Acervo, Rio de Janeiro, v. 37, n. 1, jan./abr. 2024

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As atas de assembleia como arquivos da memória empresarial

The assembly’s records as archives of business memory / Las actas de asamblea como archivos de la memoria corporativa

Claudiâni Gonçalves

Doutoranda e mestra em Memória Social e Bens Culturais pela Universidade La Salle, Canoas (RS), Brasil.

claudiani.vargas@gmail.com

Moisés Waismann

Doutor em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), São Leopoldo (RS). Professor pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Bens Culturais da Universidade La Salle, Canoas (RS), Brasil.

moises.waismann@unilasalle.edu.br

Resumo

O trabalho tem por objetivo evidenciar as atas de assembleia de acionistas como arquivos da memória empresarial, a partir do corpus documental adquirido e selecionado que resultou em uma pesquisa de mestrado, utilizando documentação para dar visibilidade ao estudo. Para isso, recorre-se à pesquisa de natureza aplicada, com objetivos exploratórios, considerando-se a pesquisa documental. Logo, pode-se evidenciar a possibilidade de utilizar as atas como fonte neste tipo de investigação.

Palavras-chave: atas; memória empresarial; pesquisa documental.

Abstract

The objective of this work is to highlight the assembly’s records as archives of business memory, being made from the acquired and selected documentary corpus that resulted in a master’s research, using the documents to give visibility to the study. For this, research of an applied nature is used, with exploratory objectives, considering documentary research. Therefore, it is possible to highlight the possibility of using the records as a source in this type of investigation.

Keywords: records; business memory; documentary research.

Resumen

El objetivo de este trabajo es destacar las actas de asamblea como archivos de la memoria corporativa, siendo elaborados a partir del corpus documental adquirido y seleccionado que resultó en una investigación de maestría, utilizando los documentos para dar visibilidad al estudio. Para ello se utiliza la investigación de carácter aplicado, con objetivos exploratorios, considerando la investigación documental. Por tanto, cabe destacar la posibilidad de utilizar el acta como fuente en este tipo de investigación.

Palabras clave: actas; memoria empresarial; investigación documental.

Introdução

Este trabalho tem por objetivo evidenciar as atas de assembleia de acionistas como arquivos da memória empresarial, a partir do corpus documental adquirido e selecionado, utilizado para um projeto de mestrado, o que originou um livro em formato e-book, contextualizado pelas discussões e resultados da pesquisa, tendo por base a documentação e as imagens obtidas, lidas e interpretadas, dando visibilidade ao trabalho.

A pesquisa, inserida na linha Memória e Gestão Cultural, no âmbito do Programa de Memória Social e Bens Culturais da Universidade La Salle, no município de Canoas, localizada na Região Metropolitana de Porto Alegre do estado do Rio Grande do Sul, se preocupou em identificar as contribuições da empresa Banrisul Armazéns Gerais S.A., de capital aberto, conhecida também como Bagergs, para o desenvolvimento econômico do estado, a partir da segunda metade do século XX, do ponto de vista da memória empresarial. Através do estudo documental realizado com base nos materiais disponibilizados pela instituição e por outros órgãos, foi possível recontar a história da empresa e atrelar os principais fatos, desde sua fundação, aos mais importantes marcos da economia gaúcha, rememorando sua trajetória e, principalmente, o motivo real de sua constituição, suas transformações e seu atual estágio perante o mercado e o próprio estado.

O Banrisul Armazéns Gerais S.A. é um porto seco fundado em Porto Alegre, em 12 de novembro de 1953. Constituído como sociedade anônima, teve seu capital aberto em 1996, e o controle acionário é exercido pelo Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul). Sobre a legislação oriunda do modelo da sociedade anônima, ela se difere das demais por prever:

a) a divisão do capital social em ações; b) a responsabilidade do acionista, limitando-a ao valor da entrada feita; c) a administração por meio de mandatários revogáveis ad nutum; d) finalmente, a máxima publicidade dos atos da constituição e da vida da sociedade. (Levy, 1994, p. 178)

Quanto à localização atual da Bagergs, a empresa mudou-se para o município de Canoas, Região Metropolitana de Porto Alegre, na década de 1980, e lá permanece até hoje. Com área total de 108.271,82 m², estão inseridos na sua estrutura um pórtico para movimentação de contêineres, pátio para movimentação de cargas e armazenamento de contêineres, armazém para produtos sob anuência da Anvisa com área climatizada e desumidificada e armazém para produtos químicos. Além disso, a empresa comporta espaço para a locação de cargas soltas e conteinerizadas, a digitalização e gerenciamento eletrônico de documentos (GED) e atua como porto seco para a prestação de serviços públicos destinados às mercadorias provenientes da exportação e importação.

Este artigo preocupa-se em descrever o acervo documental utilizado que possibilitou alcançar os resultados da pesquisa e do livro eletrônico, cujo endereço on-line é aqui informado caso o(a) leitor(a) entenda ser pertinente a sua observação (Gonçalves, 2021). Para tal fim, divide-se esta comunicação em seis partes para além desta Introdução, portanto na sequência são apresentadas as seções Memória social e empresarial, seguida da Metodologia, do Corpus documental e da Memória em atas, concluindo-se com as Considerações finais e as Referências.

Memória social e empresarial

Apresentamos alguns conceitos sobre dois tipos de memória: a memória social e a memória empresarial, ambas trabalhadas como pano de fundo para a pesquisa e expostas aqui para um melhor entendimento do tema.

A memória, segundo Pollak (1992), é construída socialmente e envolve o indivíduo bem como as crenças em comum dentro de um grupo. Para o autor, a memória cria uma identidade gerada a partir de conflitos e disputas legitimadas pela negociação. No sentido de identidade, Candau (2021) diz que ela representa um estado ou conceito e também deve ser considerada individualmente no grupo, visto que cada indivíduo é único.

Para Candau (2021), a construção da identidade está relacionada à memória, independentemente do campo (social ou empresarial), e pode ser mais definida por coordenadas temporais, em que, por meio da memória, o indivíduo categoriza o mundo, tanto no espaço como no tempo, estruturando-o de forma que haja sentido. Em complemento, Pollak entende que a memória é um produto social, pois “deve ser entendida também, ou sobretudo, como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um fenômeno construído coletivamente submetido a flutuações, transformações, mudanças constantes” (Pollak, 1992, p. 201).

Em Pollak (1989), a memória ainda está relacionada ao afetivo, aos lugares de lembranças que vão além das datas de acontecimentos passados ou capacidades cognitivas, mas abarcam as emoções fixadas pela reconstrução destas em um local individual e coletivo, enquadrando a própria memória. Contudo, para Le Goff, entender a história também é necessário visto que, segundo o autor, a memória e a história se confundem, sendo a última constituída “sobre o modelo da rememoração, da anamnese e da memorização” (Le Goff, 1990, p. 407).

Dessa forma, segundo o autor, a história estaria sob a pressão das memórias coletivas e dos seus lugares, podendo estes serem topográficos como arquivos e museus, monumentais destacando as arquiteturas, simbólicos relacionados às comemorações, funcionais como os manuais e autobiografias e, principalmente, como aqueles lugares da história constituídos pelos meios sociais e pelas comunidades geracionais que, através da criação de seus arquivos, incorporam diferentes usos da memória. Para Le Goff (1990, p. 411), “a memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro”, logo, neste sentido, há um esforço da constituição da nova história científica a partir da memória coletiva alicerçada em tradicionais e novos meios de arquivos.

Quando se remete ao coletivo, o mundo corporativo pode ser englobado, surgindo o desmembramento do conceito da memória para o viés empresarial. Aprofundada no Brasil a partir da segunda metade do século XX, a memória empresarial, segundo Worcman (2004), representa a forma como as empresas comunicam o seu passado e a sua experiência no mercado, utilizando-a como ferramenta competitiva. Para a autora:

Trabalhar este tema não é apenas promover uma reconstrução do passado da organização, devendo ser visto como um marco referencial a partir do qual as pessoas redescobrem valores e experiências, reforçam vínculos presentes, criam empatia com a trajetória da organização e podem refletir sobre as expectativas dos planos futuros. (Worcman, 2004, p. 23)

A autora também afirma que a memória é seletiva, ou seja, abriga aquilo que é registrado e sobretudo o que possui significado. De igual forma, a empresa guarda nas suas memórias marcos importantes da trajetória traçada, sendo este seu patrimônio, mas também as narrativas daqueles que fizeram parte dos grupos sociais formados, pois para Worcman (2004) a empresa constrói sua identidade e reafirma sua permanência no mundo corporativo quando entende que precisa da sociedade, ou seja, que isolada não sobrevive, então ela se envolve com a comunidade e interage com o meio em que habita, fazendo parte da memória local.

Dessa forma, a trajetória de uma empresa passa a ser construída com a participação de clientes, fornecedores e outros grupos de relacionamento, os quais participam da identidade do negócio, uma vez que, mesmo de maneira implícita, integram a forma como a organização rege suas regras, seus princípios, suas maneiras de trabalho e sua marca no mercado (Worcman, 2004).

Além disso, uma das formas estratégicas de diferenciar uma empresa da outra é utilizar e reproduzir seus anos de trajetória, comemorar ou mesmo desenvolver projetos relacionados à memória, tornando suas narrativas históricas explícitas, ou seja, replicar suas ideias de passado no presente, pois quando se fala da memória de uma empresa também se fala das memórias de tudo e de todos que já fizeram parte dela, das identidades individuais e coletivas criadas conjuntamente e que se reconstroem diante dos fatos memoráveis revisitados.

Nesse sentido, a autora diz que as empresas não são formadas apenas pelos seus líderes ou administradores, mas, sim, por pessoas nas suas mais variadas concepções, e que esses indivíduos fazem parte de diversos grupos sociais, para além da organização, inclusive. Como complemento, Paulo Nassar (2004) afirma que a comunicação das empresas com a sociedade deve ser democrática, dignificando os lugares onde se instalam e fazem os seus negócios. Para ele, a história empresarial representa a identidade da organização, tanto no seu campo interno (colaboradores) como externo (sociedade), auxiliando na construção da percepção de sua marca, produtos e serviços. Para Nassar (2004), tanto o funcionário como o consumidor consideram a imagem histórica, podendo-se dizer memorial, da empresa, sendo esta viva, ajustável e passível de interferências e adaptações. A imagem da empresa tanto pode motivar a compra de produtos e serviços e a permanência dos colaboradores na organização, como afastar esses indivíduos dos seus muros.

Recuperar, organizar, conhecer e divulgar a memória da empresa vai muito além de armazenar documentos e fotografias velhas, sobretudo corresponde a tratar o seu patrimônio, categorizar a sua informação, tornando possível conservar a sabedoria e fortalecer o sentimento de pertencimento a favor do futuro da organização (Nassar, 2004).

Metodologia

Para dar conta da proposta desta comunicação, que é apresentar o corpus documental utilizado, recorreu-se a uma pesquisa de natureza aplicada, visto que se percebe a solução de problemas (Prodanov, 2013). Já quanto aos objetivos, trata-se de uma pesquisa exploratória, uma vez que tem como intenção “proporcionar mais informações sobre o assunto” sobre o qual se vai debruçar, possibilitando o desenho da pesquisa e a construção de hipóteses.

Trata-se de uma pesquisa documental, quando se olha os procedimentos, já que utiliza “materiais que não receberam ainda um tratamento analítico ou que podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa” (Prodanov, 2013, p. 55), como é o caso das atas. Este é um tipo de pesquisa que pode integrar o rol daquelas utilizadas em um mesmo estudo ou se caracterizar como o único delineamento utilizado para tal (Beuren, 2003).

Gil (2012, p. 45) diz que esta “vale-se de materiais que não recebem ainda tratamento analítico” e contempla documentos “de primeira mão” (p. 46), arquivados nas instituições e ainda não restaurados, considerados como “fonte rica e estável de dados” (Gil, 2002, p. 46), já que “os documentos subsistem ao longo do tempo, [e] tornam-se a mais importante fonte de dados em qualquer pesquisa de natureza histórica” (Gil, 2002, p. 46).

Para Bardin (1977), a informação tratada a partir dos documentos cria uma outra forma de informação, diferentemente da original, sugerindo uma nova representação do conteúdo acumulado, facilitando, assim, o processo de entendimento do leitor. A autora também diz que a análise documental transforma um documento primário, o qual ainda não foi tratado, em um documento analisado e secundário, sendo este uma representação do primeiro. Segundo Prodanov (2013, p. 56), documento é

qualquer registro que possa ser usado como fonte de informação, por meio de investigação, que engloba: observação (crítica dos dados na obra); leitura (crítica da garantia, da interpretação e do valor interno da obra); reflexão (crítica do processo e do conteúdo da obra); crítica (juízo fundamentado sobre o valor do material utilizável para o trabalho científico).

Dessa forma, é necessário que as fontes, os documentos, neste caso específico as atas, passem por uma crítica do pesquisador, da pesquisadora, com vistas a perceber a sua autenticidade.

Corpus documental

Primordialmente, é indispensável compreender quais documentos e por que tais materiais foram utilizados na pesquisa mencionada. Grande parte do corpus documental foi cedida pela própria empresa (Banrisul Armazéns Gerais S.A.). Contudo, algumas lacunas que precisavam ser preenchidas foram identificadas e, em outros momentos, algumas informações tiveram que ser averiguadas e, de certa forma, comparadas com as fontes disponibilizadas pela instituição. Portanto, buscou-se em outros locais o material que completou ou que dialogou com as memórias empresariais ora cedidas.

Por parte da Bagergs, o acervo oportunizado contemplou documentos desde 1946 a 2019, sendo sua fundação oficial em 1953. Os documentos foram registrados na capital gaúcha, em Porto Alegre, e no município de Canoas, ambas cidades onde a sede da empresa esteve presente desde a década de 1950. Em um primeiro momento, os materiais foram apresentados em livros de capa dura, armazenados na própria empresa, junto à sala da diretoria. Posteriormente, todo o material foi digitalizado pela assessoria e acomodado em um HD externo para facilitar a locomoção e a análise das informações.

Todo o arcabouço documental continha contratos de compra e venda, estatutos sociais, atas de assembleia geral, atas do Conselho de Administração, ações de recibos e ações de contratos. A relação completa por documento, descrição, quantidade e anos pode ser observada a seguir no Quadro 1:

Quadro 1 — Relação de documentos disponibilizados pela Bagergs, de 1946 a 2019

Documento

Descrição

Quantidade

Anos

Contrato

Compra e venda de terrenos e pavilhões

13

1946, 1948, 1952 e 1956

Estatuto social

Regimento com regras e determinação de direitos e deveres

16

2001, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2019

Assembleia geral de acionistas

Reunião onde os acionistas têm direito a voto. Deliberação de assuntos importantes

115

1953, 1954, 1955, 1956, 1957, 1958, 1959, 1960, 1961, 1962, 1963, 1964, 1965, 1966, 1967, 1968, 1969, 1970, 1971, 1972, 1973, 1974, 1975, 1976, 1977, 1978, 1978, 1979, 1980, 1981, 1982, 1983, 1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010

Conselho de Administração

Órgão responsável pela aprovação ou não do que foi sugerido nas atas das assembleias gerais

203

1979, 1980, 1981, 1982, 1983, 1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997, 1998, 1999

Ações (recibo)

Recibos

481

1981

Ações (contrato)

Compra e venda

12

1946, 1948, 1952, 1956

Fonte: Gonçalves (2021, p. 52).

A representação gráfica do volume correspondente ao corpus documental mostrado no quadro acima pode ser visualizada conforme segue:


Figura 1 ‒ Representação gráfica do volume, em percentual, dos documentos disponibilizados pela Bagergs, de 1946 a 2019. Fonte: Gonçalves (2021, p. 53)

Analisando as duas ilustrações, percebe-se que os documentos que compuseram o corpus da pesquisa se distribuíram em ordem decrescente, com as Ações (recibo): 481 (57,3%), os documentos do Conselho de Administração: 203 (24,2%), os da Assembleia Geral: 115 (13,7%), do Estatuto Social: 16 (1,9%), os Contratos: 13 (1,5%) e as Ações (contrato): 12 (1,4%).1

Deste acervo disponibilizado pela Bagergs, optou-se, para a dissertação de mestrado, tratar apenas das atas de assembleia geral de acionistas. Isto porque, após analisar toda a documentação cedida, percebeu-se que nas atas de assembleia geral de acionistas estavam os grandes feitos da empresa, assim como suas aquisições, perdas, mudanças de razão social e localidade, contratações, novos presidentes e diversos assuntos deliberados anualmente. Nesse tipo de material, foi possível rememorar a história da instituição e reproduzi-la na atualidade, identificando suas contribuições para a economia do estado do Rio Grande do Sul, à medida que a empresa se desenvolveu.

Estas foram as fontes primárias da pesquisa que juntamente com algumas fotografias, disponibilizadas também em formato digital, completaram o acervo cedido pela empresa. Entre as imagens estavam alguns dos presidentes da Bagergs, estruturas e armazéns nos municípios de Canoas, Uruguaiana, Santana do Livramento e Jaguarão, todos no estado do Rio Grande do Sul, sendo que nas últimas três cidades a empresa esteve presente por um curto período.

Contudo, mesmo após todo o material cedido pela Bagergs, foi necessário construir o acervo das fontes secundárias, buscando em lugares específicos materiais complementares que pudessem dialogar com as fontes primárias. Nesse sentido, consideraram-se as imagens da capital gaúcha na década de 1950, cedidas pelo Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo, reportagens da Revista do Globo disponibilizadas pelo Instituto de Cultura/Delfos – Espaço de Documentação e Memória Cultural da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), notas do Diário de Notícias de Porto Alegre dos anos de 1954, 1959 e 1961, propiciadas pelo D. A. Press Conteúdo, de Brasília, reportagens da Folha de São Paulo dos anos de 1979 e 1983 e do Correio do Povo, de 2003, 2004, 2007, 2009 e 2010.

Todo esse material foi indispensável para justificar não só o que as atas de assembleia geral de acionistas diziam, mas também para contextualizar o que estava acontecendo, economicamente, no estado do Rio Grande do Sul na época em que a Bagergs foi fundada e se desenvolvia na Região Metropolitana de Porto Alegre. As fontes imagéticas, tanto da Bagergs como dos recortes de revistas e jornais do período, foram incorporadas no e-book com o objetivo de torná-lo uma produção leve, completa e informativa.

Memória em atas

As atas de assembleia geral de acionistas foram o tipo de arquivo escolhido para fundamentar tanto a pesquisa descrita na dissertação como o produto final e-book. Sendo parte de um acervo maior, este tipo de arquivo trouxe, em detalhes, os vestígios percorridos pela Bagergs desde a sua fundação. Já na primeira ata é possível tomar conhecimento sobre a data exata de início das suas operações conforme mostra o recorte abaixo:


Figura 2 ‒ Data de início das operações da empresa. Fonte: Trecho da ata de assembleia n. 1, de 28 de dezembro de 1953, página 5. Acervo Bagergs

Este documento afirma que o Banrisul Armazéns Gerais foi fundado em 12 de novembro de 1953, com a denominação de “Armazéns Gerais Sul-Riograndenses S.A.”, conhecida como “Armasul”, e tinha por objetivo estabelecer armazéns gerais para depósitos, guarda, beneficiamento e conservação de mercadorias, além de emissão de títulos especiais.

A extensão inicial da área alugada somava 8.590 m² de área descoberta e mais 4.000 m² de área coberta, o que possibilitava a armazenagem de seiscentos mil volumes de cargas. As operações ofertadas pela “Armasul” contemplavam o recebimento e moagem de açúcar, engenho de arroz, descasque, esmaltação e secagem de arroz e cereais, polimento de feijão, moagem de farinha de mandioca, imunização de cereais e câmara de expurgo, além de outras operações agrícolas e a armazenagem simples. O documento também descreve a importância da constituição da empresa para o momento agrícola e econômico do Rio Grande do Sul, conforme trecho a seguir, descrito ainda na primeira ata de assembleia:


Figura 3 ‒ Descrição das atividades iniciais da empresa e da sua relevância para a economia do Rio Grande do Sul. Fonte: Trecho da ata de assembleia n. 1, de 28 de dezembro de 1953, página 10. Acervo Bagergs

Ainda na primeira ata é possível verificar as assinaturas dos primeiros acionistas da empresa. A primeira assembleia, realizada em 28 de dezembro de 1953, ocorreu na Associação Comercial de Porto Alegre, no Palácio do Comércio, e a listagem dos 29 primeiros acionistas pode ser vista no quadro a seguir, acompanhado da última página da ata, em que constam as assinaturas (a qual não contemplou todos os acionistas):

Quadro 2 — Listagem dos primeiros acionistas da Bagergs (Armasul) em 1953

Nome

Natureza

Figueiredo (Sul Rio-Grandense) S.A.

Jurídica

José Denovaro Jr.

Física

Cereais Rosito Ltda.

Jurídica

Salvador Rosito

Física

Comercial Gigante Balzano S.A.

Jurídica

J. C. Sant’Anna

Jurídica

Cauduro, Filho & Cia.

Jurídica

Dario O. Franke

Física

A. Paulo Feijó & Cia.

Jurídica

Dillon Pertile

Física

Edgar Luiz Schneider

Física

Caleb Leal Marques

Física

Armando Gonçalves

Física

Henrique Lubisco

Física

Carlos Lubisco & Cia.

Jurídica

Beira Rio Armazenagens S.A. (Brasa)

Jurídica

Oscar Costa Leite

Física

Renato Costa – Dr.

Física

Consórcio Brasileiro de Investimentos (Rio Grande do Sul) S.A.

Jurídica

Harold Balaguer

Física

Cia. União de Seguros Cereais

Jurídica

Carlos Freitas Rolim

Física

Mercantilarroz S.A.

Jurídica

Arthur E. Schaeffer

Física

Irmãos Santos & Cia.

Jurídica

Jung & Kirsten

Jurídica

Madepinho Seguradora S.A.

Jurídica

Agilberto Franciosi

Física

Santa Catharina & Cia.

Jurídica

Fonte: Gonçalves (2021, p. 58)


Figura 4 ‒ Assinaturas originais dos primeiros acionistas da Bagergs (Armasul), em 1953. Fonte: Ata da assembleia n. 1, de 28 de dezembro de 1953, página 13. Acervo Bagergs

O grupo de acionistas foi composto por pessoas físicas e jurídicas, sendo os primeiros diretores os srs. José Denovaro Jr., representante da empresa L. Figueiredo (Sul-Riograndense) S.A., Henrique Lubisco, Arthur E. Schaeffer, Agilberto Franciosi, Oscar Costa Leite, como diretor comercial, e Renato Costa, como diretor-presidente. Um fato curioso é que a maioria dos acionistas que formaram a Bagergs era produtora de arroz.

Ao longo dos anos outros fatos importantes e representativos para a economia do estado do Rio Grande do Sul foram surgindo à medida que os arquivos da Bagergs também foram se preocupando em registrar, ano após ano, o desenvolvimento e as dificuldades do Banrisul Armazéns Gerais S.A. Por meio das atas de assembleia geral de acionistas foi possível reproduzir as memórias da instituição nos dias atuais e entender como estes rastros contribuíram para o setor e quais foram seus impactos reais.

Toda essa memória pode ser visitada de forma gratuita através do e-book original que conta a história da empresa em formato de linha do tempo e que foi atrelada aos principais marcos econômicos do estado no período estudado. O livro eletrônico, Memória empresarial do Banrisul Armazéns Gerais S.A. (Bagergs),2 foi publicado pela editora Unilasalle em 2022 e encontra-se disponível para download e leitura.

Considerações finais

Este artigo teve como objetivo evidenciar as atas de assembleia de acionistas como arquivos da memória empresarial, e isso foi feito a partir do corpus documental adquirido e selecionado, utilizado para uma pesquisa de mestrado, assim como originou um livro em formato de e-book, contextualizado pelas discussões e resultados da pesquisa, a partir da documentação e das imagens obtidas, lidas e interpretadas, que deram vida e visibilidade ao trabalho. Para isso, recorreu-se a uma investigação de natureza aplicada, com objetivos de uma pesquisa exploratória, considerando-se a pesquisa documental.

Evidenciou-se no corpus do projeto a possibilidade de rememorar atos e fatos ocorridos durante toda a trajetória da empresa Banrisul Armazéns Gerais S.A. (Bagergs), estudada no decorrer do mestrado, quando foi possível perceber as contribuições da instituição a partir da sua construção e dos serviços prestados para o estado do Rio Grande do Sul, que fizeram parte da história econômica da Região Metropolitana de Porto Alegre.

As atas de assembleia de acionistas, uma vez selecionadas, estudadas e interpretadas pelos pesquisadores, possibilitaram a visitação aos vestígios passados que, através dos documentos, puderam ser reapresentados no presente como forma de produção da memória empresarial, buscando, com isso, visibilidade à empresa e àqueles que fizeram parte do seu negócio.

Por meio do corpus documental, o objetivo de contextualizar os motivos que fizeram a Bagergs ser parte da história do estado foi cumprido, uma vez que abarcou, durante a descrição dos documentos, as ações tomadas e decididas pelo grupo dos acionistas que proporcionaram à empresa estar no presente momento em que se encontra, ou seja, ser o único porto seco da Região Metropolitana de Porto Alegre e com capacidade de atender cargas voltadas ao comércio exterior de toda esta região e em nível nacional.

Referências

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Recebido em 24/2/2023

Aprovado em 27/6/2023


Notas

1 Além dos documentos citados, outras fontes documentais podem ser trabalhadas no campo da memória empresarial como: manuais de produção, transcrições orais, fotografias, registros de funcionários, memorandos, contratos, relatórios, cartas comerciais, comprovantes, licenças, entre outros.


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