogênea das casas, sendo que as de alvenaria conviviam com barracos em precárias condições. O documento também aponta para a ação de grileiros que se diziam donos dos terrenos e cobravam taxas para a construção de novas casas.

A relação entre o conjunto habitacional e a Vila do Vintém se desdobraria também na ação política. Funcionários da construção civil, que trabalhavam na criação do Iapi, viriam a escolher a favela como seu domicílio. Havia sido concebida uma contradição fundamental: aqueles que trabalhavam para erguer moradias teriam que lutar também para garantir que suas casas não fossem derrubadas.

Ao mesmo tempo que operários do próprio conjunto escolhiam a Vila do Vintém como local de moradia, seu crescimento começava a chamar a atenção das autoridades e da imprensa, conforme descreve reportagem do Diário de Notícias de 14 de janeiro de 1949:10

Embora pareça inacreditável – observa um leitor – em face das providências oficiais visando acabar com as favelas [...] o que se observa em relação à Vila do Vintém, entre Realengo e Bangu, é o desenvolvimento vertiginoso deste aglomerado de construções irregulares que aumenta dia a dia. A situação se agrava de tal modo, que está impedindo o acesso dos moradores do moderno bairro dos industriários às suas residências, pois as construções já estão impedindo a passagem, obrigando-os a dar uma longa volta.

A reportagem reforça que o crescimento da favela é enorme, o que pode ser comprovado junto às autoridades que coordenaram as atividades censitárias no local, e que ao menos quatro casas estavam naquele momento em construção. A reportagem descreve, ainda, que dois guardas deveriam controlar e impedir novas edificações, mas que pouco era feito para impedir o crescimento da favela. Não deixa de ser curioso observar, nas reportagens analisadas no período, que se a Vila do Vintém era retratada como um aglomerado de construções irregulares, Realengo era apresentado como um próspero e moderno subúrbio da cidade.11 A favela era exposta como obstáculo à modernidade, expressa localmente sobretudo no projeto do conjunto do Iapi.

Além disso, a Vila do Vintém ganhava destaque em boa parte das matérias quando noticiado algum crime ou acontecimento de natureza violenta.12 A reportagem de 2 de abril de 1951 do jornal Tribuna da Imprensa retrata a favela como um local de muita “sujeira, lama e doenças” e aponta para a existência de aproximadamente seis mil barracos no local, com ruas desordenadas e “crescendo sempre”.

O contexto de industrialização e rápido crescimento da malha urbana, incluindo as favelas, acabava por produzir uma série de análises que iam desde as ciências sociais até a produção de reportagens por diversos órgãos de imprensa. A produção de conhecimento nesse contexto trazia consigo um viés classista e racista, que, considerando as favelas como uma espécie de patologia urbana, passou a legitimar as ações do Estado nesses locais (Brum, 2011). Assim, como analisado por Almeida e Gonçalves (2022) também no contexto do segundo pós-guerra, a hegemonia do planejamento modernista e funcionalista do período definiu um modelo de cidade, bem como a sua antítese. Subjaz nesse contexto a identificação do “outro”, caracterizado como o favelado, o negro, o sertanejo, o indígena e o imigrante, que eram considerados ignorantes, doentes, sujos e subdesenvolvidos.

Essas representações genéricas sobre as favelas ignoravam as formas como os atores locais, numa multiplicidade de ambientes, acabavam por articular no espaço urbano relações sociais distintas de trabalho, moradia, lazer e política (Oliveira, 2021). Ora, como veremos a seguir, a partir do final dos anos 1940, os conflitos pela permanência da Vila do Vintém conferem grande visibilidade política à favela e a transformam em palco privilegiado de atuação de diferentes grupos políticos.

A luta por moradia na Vila do Vintém: entre a organização comunista e a ação junto ao Estado

Um documento interno do Departamento de Polícia Política13 descrevia que, no dia 20 de agosto de 1948, encontraram-se um membro da comissão de moradores de Realengo, José Bezerra Neto, e o deputado Pedro Pomar.14 O motivo do encontro seria a organização de um protesto contra a demolição de barracos na Vila do Vintém. Ambos faziam parte do PCB, e suas ações eram vigiadas de perto pelo órgão responsável pela repressão a partidos e movimentos sociais, sobretudo aqueles que expressavam orientação de cunho comunista. O receio de que essas ideias se propagassem junto a suburbanos e favelados levou à perseguição e ao cerceamento de centenas de militantes.

O crescimento dos subúrbios proporcionava as condições necessárias para que o PCB criasse estratégias no sentido de arregimentar novos filiados, bem como expandir a inserção do partido em um contexto mais amplo de luta por direitos, sendo a questão habitacional um dos elementos chave.15 Mangabeira (1989, p. 226), por exemplo, afirma que a comunidade de moradores do Conjunto Residencial de Realengo do Iapi era chamada de Moscouzinho, muito provavelmente em virtude de um grupo importante de moradores militar no Partido Comunista.16

O período de legalidade do PCB, compreendido entre 1945 e 1947, mostra uma forte inserção do partido em entidades de classe, organizações diversas e até entidades recreativas do mundo do samba. Oliveira (2014) mostra que uma das linhas de atuação era justamente a de reconhecimento da questão urbana e o investimento em associações de bairro, consideradas estratégicas para as pretensões eleitorais, inclusive com a instalação de associações em algumas favelas da cidade. Esses órgãos cumpriam o papel de fazer a mediação entre os anseios da população e o aparelho do Estado. Nesse caso, eram comuns as denúncias das condições precárias nas quais as pessoas viviam, bem como as propostas para solucionar os problemas apontados. A ideia era que, a partir dessa formação, esse grupo fosse aos poucos ganhando amplitude, envolvendo bairros e favelas como um todo (Pinheiro, 2014).

Os trabalhadores aproveitavam a abertura democrática para reivindicar os seus direitos, envolvendo a melhoria da qualidade urbanística dos bairros onde viviam. No caso das favelas, a atuação de diferentes instituições (partidos políticos, a Igreja Católica, organizações recreativas etc.) abriu um flanco importante para que suas manifestações chegassem ao Legislativo, Executivo e Judiciário (Gonçalves, 2013). Havia, nas tensões e disputas locais, um processo de construção de ideias e ações que envolviam a sociedade como um todo.17

A pesquisa, realizada junto ao fundo Polícia Política do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, aponta para a presença do PCB no local, com a existência de duas células no bairro de Realengo, sendo a primeira na Fábrica de Cartuchos e a segunda no próprio conjunto do Iapi, cujo nome era Idaleto de Freitas. Essa última célula contava com uma organização que envolvia um secretário político, um secretário sindical e um secretário de divulgação.18 Foi possível verificar que membros dessa célula eram, sobretudo, operários da construção civil, que contribuíram com a criação do conjunto, mas que moravam na Vila do Vintém.19 Eles contribuíram também para a fundação da primeira Associação Pró-Melhoramentos da Vila do Vintém.

A ficha n. 1.922 do Dops traz duas ocorrências sobre um funcionário do conjunto do Iapi em Realengo, o secretário político da supramencionada célula, José Bezerra Neto. A notação datada de 30 de novembro de 1946 aponta a sua filiação ao Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil. Já a notação de 22 de outubro de 1947 sinaliza que “o epigrafado é funcionário do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários e professa ideias comunistas”.

Vicente Correia da Silva também era funcionário do Iapi de Realengo. Um documento interno da polícia, de mais de uma década depois (8 de maio de 1959),20 elenca uma série de atividades que o mencionado funcionário tinha realizado nos últimos anos, como: protesto em órgãos de imprensa contra a prisão de um colega, manifestação contra a demissão de colegas na redação do jornal Tribuna da Imprensa, além de constar em sua ficha na polícia detenções e prisões no ano de 1950, ou seja, em período mais contemporâneo à ficha do Dops referente à atuação política de José Bezerra Neto.

Foi possível verificar que tanto José Bezerra Neto quanto Vicente Correia da Silva21 eram militantes do PCB e moradores da favela Vila do Vintém. Poderia tratar-se de simples coincidência, mas depreendemos que as ações organizadas a partir das orientações do partido acabaram por culminar na criação da associação de moradores do local. Reportagem publicada pelo jornal Diário Carioca de 19 de novembro de 1948 apresenta um convite feito por José Bezerra Neto aos dirigentes do jornal para a inauguração da Associação Pró-Melhoramentos da Vila do Vintém. A matéria informa que autoridades públicas compareceriam ao local sem citar nomes. Apesar do artigo 3º, inciso 4 dos Estatutos da Associação Pró-Melhoramentos da Vila do Vintém prever que a diretoria deveria evitar políticas partidárias, religiosas ou filosóficas dentro da associação, era notável a influência do Partido Comunista em seu funcionamento.22

Nesse sentido, é possível constatar que José Bezerra Neto não aparece como presidente da Associação Pró-Melhoramentos da Vila do Vintém na ata de sua fundação, em 27 de setembro de 1947, o que pode ser compreendido justamente como uma maneira de burlar os órgãos de repressão à época, uma vez que a vinculação dos membros a qualquer ideário comunista poderia trazer constrangimentos de cunho legal e político, impedindo ou inviabilizando a luta por moradia em um plano mais formal. O presidente indicado foi José Pereira de Castro e o seu vice, Simplício Tavares da Silva. O Departamento da Polícia Política impugna, em 25 de novembro de 1947, o registro da Associação devido à vinculação desse último morador ao PCB.23 A condição para o funcionamento da associação seria justamente a exclusão desse militante dos quadros diretivos.24

O artigo 1º dos Estatutos da Associação Pró-Melhoramentos da Vila do Vintém informa que a favela ocupava terras da prefeitura na localidade de Realengo. O documento prevê a reivindicação do aforamento das terras aos moradores (artigo 2º, inciso c) para a realização de um loteamento no local para os residentes da favela, e com a entrega do aforamento das áreas sobrantes a outros moradores (artigo 2º, inciso d). Os incisos “e” e “f” do artigo 2º previam, ainda, a instalação de serviços, como arruamento, água, luz, e de equipamentos públicos, como escola, maternidade, posto policial, posto médico, além de mercadinho e instalação de comerciantes em geral. Da mesma forma, o artigo 3º previa a instalação de um clube recreativo, ou seja, os Estatutos abordavam diferentes aspectos do cotidiano dos moradores, planejando a completa urbanização do local.25

Segundo documento datado de 22 de junho de 1948, assinado pelo encarregado de sindicâncias, Antônio de Pádua Batista, e endereçado ao chefe do setor trabalhista da polícia,26 haviam sido abertas sindicâncias em torno da Associação Pró-Melhoramentos da Vila do Vintém. Segundo o documento, a referida associação era de “caráter comunista e orientada pelos vereadores desse partido, a qual tomou o nome de Associação Pró-Melhoramentos da Vila do Vintém, cuja sede está localizada na rua Lomes Valentinas, n. 95, Realengo”.

O documento descreve a favela da seguinte forma:

No local acima mencionado residem diversas famílias que ilegalmente se apossaram de terras devolutas ali construindo seus barracos. Posteriormente tendo conhecimento de que a Fundação da Casa Popular havia adquirido os terrenos em causa para ali construir casas populares, reuniu-se um grupo de habitantes que seriam prejudicados com tal medida, resolveram solicitar o auxílio dos vereadores comunistas para solucionar tal situação.27

O documento informa, ainda, que o vereador comunista Arlindo Antônio de Pinho indicou “como procurador da associação o conhecido advogado comunista Heitor da Rocha Faria,28 o qual procurado iniciou imediatamente sua ação no sentido de ser organizada a associação, confeccionando seus estatutos e arregimentando o maior número possível de associados”. 29

É importante salientar que mesmo com a cassação do PCB, ainda no ano de 1947, sua influência e prestígio continuaram presentes em subúrbios e favelas nos anos subsequentes. Suas ações se mantiveram em uma miríade de organizações, como as associações pró-melhoramentos dos bairros, as comissões pela paz contra a Guerra da Coreia ou as uniões femininas.30

Nesse contexto, é preciso considerar a gestão de Mendes de Morais (1947-1951) à frente da prefeitura do Rio de Janeiro. Ela marca uma série de iniciativas nas favelas, incluindo ações de repressão, e mesmo a elaboração de um plano para erradicá-las. A campanha contra as favelas por parte da prefeitura era impulsionada no campo das ideias pela chamada “Batalha do Rio”, uma série de artigos escritos pelo jornalista Carlos Lacerda no jornal Correio da Manhã. Neles, Lacerda aponta para a necessidade de maior atuação do poder público nas favelas, visando evitar o aumento da influência comunista nesses lugares (Gonçalves, 2013). Embora os resultados práticos tenham sido pífios, esse debate conseguiu pautar a opinião pública e, de alguma forma, as próprias ações do Estado junto às favelas, como foi o caso da Vila do Vintém.

É o que mostra, por exemplo, a reportagem de 7 agosto de 1948 do jornal Diário de Notícias. Os moradores da Vila do Vintém se dirigiram à redação do periódico para protestar contra a demolição de barracos. Encabeçado por José Bezerra Neto, Vicente Correia da Silva e um morador intitulado José Pereira, o registro mostra que os moradores se organizaram para denunciar uma ação da prefeitura que derrubou 46 casas no local, mesmo havendo um mandado de manutenção de posse. Os habitantes da Vila do Vintém denunciaram a truculência da prefeitura e prometeram retornar à redação do jornal para realizar novas denúncias.

Segundo o jornal Folha do Povo, de 3 de agosto de 1948, a construtora da Casa Popular e a prefeitura foram as responsáveis pela destruição dos 46 barracos.31 A organização do Comitê Pró-Melhoramentos da Vila do Vintém se estruturou para proteger os moradores justamente dessas remoções. O deputado Pedro Pomar e o vereador Leite de Castro32 compareceram a uma festa no local para tomar conhecimento do que estava acontecendo. Nessa ocasião, o advogado comunista Heitor Rocha Faria discorreu sobre o interesse de grileiros em obter os terrenos.

As tentativas de remoção não cessaram, inclusive foram feitas de forma violenta. A reportagem da Folha do Povo de 8 de outubro de 1948 descreveu que, na madrugada do dia 7 de outubro de 1948, investigadores da polícia entraram na favela e conduziram para lugar desconhecido os moradores José do Coito Pita, Sabino da Silva Magalhães, Antônio Volotão e Bernardino, todos membros da diretoria da Comissão Pró-Melhoramentos da Vila do Vintém. A reportagem reforça a brutalidade policial na favela, afirmando, inclusive, que o prefeito Mendes de Morais usou, em outros casos, o mesmo procedimento violento para quebrar a mobilização popular.

Reportagem do jornal comunista Imprensa Popular,33 de 28 de outubro de 1950, também relata a violência contra os moradores:

Exasperado com o fracasso das urnas, capitão Couto, candidato do sr. Mendes de Morais, desencadeou feroz perseguição contra a favela – proibida a construção de novos barracos e conserto dos já existentes – secou as bicas construídas às vésperas das eleições – completamente às escuras e sem gota d’água na Vila do Vintém.

Segundo a mesma reportagem, não era somente a prefeitura ou a Fundação da Casa Popular, mas o próprio Iapi também tinha interesse pelo local: “A prefeitura, aliada ao Iapi, tem procurado por todas as formas destruir aqueles lares proletários, mantendo há vários anos uma odiosa política de perseguição aos moradores e de boicote às suas justas reivindicações”.

A década de 1950 traria uma série de novos desafios à Vila do Vintém. A luta por moradia e permanência no local ganharia os tribunais, a imprensa e o Parlamento. As táticas dos moradores envolveriam alianças com diferentes espectros políticos, transitando de representações mais à esquerda até a UDN. A própria conjuntura política trouxe a emergência de novos atores que iriam disputar a direção política das ações em prol de melhoramentos no âmbito das favelas, e com a Vila do Vintém não seria diferente.

O jornal Diário Carioca,34 de 6 de julho de 1954, traz diversos casos rumorosos de remoção nesse período, que ocorriam nas seguintes favelas: Santo Antônio, Santa Marta, Borel, Dendê, União, Vila do Vintém, Jacarezinho, Mangueira e Arará. É interessante sublinhar que muitas das favelas supracitadas se localizavam em áreas suburbanas. No entanto, com a maior definição dos usos da cidade, o interesse do mercado imobiliário se voltou paulatinamente, nos anos posteriores, para os bairros centrais e da frente marítima, fazendo com que o risco de remoções em áreas suburbanas tenha progressivamente diminuído. Apesar de algumas remoções nessas áreas para abertura de estradas e construção de equipamentos públicos nos anos 1960, sob o governo Carlos Lacerda, a grande leva de remoções dos anos 1960/1970 focou as favelas das áreas mais nobres da cidade, sobretudo aquelas ao redor da lagoa Rodrigo de Freitas (Brum, 2013).

Conclusão

O presente artigo procurou compreender o processo de consolidação da metrópole carioca através de sua expansão rumo aos subúrbios, estimulado em parte pela provisão estatal de moradia, como demonstra a construção do conjunto dos industriários em Realengo, em 1943. O objetivo era fazer da ainda quase rural área de Realengo um bairro moderno e que abrigaria uma nova possibilidade de viver e habitar nos subúrbios da cidade.

Esses conjuntos, como o Iapi de Realengo, não conseguiram incorporar todo o contingente de trabalhadores e acabaram sendo palco das contradições inerentes ao próprio modelo de desenvolvimento adotado no pós-Segunda Guerra. Mesmo com o enorme investimento estatal no conjunto dos industriários, a seu lado se consolida a favela da Vila do Vintém, que passa a ser objeto de esforços de diferentes atores para a sua extinção. O bairro de Realengo tornou-se palco de duas experiências que tinham a construção de moradias populares como ponto central e, ao mesmo tempo, causaram conflitos e tensões: o conjunto do Iapi e a favela da Vila do Vintém.

O risco de remoção da favela fez os moradores buscarem formas de organização e articulação política, inicialmente com o PCB. A compreensão das particularidades das lutas dos moradores da Vila do Vintém não nos leva a um entendimento dessa favela como algo isolado das dinâmicas mais abrangentes da cidade. Ao contrário, a própria ação do PCB junto aos moradores no período elencado mostra que havia um trabalho articulado com instituições e políticos que orbitavam fora dessa região específica. A vigilância dos órgãos de repressão sobre essa favela denota que essa área, cujo processo de expansão era flagrante, estava sob disputa, merecendo grande atenção.

Os anos 1950 vão marcar um adensamento do período de lutas sociais, bem como a entrada de novos atores políticos. A Vila do Vintém passa a ser alvo, na segunda metade daquela década, de uma disputa jurídica que envolveria os moradores, personagens da política carioca e grileiros de terra. Os novos arranjos políticos, as especificidades das formas de organização dos moradores e as conquistas advindas desse processo abrem certamente novas possibilidades de pesquisa.

Por fim, a reflexão sobre a Vila do Vintém, favela situada em um bairro mais distante das áreas centrais, traz elementos interessantes para compreender partes da cidade que se mantêm ainda relativamente invisibilizadas nas pesquisas urbanas. As especificidades territoriais impostas pelo processo de metropolização trouxeram impactos também sobre as favelas, que não podem ser analisadas de forma homogênea. Perceber as particularidades da história das lutas dos moradores de uma favela da atual Zona Oeste carioca traz novos elementos para se compreender a história das favelas e da própria cidade em sua dimensão metropolitana.

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Recebido em 30/11/2022

Aprovado em 5/1/2023


Notas

1    Segundo Borges (2007, p. 98), o bairro de Realengo ainda era considerado como zona rural, segundo o Código de Obras do Distrito Federal (decreto n. 6000, de 1937).

2    Como descreve Michel (2019, p. 85) em relação a Rio de Janeiro e São Paulo na primeira metade do século XX, a transição metropolitana dessas cidades se manifesta nas transformações da morfologia urbana com a emergência de novos desafios e questões em torno da gestão e dos usos dos espaços e recursos das respectivas cidades.

3    A abertura da avenida Brasil com a expansão das indústrias e a disponibilidade de terrenos estimularam também o crescimento da população em favelas da orla norte da Baía de Guanabara, especialmente na zona da Leopoldina (Rodrigues, 2014, p. 9).

4    Como descrito por Adrian Gorelik (2022, p. 111), o planificador californiano Francis Violich, já no final dos anos 1940, foi um crítico da “via latino-americana” para habitação social através da construção de grandes conjuntos pelo Estado, já que eram insuficientes e não alcançavam quem realmente necessitava, contribuindo indiretamente para o crescimento dos bairros informais.

5    Segundo o censo de 1950, a circunscrição de Realengo possuía 146.551 moradores em áreas suburbanas e 5.717 em áreas rurais (Serviço Nacional de Recenseamento, 1951, p. 162).

6    Bairro situado na região intitulada atualmente como Zona Oeste carioca. Sua origem remonta à época do Brasil Império. O nome tem sua origem na expressão “terras realengas”, que eram locais públicos, pertencentes ao rei, e que se destinavam principalmente a pastagem e descanso do gado, não podendo haver qualquer tipo de construção ou arrendamento de terra. Torna-se área estratégica em 1850, quando o governo decide transformar o bairro em área militar (Mansur, 2009).

7    Situada entre os bairros de Padre Miguel e Realengo, a Vila do Vintém é considerada por muitos moradores a favela mais antiga da região. Segundo o censo realizado em 2010, contava com aproximadamente 15.298 habitantes, ficando atrás somente da Fazenda Coqueiro, situada no bairro de Senador Camará, cujo último censo aponta para a existência de 45.415 moradores.

8    Jornal carioca vinculado ao PCB, criado em 22 de maio de 1945 e fechado em dezembro de 1947, em virtude da cassação do partido. Ver Dicionário histórico-biográfico brasileiro (DHBB), do CPDOC/FGV. Disponível em: https://www18.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/tribuna-popular. Acesso em: jan. 2023.

9    Esse estudo socioeconômico foi promovido pelo jornal O Estado de São Paulo e contou com a orientação do padre Louis Joseph Lebret, a direção técnica do professor José Arthur Rios e a coordenação de Carlos Alberto de Medina. Para mais informações sobre esse relatório, ver a coletânea Favelas cariocas: ontem e hoje (Mello et al., 2012).

10    O jornal Diário de Notícias era crítico ao trabalhismo de Vargas e se colocou contrário à eleição de Dutra, mesmo tendo apoiado certas posições tomadas pelo governo, como o combate às forças de esquerda. Ver Dicionário histórico-biográfico brasileiro (DHBB), do CPDOC/FGV. Disponível em: https://www18.fgv.br/CPDOC/acervo/dicionarios/verbete-tematico/diario-de-noticias-rio-de-janeiro. Acesso em: jan. 2023.

11    A reportagem do Jornal do Brasil de 19 de outubro de 1949, ao apontar os problemas do crescimento de Realengo, retrata que o bairro estava em “franco progresso”.

12    Dentre diferentes reportagens, podemos citar dois exemplos: reportagem do Diário de Notícias de 22 de abril de 1947 mostra um conflito, entre um morador da favela e um funcionário do Iapi, no qual ambos chegaram às vias de fato. A reportagem do jornal A noite de 3 de fevereiro de 1948 registra um assassinato à faca ocorrido no interior da favela.

13    Code n. 1923. Fundo PolPol do Aperj.

14    Paraense e militante importante do Partido Comunista. Em 1948, era deputado pelo estado de São Paulo pelo Partido Social Progressista (PSP). Após a proibição do Partido Comunista, era comum que seus militantes se candidatassem por outras siglas.

15    Em um dos períodos no qual o PCB atua na legalidade, entre 1945 e 1947, há um crescimento exponencial da agremiação tanto em número de filiados, quando o partido chega a conseguir a marca de duzentos mil filiados em 1947, quanto em representações parlamentares. Luís Carlos Prestes, por exemplo, consagra-se o senador mais votado do país. O PCB se constituía, portanto, no quarto maior partido da Câmara dos Deputados no ano de 1946.

16    Reportagem de 20 de março de 1949 do Correio da Manhã cita a depredação da escola Franklin Roosevelt no Iapi e acusa “alguns adeptos de Stalin”, residentes no lugar chamado “Moscouzinho”, que estariam descontentes com o nome escolhido. O periódico era um dos jornais mais importantes da cidade e, durante a fase de legalidade do PCB, foi um grande crítico da influência comunista. Ver Dicionário histórico-biográfico brasileiro (DHBB), do CPDOC/FGV. Disponível em: https://www18.fgv.br/CPDOC/acervo/dicionarios/verbete-tematico/correio-da-manha. Acesso em: jan. 2023.

17    Foi o caso, por exemplo, da atuação da Igreja Católica, que exerceu um papel importante nas favelas no segundo pós-guerra, através da Fundação Leão XIII, criada em 1947, e posteriormente da Cruzada São Sebastião, em 1955 (Freire; Gonçalves; Simões, 2012; Giannotti; Gonçalves, 2020).

18    Dossiê “Núcleo residencial de Realengo”. Pasta n. 30. Fundo PolPol, do Aperj.

19    Em 15 de julho de 1946, o jornal Tribuna Popular convoca a militância a comparecer em reunião dessa célula na rua Belisário de Sousa, que é até os dias atuais a principal rua da Vila do Vintém.

20    Code n. 492. Fundo PolPol, do Aperj.

21    As fichas n. 426 e n. 1.926 do Dops apontam que ambos residiam na rua Belisário de Sousa, principal rua da Vila do Vintém até os dias atuais.

22    Estatutos da sociedade civil Associação Pró-Melhoramentos da Vila do Vintém. Fundo Polpol, do Aperj, notação n. 1.250.

23    Code n. 2.316. Fundo Polpol, do Aperj. A ficha também aponta que Simplício Tavares da Silva era industriário.

24    Também era investigado pelo Dops o membro do conselho fiscal da Associação Pró-Melhoramentos José Paulino dos Santos. Apesar de não ser possível determinar se ele trabalhava nas obras do Iapi, é possível verificar sua vinculação ao Sindicato da Construção Civil em notação de sua ficha, datada de 22 de julho de 1947, bem como sua posterior inclusão nos quadros do PCB, segundo notação de 16 de setembro de 1947. Fundo Polpol, notação n. 1.245.

25    Estatutos da Sociedade Civil Associação Pró-Melhoramentos da Vila do Vintém. Fundo Polpol, do Aperj, notação n. 1.250.

26    Aperj. Fundo de Polícia Política, notação 1.250.

27    Aperj. Fundo de Polícia Política, notação 1.250.

28    Consta no prontuário n. 26.609 (Aperj, fundo Polpol) um documento, datado de 1º de outubro de 1953, em que Heitor Rocha Faria responde como presidente em exercício do Comitê Carioca pela Paz, instituição sob forte influência comunista, que militava contra o envio de soldados para a Guerra da Coreia.

29    Aperj. Fundo de Polícia Política, notação 1.250.

30    Sobre o funcionamento dessas organizações no Rio de Janeiro, ver, por exemplo: Ribeiro, 2011; Pinheiro, 2014; Fischer, 2014 e Gonçalves; Pessanha, 2021.

31    As reportagens da Folha do Povo estão no acervo PolPol, do Aperj (code 1.250). A menção ao jornal está na descrição realizada pela polícia em papel timbrado, no qual as reportagens vinham coladas. Procuramos menção ao Jornal do Povo e tentamos identificar as mencionadas reportagens na hemeroteca, mas não conseguimos encontrá-las.

32    Foi eleito pelo PTN (Partido Trabalhista Nacional).

33    Criado em 1948, substituiu o jornal Tribuna Popular, fechado em 1947 com a cassação do PCB. Funcionou até 1958. Ver Dicionário histórico-biográfico brasileiro (DHBB), do CPDOC/FGV. Disponível em: https://www18.fgv.br/CPDOC/acervo/dicionarios/verbete-tematico/imprensa-popular. Acesso em: jan. 2023.

34    O jornal Diário Carioca fazia oposição a Getúlio Vargas e se aproximou do Partido Social Democrático durante os anos 1950. Ver Dicionário histórico-biográfico brasileiro (DHBB), do CPDOC/FGV. Disponível em: https://www18.fgv.br/CPDOC/acervo/dicionarios/verbete-tematico/diario-carioca. Acesso em: jan. 2023.



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