Acervo, Rio de Janeiro, v. 36, n. 1, jan./abr. 2023

Espaços urbanos e metropolização no Brasil (1940-1970) | Dossiê temático

Metropolização de São Paulo e ciclos de reivindicações populares urbanas (1945-1964 e 1973-1988)

Metropolization of São Paulo and cycles of popular urban revindications / Metropolización de São Paulo y los ciclos de demandas populares urbanas

Murilo Leal Pereira Neto

Doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP). Professor na Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Brasil.

mlealpereira@terra.com.br

Resumo

O artigo propõe uma abordagem alternativa ao paradigma que separa os novos movimentos urbanos emergentes a partir dos anos 1970 das formas reivindicativas do direito à cidade do período democrático anterior. Argumenta que se trata de dois ciclos de lutas em um processo prolongado de ações coletivas em torno de reivindicações urbanas, em fases diferentes do processo de metropolização de São Paulo.

Palavras-chave: Sociedades Amigos de Bairro, metropolização, movimentos populares urbanos.

Abstract

The article proposes an alternative approach to the paradigm that separates the new urban movements that emerged from the 1970s onwards from the revindications for the right to the city of the previous democratic period. It argues that these are two cycles of struggles in a prolonged process of collective actions about urban claims in different phases of the metropolization process of São Paulo.

Keywords: neighborhood associations, metropolization, urban popular movements.

Resumen

El artículo propone una aproximación alternativa al paradigma que separa los nuevos movimientos urbanos surgidos a partir de la década de 1970 de las reivindicaciones por el derecho a la ciudad del período democrático anterior. Argumenta que se tratan de dos ciclos de luchas en un proceso prolongado de acciones colectivas en torno a las reivindicaciones urbanas en diferentes fases del proceso de metropolización de São Paulo.

Palabras clave: Sociedades Amigos del Barrio, metropolización, movimientos populares urbanos.

Em 27 de agosto de 1978, a Praça da Sé, no centro de São Paulo, e a própria catedral foram ocupadas por uma multidão de mulheres de bairros periféricos, trabalhadoras e trabalhadores de diversas categorias, estudantes, professores, jornalistas, clérigos, em uma manifestação conhecida como Assembleia da Praça da Sé. O ato fora convocado para demonstrar apoio popular ao movimento que havia colhido 1.245.478 assinaturas em um abaixo-assinado dirigido ao presidente da República, ministros e “demais autoridades”, exigindo “congelamento dos preços de primeira necessidade”, “aumento dos salários acima do aumento do custo de vida” e “abono salarial imediato e sem desconto para todas as categorias de trabalhadores” (Monteiro, 2017, p. 243). Nas origens do Movimento do Custo de Vida, em 1973, estavam presentes os clubes de mães e as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) (p. 59).

Aquele 1978 anunciara-se promissor para as lutas populares desde os primeiros meses. No dia 12 de maio, foi iniciada a greve metalúrgica na fábrica da Scania, em São Bernardo do Campo, e no dia 26, a luta estendeu-se para São Paulo, com a paralisação na Toshiba, organizada pela comissão de fábrica coordenada pelo líder da Oposição Sindical Metalúrgica, Anizio Batista. Uma característica peculiar do movimento surpreendeu a todos: sua aparente espontaneidade. Em São Paulo, a mobilização ocorria fora da data-base, fixada em novembro, era promovida por comissões e grupos de fábrica, muitos deles articulados pela oposição contra a direção sindical, e assumia uma forma imprevista: as fábricas eram ocupadas, os cartões de ponto “picados”, mas as máquinas permaneciam desligadas – era a greve “de braços cruzados e máquinas paradas”.

No ano seguinte, cerca de setecentas pessoas se encontraram na igreja do Cangaíba, para a I Reunião da Saúde da Zona Leste, promovida pela Pastoral da Saúde da Região Episcopal Leste 2, uma das muitas articulações da formação do Movimento de Saúde, que agregava ativistas das CEBs, da Oposição Sindical Metalúrgica, grupos de mulheres, estudantes e médicos sanitaristas (Sader, 1988, p. 272).

Todos esses eventos mais visíveis haviam sido precedidos e preparados por uma sequência de outros encontros menores, pouco noticiados, alguns semiclandestinos mesmo, protagonizados por pessoas comuns, ocupadas, na maior parte do tempo, em seus afazeres cotidianos. Tratava-se, por exemplo, de mães que se reuniam para bordar e costurar e resolviam formar clubes de mães, ou de operários, que também eram vizinhos nos bairros, e formavam uma comissão de fábrica para discutir os problemas do trabalho.1 Essa grande movimentação era nova para seus agentes e foi percebida e concebida como nova também pelos estudiosos, que logo por ela se interessaram e dela participaram. Mas como entender o que estava acontecendo? Qual o paradigma?

Por um lado, a herança da crítica ao populismo, portanto a um movimento popular supostamente tutelado por lideranças carismáticas ou pelo Estado, servia de parâmetro de avaliação e qualificação da novidade emergente. Um segundo movimento consistiu na pesquisa da própria realidade de “crescimento e pobreza”, que o modelo adotado pela ditadura havia gerado. Aqui, a Igreja, por meio da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, mobilizando cientistas sociais da Universidade de São Paulo (USP), debruçava-se sobre sua própria prática e engendrava conhecimento enquanto fazia os movimentos (Camargo et al., 1976). Mas um terceiro componente do novo paradigma, cabe ressaltar, foi haurido, como não podia deixar de ser, dos debates europeus sobre a “sociedade pós-moderna”, a “sociedade pós-industrial” e a emergência dos “novos movimentos sociais”, formados em torno de identidades culturais coletivas, envolvendo questões relativas a papéis sexuais, direitos humanos e civis, proteção do meio ambiente e não de conflitos originados no mundo do trabalho (Doimo, 1995, p. 61; Gohn, 2006, p. 128). O paradigma dos novos movimentos sociais é plural, multifacetado e não foi incorporado sem mediações. O que gostaríamos de ressaltar é que uma tendência mais geral dessas abordagens, marcada por um diagnóstico de novidade, de ruptura com o passado, de mudança estrutural de tempo histórico – da modernidade à pós-modernidade, da sociedade industrial à pós-industrial – contagiou os estudos brasileiros, como se os movimentos populares emergentes em meados dos anos 1970 pertencessem à mesma ordem de novidades e não devessem ser compreendidos também na comparação e na relação com o que viera antes.

Essa recepção dos movimentos sociais emergentes como novidade radical é marcante no trabalho de Sader (1988). Para o sociólogo, a originalidade dos “novos personagens” está na abertura de novos espaços políticos, decorrente da decepção com o Estado e da descoberta da sociedade civil. Estaria ocorrendo uma ruptura com a tradição tutelar, característica do populismo, e uma afirmação de autonomia por parte dos movimentos. Sader assume o conceito da formação de novos sujeitos coletivos, constituídos não como decorrência direta de fatores econômicos, mas da construção subjetiva dessas condições por matrizes discursivas localizadas em três agências ou centros de elaboração: a Igreja das CEBs, os grupos de esquerda e o novo sindicalismo (p. 143).

O livro de Doimo, publicado em 1995, oito anos após a aparição da obra de Sader, polemiza vigorosamente com as vertentes intelectual e política de atores e autores reunidos em torno da ideia do “povo como sujeito de sua própria história”, por sua suposta ingenuidade. Produzido em um contexto de maior institucionalização do regime democrático, com a promulgação da Constituição de 1988, a sucessão de disputas eleitorais, inclusive para os governos estaduais e nacional, e a formação de governos porosos a formas de participação institucional dos movimentos sociais, a autora critica, no modelo de análise dos novos movimentos sociais, precisamente a cegueira para os interesses propriamente institucionais presentes, destacadamente da Igreja Católica. Onde Sader viu a emergência de novos sujeitos sociais, descentralizados, é certo, “destotalizados” (Sader, 1988, p. 54), como sugere o autor, formados na referência às matrizes discursivas, Doimo enxerga um “campo ético político”, caracterizado por uma linguagem comum, um ethos participativo, um simbolismo verbal. Ou seja, em vez de um sujeito coletivo portador de um projeto implícito, derrotado com a institucionalização da Nova República (p. 314), um campo no qual as instituições têm papel importante. Portanto, Doimo critica a ideia dos movimentos sociais como sujeito coletivo novo, autônomo, mas não o faz por um método histórico de análise dos processos no tempo, logo, ponderando rupturas e mudanças em relação a processos pretéritos, mas sim pela crítica ao projeto “rousseauniano” implícito no próprio modelo de análise de Sader e outros. Para a autora, os novos movimentos sociais eram, de fato, portadores de uma face “expressivo-mobilizadora”, supervalorizada nas análises, mas também de outra integrativo-corporativa.

Cabe lembrar, ainda, da vasta obra de Gohn, seu trabalho sobre as Sociedades Amigos de Bairro (SABs), fruto de pesquisa realizada entre 1974 e 1977, publicado em 1982, antes, portanto, das polêmicas mencionadas, já que algumas de suas chaves analíticas fecundas não foram contempladas nos trabalhos de Sader e Doimo. Uma delas é a do nexo entre os tipos de contradições urbanas e os movimentos sociais, mediado pelas relações de classe e estratégias políticas. Sem lançar mão de conceitos sofisticados como “matrizes discursivas” ou “campo ético-político” para denominar os processos subjetivos de constituição dos movimentos sociais, a autora lembra sua conexão com os tipos de contradições urbanas, enfoque que retomaremos adiante. Na mesma linha de análise de referência mais direta às estruturas sociais, Gohn arrisca uma interpretação da configuração de classe das SABs, definida por uma aliança instável entre camadas médias e classes populares. Finalmente, embora reconhecendo serem as SABs “células locais” do sistema político populista (Gohn, 1982, p. 39), a autora aponta, por outro lado, a novidade contida na própria relação populista como “sistema de barganha”: “Se, por um lado, as tensões e conflitos eram amortecidos, por outro, eles tendiam a agudizar-se devido à politização que despertavam” (p. 155). Por isso mesmo, na perspectiva também adotada no presente artigo, Gohn concebe as SABs no período de 1945-1964 como “autênticos movimentos sociais”: “As SABs, apesar de peças importantes da engrenagem política existente, se constituíam num autêntico movimento social, pois desenvolviam, junto à população, políticas que as inseriam num contexto de participação” (p. 156).

Sem desconsiderar, portanto, a variedade de pontos de vista, identificamos nos estudos de maior repercussão, referidos ao caso paulistano, algumas características em comum:

  1. As novidades encontradas foram atribuídas à formação de “novas matrizes discursivas” ou então a novas redes movimentalistas2 constitutivas de um novo campo ético-político (Doimo, 1995, p. 32), mas não foram indagadas como ações coletivas empreendidas em contextos urbanos diferentes dos existentes em períodos anteriores;
  2. Os estudos não estabelecem, no plano analítico e nem no da pesquisa empírica, nexos entre os movimentos emergentes e os movimentos de luta operária e popular do período democrático anterior (de 1945 a 1964). Portanto, assumiram a percepção dos próprios sujeitos nos anos 1970, de que estavam inaugurando “um novo período na história da classe trabalhadora”, criando “uma nova configuração das classes populares” (Sader, 1998, p. 17) e, assim, o discernimento entre o que era novo e o que não era esmaeceu;
  3. Foi assumida, mais ou menos explicitamente, uma escala de valores como parte dos modelos analíticos, atribuindo sinal positivo à experiência dos movimentos emergentes (caracterizados por uma tendência à autonomia em relação ao Estado) e negativo aos do passado (presos aos esquemas da “tutela” populista);
  4. As experiências da classe trabalhadora, na fábrica e no sindicato, e das famílias, nos bairros e movimentos sociais continuaram sendo estudadas de forma separada, a partir de problemáticas diferentes. Assim, os condicionamentos e possibilidades de ação coletiva propiciados pelas relações contraditórias entre os mundos do trabalho produtivo e reprodutivo e suas formas de organização foram percebidos fragmentariamente.

Buscando uma abordagem alternativa, orientada por uma visada histórica das mudanças e permanências dos movimentos e processos no tempo, relacionados a contextos específicos, este artigo está organizado da seguinte forma: na primeira parte, apresentamos algumas considerações sobre a atuação das SABs antes e depois do golpe civil-militar de 1964, a fim de possibilitar a avaliação crítica de alguns motivos dos conflitos Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) versus Sociedades Amigos de Bairro (SABs) nos anos 1970. Na segunda parte, analisamos fases diferentes da metropolização de São Paulo e as relações entre essas transformações e as reivindicações populares urbanas. Na terceira parte, apresentamos quadros comparativos dos movimentos populares urbanos no período democrático de 1945 a 1964 e no período da emergência dos novos movimentos sociais, entre 1973 e 1988, baseados no modelo da teoria da ação coletiva; finalmente, apresentamos algumas conclusões. A hipótese que orienta este estudo é que tivemos dois ciclos de lutas populares urbanas, do pós-guerra até a Constituinte de 1987, o primeiro culminando no projeto das reformas de base e o segundo, na redemocratização. Estudá-los conjuntamente, com suas permanências e mudanças, favorece mais nossa compreensão das possibilidades de mudanças no passado e no presente do que estabelecer uma “muralha da China” cognitiva entre ambos.

SABs x CEBs: novos e velhos movimentos sociais urbanos

As pesquisas apontam as SABs como as entidades mais atuantes na organização, vocalização e encaminhamento das reivindicações populares urbanas, do pós-guerra até os anos 1960 (Gohn, 1982, p. 36-59). Entretanto, quando os novos movimentos sociais começaram a se articular em meados dos anos 1970, é contra elas e seu legado de experiências que se voltam, engajados em seus propósitos renovadores. Os estudos comparativos entre CEBs e SABs reiteram ponto de vista semelhante ao apresentado por Petrini (1984, p. 97) para o caso de São Mateus:

Ao desenvolver atividades reivindicatórias no bairro, a Comunidade de Base defrontou-se com a Sociedade Amigos de Bairro da Cidade de São Mateus, de mais antiga constituição. Em teoria, caberia à SAB encaminhar as reivindicações populares junto aos órgãos da administração pública, mas [...] o atrelamento à prefeitura fazia com que as eventuais reivindicações fossem encaminhadas de modo a configurar-se como um pedido de favor. A CEB, não afeita ao clientelismo, encontrou, às vezes, obstáculos à sua ação.

Doimo (1995, p. 189, grifo nosso), por sua vez, argumenta:

Em São Paulo [...] o pessoal do MP (movimento popular) arrepia-se toda vez que ouve falar em “amigos de bairro” e isto tem a ver, conforme diversos estudos, com o fato de as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) terem construído sua identidade pela radical recusa das SABs, tidas como clientelistas e pelegas, precisamente porque floresceram no âmbito da escalada populista de Jânio Quadros.

Sabemos que as identidades são formadas na contraposição a um “outro”, e que essa construção distorce, simplifica e projeta para fora valores negativos opostos àqueles idealizados como próprios do sujeito.3 Mas o que interessa destacar nesse caso é que às SABs é atribuído um “mal de origem”: sua relação com o populismo de Jânio Quadros. E assim se confundem dois momentos e se atribui a uma experiência os males gerados por outra bem diferente.

Quando as CEBs começaram a se espalhar, nos anos 1970, provavelmente a maioria das SABs havia se transformado em organizações “clientelistas e pelegas” e o mesmo se poderia dizer sobre os sindicatos. Mas essas características não foram preponderantes desde a origem. É importante lembrar, para começar, que o presidente da Federação das Sociedades Amigos de Bairros e Vilas (Fesab), Sebastião Costa, fora preso após o golpe de 1964 e a própria Fesab, fechada (Gohn, 1982, p. 59).4

Essa ruptura entre a experiência das SABs no período 1945-1964 e depois do golpe é reconhecida por lideranças atuantes nos anos 1970. Em circular emitida em fevereiro de 1973 por uma entidade denominada Conselho Coordenador das Sociedades Amigos de Bairros e Vilas do Estado de São Paulo, que tinha como presidente Antonio Rezk, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), eleito vereador pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) em 1975, a diferenciação de fases da vida das SABs é lembrada, sem precisão cronológica: a primeira seria uma fase reivindicativa e a segunda, “comunitária/social” (Dossiê Deops 50-J-138-404). Segundo Gohn (1982, p. 47), foi no I Seminário das Sociedades Amigos de Bairro de São Paulo, realizado em 1973, com o auxílio da Secretaria de Bem-Estar Social, que se apresentou um projeto de transformar as SABs em entidade “de integração”: “Orientar e treinar as SABs para prestar serviços à comunidade foram os temas básicos da discussão”. Um relatório de pesquisa, assinado por Edson Nunes e Pedro Roberto Jacobi, publicado em 1986, coincide no diagnóstico de um esvaziamento reivindicativo das SABs depois de 1968: “Segundo diversos autores, a SABs podem ser analisadas em termos das suas fases. Até 1968, que consideramos como um momento de inflexão, podemos considerar como um período de marcada predominância da pressão popular, uma fase reivindicatória” (p. 49). O divisor de águas seria a criação do “sistema das Administrações Regionais”, introduzido pelo prefeito Faria Lima: “As SABs passam ao longo dos anos a ter uma função basicamente assistencialista e associativa, diluindo o seu caráter mobilizatório frente aos problemas urbanos” (p. 63).

Mas é em um longo texto de sete páginas, preservado no acervo do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops), sem data ou assinatura, mas certamente do começo dos anos 1970, que vamos encontrar as diretrizes do projeto de reestruturação das SABs como entidades essencialmente “clientelistas e pelegas”. Embora não seja possível identificar autoria e usos do documento, é lícito inferir que se trata de um texto de assessoria dirigido à autoridade competente (prefeito? secretário? chefe de gabinete?), consistindo em indício significativo do desenho de um projeto. Os autores reconhecem o “potencial” daquelas entidades “para a cidade e para a nação”, desde que “bem orientadas”. Suas novas funções deveriam dividir-se em “reivindicativas” e “comunitárias”. As funções reivindicativas consistiriam em complementar a ação fiscalizadora da administração pública no controle de preços; cooperar com órgãos de segurança pública no combate à criminalidade; cooperar com órgãos públicos no levantamento das deficiências da infraestrutura humana. Quanto às funções de desenvolvimento comunitário: oferecer cursos de alfabetização, corte e costura e promover atividades assistenciais em ligação com instituições religiosas ou filantrópicas; participar na defesa civil; cooperar com a manutenção da moral e do civismo, com palestras contra tóxicos; difusão do esporte e da cultura. As entidades deveriam ser apolíticas, sem fins lucrativos e integradas aos órgãos públicos. Uma sintomática preocupação com os “organismos superiores” (federações, plenárias) é expressa: estavam fomentando a “proliferação desordenada de SABs” que “podem ser transformadas em instrumento de pressão, de mobilização de massa para fins subversivos ou, o que é mais frequente, em mercadoria para ganhar em leilões eleitorais” (Dossiê Deops 50-J-138-406). As funções exercidas pelas entidades no período anterior haviam, portanto, se tornado subversivas.

O argumento apresentado até aqui, entretanto, deve sofrer um adendo. A pesquisa em fontes primárias do acervo do Centro Pastoral Vergueiro (CPV) indica que, mesmo nos anos 1970, muitas SABs estavam presentes e fizeram parte das lutas dos novos movimentos urbanos. Ou seja, é inadequado dissociar os ciclos de lutas urbanas de 1945-1964 e de 1973-1988, mas também é errado não enxergar a presença ativa de SABs nesse segundo momento, como buscaremos demonstrar.

Um primeiro exemplo é um panfleto de 1981, assinado por um núcleo da Oposição Sindical Metalúrgica da Vila Carioca, convocando para uma reunião no dia 4 de setembro, sexta-feira, às 18 horas, no salão da igreja à rua Álvaro Fragoso, 672, com a presença de “companheiros de São Bernardo”, a fim de trocarem experiências sobre “compras comunitárias”. Chama a atenção o trecho do panfleto que relata o papel das SABs na experiência de São Bernardo do Campo:

A ideia surgiu em meados de 1980, de um grupo de peões da Brastemp, para combater a alta do custo de vida. Eles começaram a comprar mantimentos (arroz, feijão, cebola, tomate, laranja, óleo) diretamente dos lavradores do interior. No início, foram atingidas três vilas de São Bernardo. E a distribuição das compras era feita na sede da Sociedade Amigos de Bairro. (OSM-SP, 1981)

O caso apresentado sugere que as experiências de compras comunitárias, associadas frequentemente apenas às CEBs (Petrini, 1984, p. 75-81), à oposição sindical e ao Movimento do Custo de Vida (Monteiro, 2017, p. 80), também envolveu, em alguns casos, as SABs.

Em março de 1983, o Conselho Coordenador das SABs da região do Ipiranga, em uma “carta aberta”, convocou a população para uma “assembleia regional do movimento pelas eleições diretas do prefeito e do administrador regional”. Assinam o documento dezenas de entidades, entre elas Pastoral Operária de Vila Arapuã, Vila Cristália, Movimento de Saúde do Parque Bristol, Movimento de Creche de Vila Moraes, Favelas de São João Clímaco, além de diversas SABs, indicando sua articulação com algumas das entidades identificadas com os “novos movimentos sociais”, como as pastorais e movimentos por creche (Conselho Coordenador das SABs, 1983).

Diversas SABs também aparecem, em novembro de 1975, mobilizadas lado a lado com clubes de mães, assinando um ofício ao diretor da Fábrica de Fios e Linhas Marte S. A., na Mooca, solicitando sobras de materiais para uso em suas atividades: “uma série de cursos e debates, com a finalidade de desenvolver e servir objetivamente à nossa comunidade” (Clube de Mães, 1975). Encontramos, ainda, diversas SABs assinando um manifesto, juntamente com centros comunitários, em defesa da represa Billings, em outubro de 1978 (Plenário das SABs do Município de Diadema, 1978) e, novamente presentes, convocando os moradores da Ponte Rasa, juntamente com o Movimento Contra a Carestia, para uma “festa junina dos moradores”, em junho de 1980 (Sociedade Amigos da Ponte Rasa, 1980).

O que se percebe, pela análise dessa documentação primária, é que as SABs, longe de terem se tornado todas simplesmente “clientelistas e pelegas” no ciclo dos “novos movimentos sociais”, eram disputadas pelas principais correntes políticas atuantes então: comunistas, malufistas e petistas, estes após a criação do partido, em 1980, como demonstraremos a seguir.5 Paulo Maluf teria conseguido eleger, com apoio das sociedades de bairro, os deputados Caio Pompeu de Toledo, Nabi Abi Chedid e Celso Matsuda, em troca da instalação de escola, pavimentação e iluminação no Parque Edu Chaves. Em 1976, os 55 diretórios da Aliança Renovadora Nacional (Arena) contariam com diretores das SABs em seus postos principais (Festa..., 1976, p. 20). Como já assinalado, o vereador do MDB, Antonio Rezk, ligado ao PCB, era o presidente do Conselho Coordenador da Sociedade Amigos de Bairros, Vilas e Cidades do Estado de São Paulo. Aurélio Peres, membro do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), era presidente da Sociedade Amigos do Parque Figueira Grande e integrante da CEB de Vila Remo, em 1974, além de ser casado com uma das lideranças do Movimento do Custo de Vida, Conceição Peres, e participar da direção da Oposição Sindical Metalúrgica (Comunicado, 1974).

Finalmente, não passa despercebida a realização, em 23 de abril de 1984, do “encontro dos petistas que atuam nas SABs e entidades semelhantes”, na Assembleia Legislativa, com os objetivos de “avaliar a situação atual das SABs”; “retomar o debate sobre SABs e conselhos populares” e “auxiliar na formulação da política do Partido dos Trabalhadores (PT) para intervenção e participação nas SABs, procurando unificar nossa linha de atuação nesse campo”. O entendimento que os organizadores do encontro tinham do papel das SABs fica sugerido no terceiro ponto da pauta: “Política do PT nas SABs (oportunidade dessa forma de organização em face de outras formas do movimento popular); formas de luta; relação das SABs com os governos e com as SABs atreladas; SABs de luta política; SABs e núcleos do PT” (Encontro dos petistas que atuam nas SABs, 1984).

A fim de facilitar a análise comparativa dos dois ciclos de lutas populares urbanas, elaboramos quatro quadros comparando os seguintes aspectos: Quadro 1) repertórios herdados ou criados de reivindicações populares urbanas e de lutas contra a carestia; Quadro 2) características gerais dos dois ciclos; Quadro 3) processos de difusão das reivindicações; Quadro 4) formas de organização. Esses critérios foram inspirados na teoria da ação coletiva, conforme a elaboração de Sidney Tarrow (2011), como será explicado adiante.

Quadro 1 – Repertórios herdados ou criados: reivindicações urbanas e movimentos contra a carestia

Repertórios herdados ou criados: reivindicações urbanas

Entidades mais atuantes

Comitês Democráticos Populares (1945-1947)

Sociedades Amigos de Bairro/congressos/plenárias

Associações Femininas de Bairro

  • petições às autoridades (pedem instalação de grupo escolar; pavimentação de ruas; iluminação pública; rede de água);
  • abaixo-assinados encaminhados via vereadores ou entregues diretamente na prefeitura reivindicam iluminação pública, telefone público, sarjetamento de ruas etc.; 6
  • realização de comícios de bairro (Dossiê Deops 50-J-138-191-412);
  • motins de bairro: 1959 no Tatuapé, 10 mil moradores erguem barricadas e abrem valetas para reivindicar melhorias urbanas (Barricadas, 1959, p. 8);
  • Movimento Autonomista: formação de câmaras populares ou distritais (Pirituba): reunia-se uma vez por semana, aprovava projetos de lei.

Comunidades Eclesiais de Base

Clubes de mães

Centros comunitários

  • ações de educação popular. Método ver-julgar-agir; formação do “povo de Deus”; acolhimento da religiosidade popular; realização de mutirões; petições; abaixo assinados: saúde, educação, reivindicação da regularização de loteamentos clandestinos;
  • cursos, bazares, idas à prefeitura; “não discutiam política”, “querem a coisa concreta”;
  • regularização de documentos; cursos de semiprofissionalização; atividades de lazer aos domingos;
  • Movimento de Saúde: pesquisas; idas em comissão à Secretaria de Saúde; luta por postos de saúde, melhor atendimento; formação de conselhos comunitários para atuar junto aos centros de saúde (Monteiro, 2017).

Observações: Os dois ciclos compartilham alguns repertórios comuns de ação, como petições, abaixo-assinados e pressões visando o atendimento de reivindicações. No segundo ciclo, são mais frequentes os registros de caravanas de moradores aos órgãos públicos. As CEBs assumem funções educativas e formativas pouco comuns nas SABs, recorrendo a pesquisas realizadas pelos próprios moradores. Atividades assistenciais são praticadas nos dois momentos. Ao contrário do que se supõe, formas de ação diretas, motins urbanos, quebra-quebras aparecem no primeiro ciclo. Também é registrada uma prática pouco vista no segundo ciclo: os comícios de bairro. As negociações com as instituições de governo ocorrem em ambos os ciclos. No primeiro ciclo, o Movimento Autonomista, como o próprio nome diz, prezava pela autonomia dos bairros em relação ao Estado (prefeitura) e criava suas próprias formas de poder.

Repertórios herdados ou criados: movimentos contra a carestia

Convenção Estadual Pró-Salário-Mínimo e Congelamento de Preços (1954) – Campanha de Estabilização de Preços/Comissão de Congelamento de Preços (Metalúrgicos) (Dossiê Deops 30-B-264-100)

  • proposição de um “programa mínimo” contra a carestia;
  • sindicatos realizam pesquisa com “cadernetas de empório” (A CES..., 1952, p. 3);
  • abaixo-assinados visando a coleta de um milhão de assinaturas;
  • exigência de controle de preços de gêneros de primeira necessidade. Envio de telegramas e abaixo-assinados às autoridades;
  • convenções;
  • demissão das autoridades da Cofap, Coap e Comap, com presença de representantes dos movimentos sociais;7
  • greve geral contra a carestia (2/12/1959);
  • Marcha da Fome em novembro de 1958;
  • formação de cooperativas de consumo pelos sindicatos;8
  • criação do Dieese (22/12/1955);
  • motins contra aumento de tarifas (out. 1958): UEE, PUI, vereadores apoiam.

Movimento Custo de Vida (1975-1979)

Movimento Contra a Carestia (1979-1982)

  • carta às autoridades;
  • pesquisa sobre alta de preços realizada pelas próprias mulheres, de casa em casa;
  • abaixo-assinados visando coleta de um milhão de assinaturas;
  • assembleias de massa;
  • compras comunitárias (CEBs);
  • proposição de programa (Monteiro, 2017).

Observações: Os movimentos contra a carestia dos anos 1950/1960 mudaram de nome e, em alguns casos, envolveram empresários e políticos, além de sindicatos e associações de moradores. Talvez por isso tenham sido associados ao “populismo” e são pouco lembrados. Mas tiveram duração maior do que o Movimento do Custo de Vida e desenvolveram um repertório mais amplo de formas de luta. Houve uma tentativa de obtenção de um milhão de assinaturas em um abaixo-assinado, como em 1978, sem o mesmo êxito. No ciclo 1973-1988, uma forma de mobilização foram as pesquisas, realizadas de casa em casa nos bairros periféricos. No ciclo anterior, os sindicatos também fizeram pesquisa, mas baseada nas “carteiras de empório” das famílias operárias. No primeiro ciclo, marchas da fome, motins urbanos contra reajuste de tarifas de transportes públicos e uma greve geral contra a carestia foram realizados. No segundo ciclo, as mulheres tiveram presença como protagonistas, enquanto no primeiro ciclo prevalecem lideranças masculinas.


Metropolização e reivindicações populares urbanas

Na seção anterior, vimos que as SABs estavam presentes na emergência dos novos movimentos urbanos e nem todas foram cooptadas pelo projeto de atrelamento da ditadura, embora já não ocupassem o mesmo espaço político do ciclo reivindicativo anterior. Cabe, agora, examinar as razões estruturais para o enfraquecimento das SABs e o surgimento de movimentos populares urbanos de novo tipo. Nossa hipótese é que, em consequência de um processo contínuo de transformações urbanas, os bairros perderam suas funções como unidades sociopolíticas e simbólicas da vida cotidiana e da articulação das demandas. A “época de ouro” das SABs foi a das lutas contra a espoliação urbana em uma “metrópole americana do laissez-faire”, com um centro moderno e internacionalizado, concentrando grande quantidade de investimentos e uma periferia “ampla, difusa, em permanente processo de expansão e com um mínimo de investimentos” (Meyer, 1991, p. 242).9

O importante estudo de Seabra (2003) procurou definir o “estatuto teórico do bairro na compreensão do processo de urbanização” e contribuiu para a percepção das mudanças qualitativas operadas pela metropolização de São Paulo. Tendo Henri Lefebvre como referência, a autora propõe que o bairro “é um acontecer fundado em práticas concretas que articulam, num lugar, parentela, vizinhança, compadrio sob múltiplas formas de solidariedade e sobretudo de reciprocidade. Define-se como uma unidade em relação à cidade” (p. 26). Com a metropolização, os fundamentos do bairrismo são erodidos: “Estruturas significativas do bairro não se reproduzem por si mesmas e segundo certos padrões que ali foram vigentes” (p. 66). Seabra refere-se às atividades econômicas, que encerravam o bairro numa espécie de “autarquia” autossuficiente: a indústria extrativa de areia e pedregulho às margens do rio Tietê, a fabricação de tijolos nas olarias, a pesca e a coleta, o comércio local. Identifica, como fatores dissolventes desse isolamento, a entrada do Estado, por exemplo, através da rede pública de ensino, substituindo a socialização das crianças na escola paroquial, e as conexões cada vez mais estreitas com o mercado, sobretudo o mercado de trabalho, que se diversificava e atraía trabalhadores e trabalhadoras para longe do bairro e das atividades econômicas ali praticadas. Seabra situa em 1958 um “ponto crítico” simbólico da passagem do Limão, caso por ela estudado, de bairro para “não bairro”, ou seja, um momento de inflexão em seu processo de “formação-reprodução-dissolução ou de enquadramento sistêmico do bairro do Limão: o Limão como bairro metropolitano” (p. 66).

Como assinala Meyer (1991, p. 9), a metropolização é um fenômeno complexo, que envolve elementos físico-espaciais, econômicos, sociais e culturais. No caso de São Paulo, podemos considerar que esse processo se acentuou no pós-guerra e pode ser entendido pela combinação de um tipo de industrialização/urbanização com a elaboração de uma cultura metropolitana, por um lado, e de uma política de massas, por outro.

Segundo Meyer, o termo “industrialização” (no trinômio industrialização/urbanização/política de massas) imprimia um movimento de ampliação das “condições físico-funcionais para que as empresas industriais, nacionais, estrangeiras e multinacionais aqui se instalassem satisfatoriamente”. As exigências eram “eficiência no sistema de comunicação, garantia de fornecimento abundante de energia e presença de mão de obra disponível e assentada nas proximidades da indústria” (Meyer, 1991, p. 21). O termo “urbanização”, por sua vez, tomava a forma de “uma nova etapa na organização físico-espacial da metrópole”, tendo como vetores as autoestradas (Anchieta, Anhanguera, Dutra) e a consolidação dos “subúrbios-loteamentos” (p. 15).

O Plano de Avenidas, idealizado por Francisco Prestes Maia nos anos 1920 e por ele implantando quando nomeado prefeito pelo interventor Adhemar de Barros, em 1938, foi um marco dessas transformações urbanas. Como aponta Duarte (1999, p. 33), “essa monumental intervenção no espaço urbano tinha por objetivo viabilizar os suportes necessários à ampliação dos lucros, principalmente industriais” e gerou uma intensificação do crescimento periférico da cidade, a rápida verticalização do centro, com sua especialização como zona terciária, de escritórios e bancos, e uma crescente separação entre os locais de moradia e trabalho.

O surgimento das SABs no pós-guerra, e sua “época de ouro”, nos anos 1950, coincide, portanto, com o enfraquecimento dos fundamentos tradicionais do bairrismo e do próprio bairro como “acontecer” da vida imediata, organizado simbolicamente pela autoridade e pelo calendário da paróquia; economicamente, pelas atividades praticadas no local, e social e politicamente, pelas figuras tradicionais do padre, do médico, do chefe de família. Mas é preciso considerar que o processo de metropolização repercute de forma diferente em diferentes bairros.

Alguns mais antigos, como o bairro do Limão, perdem suas características, tornam-se lugares de trânsito: “O Limão não é mais um bairro [...] é muito mais um fragmento da metrópole, porque é um âmbito de práticas cuja abrangência é a própria metrópole” (Seabra, 2003, p. 50). Provavelmente, pode-se dizer o mesmo a respeito de bairros que se esvaziaram demograficamente com a implementação do Plano de Avenidas: o Brás, por exemplo, perdeu 15,5% de sua população; Bom Retiro, 16,5%; Sé, 8,0%; Mooca, 5,4%; Santa Ifigênia, 5,5%; Bela Vista, 3,5%; Liberdade, 0,5% (Duarte, 1999, p. 36). Mas se a metropolização esvaziava os bairros situados no “centro expandido” da cidade, ao mesmo tempo tangia a população trabalhadora para áreas mais distantes e, assim, formavam-se novos bairros, uma nova periferia. São os casos, por exemplo, de Vila Matilde, situada na região Leste, e Vila Brasilina, na região Sudeste, localidades habitadas a partir dos anos 1920 e que tiveram suas sociedades de amigos fundadas, respectivamente, em 1950 (Sociedade Amigos de Vila Matilde – SAVM) e 1956 (Sociedade Amigos de Vila Brasilina – SAVB).10 A “época de ouro” das SABs, nos anos 1950, não coincide com o período do “bairrismo” tradicional, mas da constituição de uma segunda periferia, em que os bairros formaram suas identidades na relação uns com os outros e com a metrópole.

O estudo de Duarte (2002) sobre a Mooca, demarcado cronologicamente entre 1942 e 1973, aponta, em 1960, um deslocamento do eixo operário “da zona Leste para a zona Sul e para a região do ABC, que passou a concentrar o maior polo industrial do país. O bairro da Mooca se desindustrializava e perdia suas antigas referências e credenciais” (p. 232).

Em trabalho publicado em 1968, Paul Singer (1968, p. 65) analisou o impacto da “supervalorização” de terrenos em antigas zonas fabris, como Brás, Mooca e Ipiranga. Os benefícios urbanos já instalados e a expectativa de outros geravam crescente especulação imobiliária, forçando o deslocamento das novas indústrias de bens de produção para as periferias na própria capital (Santo Amaro, Jaguaré, São Miguel Paulista) e para os municípios limítrofes servidos por estradas, como a Dutra (Guarulhos) e a Anchieta (São Bernardo do Campo).

O processo de metropolização prossegue, portanto, nos anos 1970, muda de feição, até se “desadensar” nos anos 1990, na formação de uma “cidade-região” diferente da antiga metrópole. As análises de Paul Singer sobre deslocamento industrial podem ser complementadas com os estudos de Reginaldo de Moraes a respeito das tendências de crescimento populacional para as periferias e para fora da cidade. Entre 1960 e 1970, 84% do incremento da população paulistana ocorreu nas periferias, situando-se principalmente nos extremos Leste, Sul e Noroeste, e deslocou-se também para os municípios limítrofes, que representavam 15% da população da capital em 1940 e mais do que o dobro, 33%, em 1980 (Moraes, 2016, p. 59). Ainda segundo o autor, “o crescimento das cidades vizinhas transformou algumas delas em cinturões industriais ou aldeias-dormitórios, viveiros de mão de obra para os dinâmicos setores industriais e de serviços”. A nova São Paulo proletária estava se formando em Diadema, Jandira, Taboão da Serra, Carapicuíba, Embu, Mauá, Itapevi, São Bernardo do Campo, Osasco e Guarulhos (p. 59-60).

Portanto, as funções dos bairros se transformaram, perdendo ainda mais suas características qualitativas, com dois processos que se aceleram a partir dos anos 1970: o primeiro, o deslocamento de parte da produção industrial da região metropolitana para cidades do interior, num raio de até 150 km de distância em localidades ligadas pelas rodovias Castelo Branco, Bandeirantes e Dutra. Eram os primórdios da formação dos novos “nós espaciais” representados pelas “cidades-região”, novos arranjos espaciais do novo modo de acumulação (Constantino, 2009, p. 65, passim). O segundo processo consistiu na tendência, a partir dos anos 1980, de um novo padrão de segregação urbana, caracterizado pela presença de “enclaves fortificados” (condomínios fechados, shopping centers), que tornam irrelevante o tipo de segregação espacial anterior centro/periferia (Caldeira, 2000, p. 211).

Nota-se, portanto, uma tendência à desterritorialização da articulação das reivindicações populares urbanas, tendo como referência os bairros, e sua rearticulação em movimentos temáticos por saúde, custo de vida, transportes, creches e outros, em zonas urbanas (zonas Leste e Sul sendo as mais ativas nos anos 1970), tendo como matriz discursiva e organizativa mais atuante o setor progressista da Igreja Católica. No contexto da redemocratização e da participação na Assembleia Nacional Constituinte de 1987, esses movimentos tenderam a formar redes nacionais, entrando na fase denominada por Doimo “ativo-propositiva” (1995, p. 139), mas perdendo, por outro lado, seu pertencimento aos territórios.

Uma visão dramática do impacto das transformações urbanas sobre possibilidades de participação nas SABs é apresentada pelo estudo de Gohn, publicado em 1982 (p. 126):

Atualmente a periferia de São Paulo nada mais é do que um amontoado de casas retalhadas. Há uma “exploração” da classe trabalhadora pela própria classe trabalhadora. Aluguéis exorbitantes de quartos fétidos constituem o cenário predominante, pois o indivíduo, ao construir sua casa, já não o faz só para si, mas prevê o aluguel de um quartinho nos fundos que lhe permita aumentar a renda mensal. A participação dessa população nas SABs é problemática, pois hoje estão aqui, amanhã ali e do bairro só sabem normalmente o nome e o ônibus que utilizam.

Aparece implícito, aqui, um componente que introduz certa ambivalência à positividade atribuída à participação nos novos movimentos urbanos: se, por um lado, articulam e assumem um projeto político próprio e adotam alguns repertórios de luta de maior enfrentamento do Estado, por outro lado, organizam grupos que não estão enraizados nos territórios e encontram, nas comunidades do “catolicismo renovado”, a superação da “experiência do isolamento” (Petrini, 1984, p. 23-34), instaurando um tipo de agregação pela religião, promovida, com conotação conservadora e mesmo fundamentalista, pelas denominações pentecostais e neopentecostais.

Dois ciclos de reivindicações populares urbanas: 1945-1965 e 1973-1988

As demandas dos movimentos populares urbanos são muito semelhantes na documentação produzida no período democrático do pós-guerra e no período da redemocratização dos anos 1970. Um exemplo é a convocatória, na forma de um “mosquito” (¼ de folha tamanho ofício), para uma reunião no sábado, 30 de agosto de 1980, às 9 horas “no fim do fábrica (começo da via Anchieta)”11: “Precisamos continuar a defender nossos interesses e direitos: regularização dos loteamentos clandestinos, construção de creches, escolas, postos de saúde, água, luz, esgoto, asfalto e transporte, melhores condições de vida”. Assinavam diversas entidades representativas dos “novos movimentos urbanos”, tais como “Pastoral Operária”, “PT-Região Sudeste”, “União dos Moradores do Savério e Bristol”, “Oposição Sindical Metalúrgica”, “Centro de Defesa dos Direitos Humanos Oscar Romero”, “Centro Pastoral Vergueiro”, entre outras (Companheiro, 1980).

Vinte e três anos antes, de 22 a 29 de setembro de 1957, reunira-se a Convenção das Sociedades Amigos de Bairros e Congêneres da Zona Leste, no Largo 8 de Setembro, na Penha. Ao final, foram aprovadas diversas teses e reivindicações, elencadas num rol mais minucioso, por motivos óbvios, do que o urgente mosquitinho que circulou entre moradores da região Sudeste da cidade em 1980. Apesar do maior detalhamento, as demandas eram basicamente as mesmas:

Iluminação pública e domiciliar; telefone público; mais transporte; asfaltamento de ruas; construção de guias e sarjetões; canalização, limpeza de córregos e construção de pontes; construção de galpões escolas, grupos escolares, estádios distritais; emplacamento de ruas e jardim público; extensão da rede de água e esgotos; postos de puericultura; ginásios; postos policiais e policiamento; pronto-socorro e hospitais; eletrificação dos subúrbios paulistas da Central do Brasil; correio e telégrafo; construção de casas em terrenos do Iapi; criação de escola do Senai. (Dossiê Dops 50-J-138-176)

Os exemplos de repetição de demandas e campanhas nos dois ciclos são inúmeros e sugerem uma linha de permanência no interior de um processo de mudanças. Apenas para mencionar mais um caso significativo: em 7 de janeiro de 1955, realizou-se, convocada pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, mesa-redonda reunindo diversas entidades sindicais, de bairro, estudantis e mesmo esportivas, a fim de discutir o lançamento da Campanha de Defesa dos Consumidores. A principal ação adotada na campanha foi a mobilização pela coleta de um milhão de assinaturas contra a carestia de vida (Dossiê Deops 30-B-264-86), que ganhou as ruas em comícios de bairro (Hoje..., 1955, p. 7). O resultado ficou muito abaixo do previsto, apenas 45 mil subscrições foram colhidas, mas a ideia foi retomada vinte anos depois por outros agentes e a meta finalmente atingida em agosto de 1978, como vimos.

Tentando comparar os dois ciclos de reivindicações, em suas semelhanças e diferenças, como parte de um processo de duração maior das lutas populares urbanas pelo direito à cidade, sem atribuir aprioristicamente uma natureza inteiramente nova, autonomista, anti-institucional ao ciclo mais recente e uma outra, tributária das velhas práticas clientelistas, tutelada pelo Estado, heterônoma, ao ciclo anterior, recorremos à teoria da ação coletiva, tal como apresentada por Sidney Tarrow em O poder em movimento (2011), que propõe as seguintes operações analíticas:

  1. Distinguir um ciclo de protesto orientado para objetivos específicos, integrado por um grupo social mais homogêneo, de outro ciclo mais abrangente, articulando vários grupos;
  2. Identificar os mecanismos propiciadores da mobilização e da desmobilização:
  3. - estruturas de oportunidades e riscos políticos;

    - repertórios herdados e criados;

    - campanhas e formas de coalizão.

  4. Analisar os processos de difusão das reivindicações:
  5. - difusão baseada em relações pessoais ou em redes;

    - difusão baseada nos meios de comunicação.

  6. Considerar as formas de organização em três aspectos:
  7. - organização da ação coletiva no contato com os oponentes: quem negocia? Quem e como se organiza o confronto com a repressão, a mídia, os setores sociais desfavoráveis ao movimento?

    - organização de defesa das demandas: como se associam as pessoas para defender ou resistir a mudanças sociais, políticas, culturais ou econômicas?

    - estruturas de conexão ou redes interpessoais ligando lideranças e seguidores; “centro” e “periferia” do próprio movimento; diversas partes do movimento.

Quadro 2 – Características gerais dos dois ciclos

Período 1945-1964

Período 1973-1988

Ciclo de lutas específicas: urbanas, contra a carestia, contra a exploração da força de trabalho. Articulam-se no movimento pelas reformas de base, perdendo especificidade e ganhando coerência e projeção política.

Ciclo de lutas específicas: urbanas, contra a carestia, por transporte, saúde, contra a exploração da força de trabalho, pela anistia aos presos políticos, contra a censura. Articulam-se no movimento pela redemocratização, Diretas Já, Constituinte, formação do PT, formando redes nacionais, politizando-se e perdendo raízes territoriais.

Movimentos de reivindicações populares urbanas e contra a carestia

Estrutura de oportunidades e riscos políticos

Caracterizam-se por:

a. divisão entre elites e autoridades;

b. surgimento de aliados potenciais para as lutas;

c. abertura institucional, declínio do poder de repressão.

O populismo em São Paulo no período caracterizou-se pela presença de diversos agentes que buscavam aproveitar-se de um novo “capital político”: o surgimento de um eleitorado de massas a partir de 1945. Atuavam três populismos: janismo, adhemarismo e varguismo/petebismo, gerando nas lideranças populares, por um lado, uma prevenção contra a “política” (demagogia), por outro, uma articulação de ações coletivas a fim de aproveitar as oportunidades para a resolução de problemas.

O início do processo da transição democrática, com a posse de Geisel em 1974, dá sinais de abertura institucional para algumas ações reivindicativas. Entretanto, as possibilidades de aliados/alianças são muito reduzidas. Os movimentos acentuam sua autonomia, até o deslanche de um ciclo de greves e protestos a partir de 1978.


Quadro 3 – Processos de difusão das reivindicações

Comitês Democráticos Populares (1945-1947)

Sociedades Amigos de Bairro/congressos/plenárias

Associações Femininas de Bairro

  • jornais de bairro, tais como O Cidade Dutra, O Belenense, O amigo, O Matildense;
  • jornais sindicais: O Metalúrgico, O Trabalhador Têxtil, entre outros;
  • colunas nos jornais comerciais: “Tendinha de reclamações” e “Cidade aflita”, no Última Hora, e colunas no Notícias de Hoje, A Hora, Correio Paulistano, Folha do Povo;
  • federações: Federação das SABs e Vilas de São Paulo (Fesab), PUI, Congressos das SABs, patrocinado pelo jornal Folha do Povo, no Teatro Municipal (1955), I Congresso dos Bairros (Clamor..., 1962, p. 2).

Comunidades Eclesiais de Base

Clubes de mães

Centros comunitários

  • jornais como O São Paulo; jornais alternativos (Em Tempo, O Trabalho, Versus e outros). Jornais específicos dos movimentos de saúde, transporte, desempregados (Doimo, 1995, p. 328-353);
  • “Boletim do Custo de Vida”; “Cadernos do Custo de Vida” (Monteiro, 2017);
  • panfletos;
  • redes formadas pelas pastorais;
  • conferências episcopais latino-americanas, encontros nacionais das CEBs, Campanhas da Fraternidade.

Observações: Nota-se, no segundo ciclo, a formação de redes nacionais de difusão das reivindicações e a presença de uma novo agente: o setor progressista da Igreja Católica. A formação de movimentos sociais temáticos (e não mais baseados nos bairros), mobilizando por saúde, transporte, contra o desemprego etc., a abrangência das redes e uma ênfase maior no papel pedagógico da participação, provavelmente geravam a necessidade de uma quantidade e variedade maior de materiais de divulgação e educação no segundo ciclo.


Quadro 4 – Formas de organização: Quem negocia? Como as pessoas se associam? Como o movimento se organiza internamente?

Comitês Democráticos Populares (1945-1947)

Sociedades Amigos de Bairro/congressos/plenárias

Associações Femininas de Bairro

  • os movimentos estavam baseados em dois tipos de organização principais: sindicatos e SABs. Surgiram, desde 1953, organizações aglutinadoras: Pacto de Unidade Intersindical para os sindicatos e Fesab para as SABs;
  • organizações mais abrangentes reuniam temporariamente todos para campanhas, como convenções, congressos, movimentos e comissões. Aí, líderes políticos estavam presentes;
  • partidos: PCB, PTB;
  • a participação das bases era mediada pelas diretorias dos sindicatos e SABs.

Comunidades Eclesiais de Base

Clubes de mães

Centros comunitários

  • agentes pastorais organizam e negociam;
  • organização flexível nas CEBs, acolhimento da religiosidade popular: encontros para refletir sobre o Evangelho, reuniões periódicas, semanais, quinzenais, ênfase no maior envolvimento possível. Rotatividade das funções de coordenação (padres, freiras, leigos profissionalizados, voluntários). Hierarquia eclesiástica se mantém;
  • clubes de mães: valorização da participação da mulher, da dona de casa da periferia;
  • movimentos de saúde: agentes pastorais, médicos sanitaristas;
  • partidos de esquerda;
  • oposições sindicais.

Observações: Nota-se, no segundo ciclo, uma grande presença dos setores progressistas da Igreja Católica, propiciando recursos e redes de organização. Agentes pastorais estão presentes em vários movimentos, sobretudo nas CEBs, clubes de mães, Movimento do Custo de Vida. Há uma grande ênfase na participação das bases, na crítica às hierarquias. No primeiro ciclo, as direções sindicais têm um papel mais destacado, assim como algumas lideranças de entidades federativas de bairro, como a Fesab.

Considerações finais

A tese do “sindicalismo populista”, supostamente vigorante no período democrático de 1945-1964, em oposição ao “sindicalismo autêntico” emergente no final dos anos 1970, enxergou, de forma exagerada e pouco criteriosa um “cupulismo”, um burocratismo e uma subordinação ao Estado como características predominantes no movimento sindical do pós-Segunda Guerra. Um movimento analítico semelhante estabeleceu a separação entre novos movimentos urbanos dos anos 1970 e os movimentos liderados pelas SABs no período anterior.

Propomos testar a hipótese de um processo mais amplo de lutas urbanas, do pós-guerra até meados dos anos 1980, dividido em dois ciclos, decorrentes de conjunturas diferentes.

O primeiro ciclo teve os bairros como referências territoriais, políticas e culturais, embora os mais antigos estivessem perdendo as características fundamentais do bairrismo. A partir dos bairros, foram articuladas organizações mais amplas por meio de federações de SABs, plenárias por zonas, congressos de SABs. No segundo ciclo, com o enfraquecimento dos bairros, as articulações se deram por temas e regiões, chegando-se a redes nacionais. A Igreja, com suas paróquias e áreas, teve papel “universalizante” fundamental.

As organizações do primeiro ciclo eram dominadas por homens, adotavam estruturas formais mais rígidas, com cargos como presidentes, secretários e tesoureiros (sindicatos, SABs), mas tendo de ser reportar a conselhos deliberativos mais amplos (existentes nos estatutos de algumas SABs) e assembleias e comissões, no caso dos sindicatos. No segundo ciclo, formaram-se movimentos mais flexíveis, alguns com presença feminina hegemônica (clubes de mães, Movimento do Custo de Vida), sem hierarquias rígidas, estimulando a rotatividade nos cargos de direção e a participação das bases. Esse modelo decorria, em parte, do isolamento em tempos de ditadura e dos grandes obstáculos a uma ação institucional. Entidades fortemente hierarquizadas, como a Igreja, por um lado, e os partidos comunistas, por outro, tinham forte presença política e organizativa nesses movimentos “de base”.

No primeiro ciclo, foram desenvolvidos repertórios de lutas como petições, abaixo-assinados, idas à prefeitura. Institucionalmente, políticos eram acionados para o apoio e o encaminhamento das reivindicações, mas ao mesmo tempo eram vistos com desconfiança e denunciados como oportunistas. Articulações mais amplas propuseram projetos de reforma urbana e extensos programas de beneficiamentos públicos a serem apresentados à prefeitura por todos os bairros conjuntamente. O populismo, como “complexo sociopolítico”, propiciava canais para o encaminhamento institucional das reivindicações.

No segundo ciclo, os movimentos zelavam por sua autonomia, a situação da ditadura e das prisões favorecia o isolamento, até meados dos anos 1970. A Igreja também deixava sua marca, com o projeto da formação do “povo de Deus”. Com a abertura de canais institucionais, como as eleições de 1982, as ações voltadas a negociar e resolver problemas pressionando e mesmo ocupando as instituições (conselhos de saúde para fiscalizar serviços nessa área, por exemplo) tornam-se mais frequentes e passam a fazer parte do repertório dos movimentos.

Quanto ao problema da relação entre movimento operário e movimentos sociais urbanos, diversos estudos, como os de Fortes (2004), para o caso de Porto Alegre, e Duarte (2002), Fontes (2008), para o caso de São Paulo, vêm demonstrando que a rígida separação entre o “operário” (motivado por valores e demonstrando comportamento de classe) e o “morador” (preso a um padrão “de massa”), proposta pelos estudos dos anos 1970, não permitia enxergar os movimentos dos trabalhadores em suas diversas dimensões. Greves operárias com apoio das SABs (como ocorreu na Greve dos 400 mil, em 1957) e “marchas da fome” organizadas por sindicatos e SABs, lado a lado, começaram a ser mais conhecidas e estudadas a partir daqueles trabalhos.

Pode-se dizer que, mais recentemente, um debate conceitual prolongado sobre “quem são os trabalhadores?”12 fomentou pesquisas que buscaram enxergar a condição e a consciência de classe como processos socioculturais vividos e elaborados num espectro de experiências mais abrangente do que o do trabalho fabril. A obra de E. P. Thompson certamente teve um papel decisivo no estímulo à investigação da experiência e da cultura operária num universo mais amplo, que incluía um conjunto de práticas coletivas anteriores mesmo à existência do mundo fabril. Dois exemplos de uma nova maneira de estudar a relação entre movimento operário e movimentos urbanos, ou entre operários e moradores, são a dissertação de mestrado de Macedo (2010), que, no capítulo “Redes sociais e mobilização coletiva: família, parentes, amigos, vizinhos e colegas na Greve de 1980”, demonstra que, sem essa rede, a greve operária não teria se sustentado por tanto tempo; e o mestrado em andamento de Layana Sales de Oliveira, que argumenta, com base em documentação primária, que as experiências dos clubes de mães influenciaram, com seu discurso, suas denúncias, sua pauta de reivindicações e suas lutas, empreendidas desde o começo dos anos 1970, as greves no ABC nos anos 1980.13

Analisando como as relações entre movimentos sociais urbanos e movimento operário aparecem nos dois ciclos, pode-se dizer que havia trocas e articulações entre as entidades no primeiro ciclo, como nos exemplos já citados do manifesto de solidariedade da Fesab à Greve dos 400 mil e da participação, lado a lado, nos diversos movimentos contra a carestia. O Pacto de Unidade Intersindical foi uma tentativa de criar um plenário capaz de juntar todas essas lutas. A explicação de José Albertino Rodrigues14 para a dissolução do pacto é sugestiva das possibilidades e constrangimentos que essa articulação abria:

Durante cinco anos, o pacto comandou as ações políticas e sindicais sobretudo na cidade de São Paulo, constituindo uma espécie de plenário permanente de organizações sindicais aderentes, que chegaram a atingir mais de uma centena. Era tal a amplitude de assuntos levados ao conhecimento desse organismo, por entidades sindicais ou não, e foi se alargando seu campo de ação, independentemente de um fortalecimento orgânico, que passou a sofrer um esvaziamento que o desprestigiou paulatinamente. (Rodrigues, 1979, p. 193)

Quando o segundo ciclo teve início, por volta de 1973, muitas organizações do ciclo anterior, como sindicatos e SABs, haviam sido reprimidas, desmanteladas e cooptadas. A mobilização foi iniciada por sujeitos pertencentes a redes como a Igreja progressista, a Oposição Sindical Metalúrgica, as associações de mães e contra a carestia. As aproximações entre movimento operário e movimentos urbanos se dão por fora da estrutura sindical oficial e das SABs cooptadas e aparecem como necessidade estratégica. Ao mesmo tempo, a vanguarda operária se informava, lia, participava de cursos e estava em contato com os debates mencionados anteriormente. Na greve metalúrgica de outubro de 1979, por exemplo, foi formulada uma ideia nova sobre a condição de “povo oprimido” e “povo trabalhador”, “população que vive do seu trabalho” que, pode-se dizer, representa uma concepção de classe trabalhadora ampliada. É o que se percebe no panfleto da Oposição Sindical Metalúrgica, de 30 de setembro de 1979, pedindo apoio à greve em preparação:

Foi-se o tempo em que os trabalhadores e todo o povo oprimido sofriam calados, aguentando sem chiar a exploração em que vivemos. Operários de muitas categorias e trabalhadores de todas as profissões fizeram greves e conseguiram aumentos acima do que o governo queria impor. Nos bairros, apareceram os movimentos pela água, pela luz, pelas creches, pela moradia, contra a carestia. Os problemas dos trabalhadores, dos moradores dos bairros e de toda a população que vive do seu trabalho são muito parecidos. E nós devemos nos ajudar, porque a união faz a força. (IIEP 42, grifo do autor)

Essa concepção orientou a formação de organizações como as associações de trabalhadores no final dos anos 1970, que, segundo dois de seus participantes,

tinham como princípio a autonomia, a independência e a autogestão, além de serem um espaço de organização de diversas categorias de operários e trabalhadores em geral. Trocavam experiências de luta e organização com diversas outras iniciativas locais (associações de moradores, igrejas, pequenos grupos). (Bossam; Ruiz, 2016, p. 225)

Uma característica comum aos dois ciclos, porém, foi a de que os projetos de articulação mais orgânica entre movimento operário e movimentos urbanos não prosperaram, e uma das causas seria que esses projetos pressuporiam uma transformação radical de toda a estrutura sindical.

Portanto, esperamos ter demonstrado as semelhanças e continuidades, bem como as diferenças, entre as reivindicações populares urbanas do pós-guerra e dos anos 1970, associadas a diferentes fases e contextos do processo de metropolização de São Paulo e de seu desadensamento, nos anos 1990, espalhando-se por uma área que se pode denominar “cidade-região”. A hipótese deve ser testada com outros estudos, com o objetivo de ampliar e fortalecer nosso conhecimento e compreensão sobre repertórios de luta, possibilitando enriquecer o recurso a esses mesmos repertórios.

Fontes

Barricadas do povo contra a falta d’agua. Última Hora, São Paulo, 21 set. 1959, p. 8.

A CES prejudica centenas de trabalhadores. O metalúrgico, n. 124, set. 1953.

Clamor dos bairros contra a Prefeitura. Última Hora, n. 3081, 14 abr. 1962, p. 2.

Clube de Mães. Ofício ao diretor da Fábrica de Fios e Linhas Marte S.A. Centro Pastoral Vergueiro-CPV, São Paulo, pasta Urbanização Estado de São Paulo.

Companheiro. Centro Pastoral Vergueiro-CPV, São Paulo, pasta Urbanização Movimentos Populares, São Paulo, Região Leste.

Comunicado. Centro Pastoral Vergueiro-CPV, São Paulo, pasta Política Ação/Repressão Documentos 1964-1974.

Conselho Coordenador das SABs da região do Ipiranga. Carta aberta à população. Centro Pastoral Vergueiro-CPV, São Paulo, pasta Urbanização/Movimentos Populares/São Paulo/Documentos e periódicos.

Dossiê Dops 50-J-138-176. Arquivo do Estado de São Paulo, Fundo Deops.

Dossiê Deops 50-J-138-404. Arquivo do Estado de São Paulo, Fundo Deops.

Dossiê Deops 50-J-138-406. Arquivo do Estado de São Paulo, Fundo Deops

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Recebido em 30/9/2022

Aprovado em 23/1/2023


Notas

1     Anizio Batista, membro da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (OSM-SP), líder da primeira greve de 1978 na capital, na Toshiba, e candidato a presidente do sindicato pela Oposição, esclareceu, em entrevista, que a comissão que organizou a greve era formada por “pessoas conhecidas que trabalhavam na Toshiba e que também eram próximas ao pessoal que morava perto da minha casa”. Ele a qualifica como “uma pequena comissãozinha” e que “íamos discutir com a empresa a questão de roupa, de refeição, Cipa...”. O grupo se reunia na igreja da Vila Arapua (Depoimento dado ao autor em 28 fev. 2018, doado ao IIEP – Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas).

2     A autora refere-se a “extensas redes movimentalistas”, constituídas por determinadas instituições, formações e tradições, caracterizadas por uma predisposição à ação direta de tipo reivindicativo e portadoras de um repertório comum de linguagem. No capítulo seis, “A trama das redes movimentalistas e o papel das ONGs”, Doimo esclarece estar se referindo a redes sociais que “atravessam transversalmente” instituições como a Igreja Católica, segmentos da “academia científica”, grupos de esquerda, partidos e sindicatos, e classifica três tipos de redes: territoriais, temáticas e de influência (Doimo, 1995, p. 151).

3     Assumo aqui a liberdade de relacionar e empregar também para a formação da identidade de movimentos sociais interpretações sobre processos de formação de identidades nacionais e individuais. Em um estudo clássico sobre a formação das nações e do nacionalismo, Hobsbawm (1998) analisa que, a partir de 1880, com a ampliação do direito ao voto e a democratização dos Estados-nação europeus mais antigos, as classes dominantes engendraram um novo princípio de legitimidade: o patriotismo, uma verdadeira “religião cívica” (p. 106). Seu fundamento era a crença “em meu país, certo ou errado” (p. 109). Ainda segundo o autor, “não há modo mais eficaz de unir as partes díspares de povos inquietos do que uni-los contra forasteiros” (p. 112). A psicanálise, por sua vez, concebe o mecanismo da “projeção” como a primeira e mais fundamental garantia no processo de formação do eu. Segundo Rivière (1975, p. 25), “através desse processo, todas as sensações ou sentimentos penosos e desagradáveis existentes na mente são automaticamente banidos para fora de nós; admitimos que se localizem em outra parte que não em nós”.

4     A ação repressiva contra os movimentos urbanos do primeiro ciclo deu-se também em Belo Horizonte. Como destacou Samuel Silva Rodrigues de Oliveira, na comunicação “Os ‘trabalhadores favelados’ e as representações visuais da cidade no ciclo de protestos da reforma urbano dos anos 1960”, apresentada em sessão coordenada do VII Seminário Internacional Mundos do Trabalho, em Salvador, em novembro de 2022, a ditadura militar fechou a Federação dos Favelados de Belo Horizonte após o golpe de 1964 e as Uniões de Defesa Coletiva, movimento social urbano de articulação de lutas, desapareceram.

5     A hipótese de que todas as SABs tenham se tornado “pelegas” é até mesmo uma improbabilidade estatística, já que existiam cerca de 1.430 só em São Paulo, em 1976. O interesse político eleitoral explica-se, também, pela estimativa de que as SABs, conjuntamente, mobilizariam potencialmente um milhão de votos (Festa..., 1976, p. 20).

6    Ver Anais da Câmara Municipal de São Paulo, 280ª sessão, 5 maio 1954, vol. 8, p. 175.

7    Ata da Assembleia Geral Extraordinária do Sindicato dos Metalúrgicos de S. Paulo, 18 out. 1959, p. 70.

8    Ata da Assembleia Geral Extraordinária do Sindicato dos Metalúrgicos de S. Paulo, 11 nov. 1958, p. 3; Ata da Assembleia Geral Extraordinária do Sindicato dos Metalúrgicos de S. Paulo, 21 nov. 1958, p. 147.

9    Em sua tese de doutorado, a arquiteta Regina Maria Prosperi Meyer (1991, p. 242) desenvolve esse argumento para analisar o processo de metropolização de São Paulo, baseando-se nos estudos de Mario Manieri-Elia.

10     Rolnik (1997, p. 78; 82) situa tanto o bairro do Limão quanto a Vila Matilde na “nova periferia”, que se expandia nos anos 1940 e 1950, juntamente com Osasco, Pirituba, São Miguel Paulista e outros. Cabe notar, porém, que o bairro do Limão começou a ser povoado no século XIX e, em 1887, foi fundada a Capela de Santa Cruz (Seabra, 2003, p. 131), ao passo que a Vila Matilde começou a ser habitada por volta de 1920 e sua Paróquia de Nossa Senhora do Belo Ramo foi fundada em 1958.

11     Provavelmente o “fim do fábrica” faz menção ao ponto final de uma linha de ônibus, local de referência para a reunião, localizado no começo da rodovia Anchieta, embora não possamos afirmar com certeza. Resolvemos incluir a informação do local no texto a fim de ajudar na compreensão de um processo de mobilização local, em que a linguagem e as localidades eram compreendidas e compartilhadas, muitas vezes, por um grupo restrito, de pessoas conhecidas.

12     Parafraseando o primeiro capítulo de Linden (2013). Ver também Savage (2004) e Kirk (2004). A crítica feminista ou influenciada pelas questões colocadas pelo feminismo traz um questionamento ao que é ser trabalhador a partir dos problemas da divisão sexual do trabalho e da vivência das famílias trabalhadoras, como propõem Souza-Lobo (2011) e Rovai (2014), esta última demonstrando as diferentes experiências de operários e suas famílias no movimento grevista de Osasco de 1968.

13     Trata-se do trabalho intitulado “Relações de gênero, trabalho e movimento sindical: os clubes de mães da Zona Sul de São Paulo e o movimento do Custo de Vida (1972-1985)”, apresentado no VII Seminário Internacional Mundos do Trabalho.

14     José Albertino Rodrigues foi diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), diretor da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sociólogo, historiador, geógrafo e professor da Universidade Federal de São Carlos.



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