Acervo, Rio de Janeiro, v. 36, n. 3, set./dez. 2023

O arquivo como objeto: cultura escrita, poder e memória | Dossiê temático

Perlustrando vários documentos guardados

A questão dos limites interestaduais e a heurística nos arquivos do antigo norte do Brasil

Studying several stored documents: the issue of interstate boundaries and heuristics in the archives of the former north of Brazil / Embelleciendo varios documentos guardados: la cuestión de los límites interestadiales y la heurística en los archivos del norte de Brasil

Magno Francisco de Jesus Santos

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Brasil.

magno.santos@ufrn.br

Resumo

O escopo deste artigo é problematizar os usos dos acervos documentais pelos intelectuais que escreveram sobre os limites interestaduais no antigo norte do Brasil ao longo da Primeira República. Em um contexto no qual a história era tida como verdade e o documento como prova, os acervos estaduais foram avaliados como instrumentos de poder.

Palavras-chave: acervo; arquivo; limites interestaduais.

Abstract

The scope of this article is to problematize the uses of documentary collections by intellectuals who wrote about the issue of interstate boundaries in the former north of Brazil during the First Republic. In a context in which history was taken as truth and documents as proof, state collections were evaluated as instruments of power.

Keywords: collection; archive; interstate boundaries.

Resumen

El escopo de este artículo es problematizar los usos de los acervos documentales por los intelectuales que escribieron sobre la cuestión de los límites interestadiales en el antiguo norte de Brasil al largo de la Primera República. En un contexto lo cual la historia era tratada como verdad y el documento como prueba, los acervos documentales de los estados fueron avaliados como instrumentos de poder.

Palabras clave: acervos; archivos; los límites estaduales.

Introdução

A questão dos limites interestaduais foi um dos mais delicados problemas internos do Brasil durante os primeiros decênios republicanos. O país encontrava-se esfacelado por disputas fronteiriças, que segundo Thiers Fleming, nos idos de 1917, chegavam a 26 contestações não solucionadas (Fleming, 1917, p. 8).1 Em um contexto marcado pelo nascedouro da República, por instabilidade política e pela emergência de intelectuais nas disputas da reinvenção da identidade nacional, no qual “outros ingredientes são produzidos, obrigando a repensar a ideia de nação” (Oliveira, 1990, p. 23), os impasses sobre os territórios limítrofes ocorreram em diferentes instâncias. As disputas tiveram como palco central as esferas políticas, ao atravessar o âmbito dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Contudo, na querela entre os estados de Paraná e Santa Catarina, “a luta pela posse da terra resultou no desencadeamento de uma guerra na região contestada” (Campos, 1998, p. 14).

Em grande medida, as questões fronteiriças eram advindas do século XIX, com o processo de transmutação das antigas capitanias em províncias. Todavia, foi no emergir do período republicano que as tensões se tornaram mais acaloradas, como resultante do ímpeto federalista que reafirmava a forja das identidades estaduais. Com isso, as disputas entre as unidades da federação tornaram-se uma ameaça à unidade nacional. Sílvio Romero, um dos principais atores no debate público sobre a questão dos limites, alertou que “o federalismo, este só é aceitável, só é regularmente possível até o ponto em que se confunde com a pura autonomia administrativa sem entraves à grande vida política da nação” (Romero, 1910, p. 277). A premissa defendida pelo intelectual brasileiro elucidava a eminente ameaça da manutenção da unidade federal em decorrência dos problemas estaduais. A unidade nacional era ameaçada pelas disputas regionais.

Sílvio Romero não foi o único a enfrentar essa questão. Em todo o país as disputas territoriais entre as unidades federativas resultaram na mobilização de uma plêiade de intelectuais que vasculharam arquivos estaduais com o intuito de fundamentar os processos com respaldo documental. Com isso, as querelas acerca dos limites alavancaram a produção historiográfica, pois os processos eram instruídos por meio das narrativas históricas. Grande parte dessa produção historiográfica sobre o tema foi lavrada por intelectuais que integravam os institutos históricos e geográficos estaduais, notadamente, no antigo norte do Brasil.

O antigo norte do Brasil compreende-se como o espaço que, no período entre o século XIX e os primeiros decênios do século XX, era constituído pelas antigas províncias do norte do Império, a saber: Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão, Pará e Amazonas. Essa região do país emergiu no período pós-Independência, a partir da tessitura entre os antigos estados do Maranhão e do Grão-Pará e as capitanias do norte do Estado do Brasil. Em suma, o antigo norte do Brasil implicava uma delimitação histórico-geográfica que expressava uma configuração tecida no contexto da independência do país e que teve uma fissura a partir da separação entre o extremo norte e a chamada “invenção do Nordeste” (Albuquerque Júnior, 2009). Trata-se, portanto, de uma configuração espacial forjada no emergir do Oitocentos e desfeita ao longo dos primeiros decênios da centúria subsequente.

Ao longo das primeiras décadas republicanas, as contendas sobre os limites tornaram-se um importante pretexto que estimulou a criação ou recriação de sodalícios. Até o ano de 1887, o antigo norte possuía apenas duas instituições em atividade, nas províncias de Pernambuco e Alagoas, fundadas respectivamente em 1862 e 1869. A partir dos últimos anos do Império, foram criados institutos em outras plagas, como Ceará (1887), Bahia (1894), Pará (1900), Rio Grande do Norte (1902), Paraíba (1905), Sergipe (1912), Amazonas (1917), Piauí (1918) e Maranhão (1925).

Essas novas instituições nasceram com o intuito de arquivar os documentos históricos, de congregar homens de letras e de contribuir para a escrita da história estadual (Santos, 2013; Santos, 2020a; Santos, 2020b). Assim, passavam a suprir a demanda por instituições culturais e científicas que fomentassem a pesquisa histórica sem exigir a necessidade de deslocamento para os grandes centros, que abrigavam os principais acervos, como Rio de Janeiro e Lisboa. Os historiadores dos limites passavam a instruir as suas peças jurídicas respaldados em documentos disponíveis no seu próprio torrão. Documentos que também eram acionados para elaborar mapas, como as cartas cartográficas e atlas do Brasil, publicados em 1846, 1868, 1875, 1905 e 1922, elaborados respectivamente por Niemeyer, Cândido Mendes, Beaurepaire Rohan, barão Homem de Mello e Francisco Bhering (Peixoto, 2004).2 Assim, no caso dos estados do antigo sul brasileiro, as pesquisas documentais poderiam ocorrer primordialmente nos acervos do Rio de Janeiro, até então capital do país. Já no antigo norte do Brasil, os elevados custos das longas viagens fizeram com que esses deslocamentos se tornassem consideravelmente mais escassos. Para muitos dos letrados recrutados, a pesquisa teve como lastro a heurística em acervos estaduais, e os seus textos históricos tornaram-se repertórios que elucidavam as condições dos principais arquivos.

Dessa forma, é possível pensar acerca das diferentes ações dos intelectuais envoltos nas querelas territoriais no sentido de efetivar a organização dos acervos e a heurística nos respectivos arquivos estaduais. Afinal, qual era a situação dos arquivos nos estados do antigo norte do Brasil? Diante dessa questão, neste artigo tenho como escopo problematizar os usos dos acervos documentais pelos intelectuais que escreveram sobre a questão dos limites interestaduais nessa região ao longo da Primeira República. Para isso, mobilizo como fontes a produção historiográfica sobre esse tema, que possibilita entender tanto sobre a situação dos acervos documentais nos respectivos estados, quanto as estratégias acionadas pelos pensadores da história para preencher as inúmeras lacunas documentais em seus tratados históricos. Pensar acerca desses acervos também possibilita entender como essa documentação foi avaliada ao longo da centúria oitocentista para emoldurar uma ideia de norte como espaço uníssono e atrelado à nação.

O problema da mobilização dos acervos foi definido no âmbito da cultura política. Analisei os documentos a partir dos diferentes significados atribuídos aos seus usos no âmbito da historiografia dos limites. Nesse sentido, compartilho da acepção defendida por René Rémond, na qual a “história do fato não vive fora do tempo em que é escrita, [...], suas variações são resultado das mudanças que afetam o político, como das que dizem respeito ao olhar que o historiador dirige ao político” (Rémond, 2003, p. 22). Ao partir dessa premissa, opero com a concepção de cultura política de Serge Berstein, na qual “supre ao mesmo tempo uma leitura comum de passado e uma projeção no futuro vivida em conjunto” (1998, p. 352). Essas concepções atinentes aos usos do passado possibilitam entender as finalidades atribuídas às fontes e à história na escrita dos historiadores dos limites.

Assim, busquei compreender os diferentes usos dos acervos e os sentidos atribuídos aos documentos no âmbito da escrita da história que elucidava uma acepção de prova jurídica. Eram narrativas que expressavam uma forte conotação com o estatuto de verdade e de prova. Essa concepção revela frestas que possibilitam entender o estatuto historiográfico e documental mobilizado pelos letrados do antigo norte brasileiro entre o final do século XIX e os primeiros decênios do XX. Opero assim como uma “história política articula o contínuo e descontínuo, registros desiguais” (Rémond, 2007, p. 35).

Além disso, também aciono os intelectuais como sujeitos protagonistas da história. De forma pertinente, Angela de Castro Gomes e Patrícia Santos Hansen alertam: “Uma abordagem da história dos intelectuais [...] exige reflexão sobre a própria categoria em sua historicidade e complexidade” (Gomes, 2016, p. 11). Penso os intelectuais a partir da concepção defendida por Jean-François Sirinelli:

Por esta última razão, é preciso, a nosso ver, defender uma definição de geometria variável, mas baseada em invariantes. Estas podem desembocar em duas acepções do intelectual, uma ampla e sociocultural, englobando os criadores e os “mediadores” culturais, a outra mais estreita, baseada na noção de engajamento. No primeiro caso, estão abrangidos tanto o jornalista como o escritor, o professor secundário como o erudito. Nos degraus que levam a esse primeiro conjunto postam-se uma parte dos estudantes, criadores ou “mediadores” em potencial, e ainda outras categorias de “receptores” da cultura. É evidente que todo estudo exaustivo do meio intelectual deveria basear-se numa definição como esta. (Sirinelli, 1998, p. 242)

Pautado nessas premissas, estruturei o artigo em dois momentos. No primeiro, discorro sobre a iniciativa de avaliar os acervos das províncias do antigo norte, a partir dos relatórios produzidos por Gonçalves Dias em meados do século XIX. Trata-se da atividade que buscou inventariar os referidos documentos como fonte para a escrita da história nacional. No segundo momento, analiso a situação dos acervos e arquivos dessa região do Brasil a partir da produção historiográfica sobre os limites. De alguma forma, ao descrever os procedimentos metodológicos que nortearam a escrita, os intelectuais acabaram cartografando os espaços institucionais nos quais foi realizada a heurística. Desse modo, enfrento os usos dos documentos e as estratégias acionadas pelos historiadores dos limites no processo de construção dos argumentos em defesa da posse do território. Diante do exposto, é oportuno pensar sobre a cartografia de acervos e arquivos do antigo norte do país.

Os preciosos documentos desses primeiros tempos: Gonçalves Dias, os arquivos e a invenção do antigo norte no Oitocentos

Ao longo do período imperial, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro (SGRJ) tornaram-se instituições proeminentes no processo de produção de saberes históricos e de reconhecimento e delimitação das fronteiras nacionais (Cardoso, 2016). Assim, era recorrente a realização de expedições sob os auspícios dos cofres públicos, com o intuito de reconhecer e demarcar as regiões fronteiriças do Império do Brasil. No caso do IHGB, essas ações eram as mais onerosas, e os relatórios de viagens tornaram-se um dos temas centrais de seu periódico (Guimarães, 2011a). Além disso, essas práticas providas de interesses políticos e científicos possibilitaram que o Brasil passasse a ser visto e descrito por homens de letras brasileiros (Santos, 2020c). O nascedouro da nação era tecido e entrelaçado aos fazeres científicos.

As expedições pelo interior do Brasil estavam coadunadas com os objetivos da instituição, “coligir, metodizar, publicar ou arquivar os documentos necessários para a história e a geografia do Brasil” (IHGB, 1839, p. 6; Guimarães, 2011b). O intuito perpassava pela reunião de documentos que se encontravam dispersos em arquivos provinciais e, assim, pela criação de condições para a escrita da história nacional. Provido deste intuito, nos idos de 1851, o governo do Império do Brasil instituiu uma comissão que deveria percorrer as províncias do antigo norte para realizar o levantamento documental.3 De acordo com o integrante da comissão, Antônio Gonçalves Dias:

Por ofício de 18 de março do corrente ano dignou-se V. Ex. participar-me que S. M. o Imperador houvera por bem incumbir-me o desempenho de duas importantes comissões nas províncias do Pará, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Bahia e Alagoas. Era a primeira destas comissões coligir todos os documentos concernentes à história do país, que porventura existissem nas bibliotecas e arquivos dos mosteiros e das repartições públicas; e a segunda examinar todos os liceus, colégios, escolas e quaisquer outros estabelecimentos destinados ao ensino e educação da mocidade. (Dias, 1853, p. 370)

Essa assertiva apresentada pelo pensador da história oitocentista é reveladora de duas dimensões importantes. A primeira, no tocante ao objetivo central da comissão, que pode ser entendido como um desdobramento prático dos objetivos preconizados pelo IHGB, ou seja, a reunião e transcrição de fontes que se encontravam nas províncias e que fossem relevantes para possibilitar a escrita da história nacional. Ao longo da centúria oitocentista, foram consideravelmente expressivos os esforços dos sócios do IHGB em angariar fontes, coligir documentos, arquivar memórias que, em tempos futuros, pudessem fomentar a escrita da história. Em um contexto com forte demanda pela história, investia-se na produção e heurística de memórias (Guimarães, 2006; Oliveira, 2011; Schwarcz, 2010; Enders, 2014). Tratava-se, de fato, de uma demanda apresentada pelo cônego Januário da Cunha Barbosa, no discurso inaugural do sodalício, ocasião na qual defendeu que a tarefa de escrita da nação poderia ser facilitada,

pela coadjuvação de muitos brasileiros esclarecidos das províncias do Império, que atraídos ao nosso Instituto pela glória nacional, que é o nosso timbre, trarão a depósito comum os seus trabalhos e observações, para que sirvam de membros ao corpo de uma história geral e filosófica do Brasil [...]. Não tem faltado escritores que se dessem ao trabalho de recomendar à posteridade muitos desses fatos, que são lidos em todos os tempos com justa admiração; mas, espalhados por um tão vasto território como este em que agora o Brasil assenta o seu trono imperial, eles mais escreveram histórias particulares das províncias do que uma história geral, encadeados os seus acontecimentos com esclarecido critério, com dedução filosófica, e com luz para a verdade. Ah, se ainda assim mesmo tantos escritos de ilustres brasileiros fossem dados à luz pública, ou conservados em arquivos, para que a posteridade deles se aproveitasse, talvez que então se pudesse realizar em parte a doutrina de Cícero, quando chama a história testemunha dos tempos. (Barbosa, 1838, p. 10-11)

O secretário perpétuo do IHGB apresentou algumas prerrogativas que considerava basilares para o audacioso projeto de uma história geral do Brasil. A proposta encontrava-se assentada na reunião de letrados que estavam dispersos nas províncias, com o intuito de receber as doações de suas memórias, os trabalhos que pensavam as “histórias particulares das províncias”. Tais textos se tornariam o lastro fundamental para a futura escrita de uma história geral do país. Apesar de serem consideradas obras desprovidas de encadeamento do sentido nacional e da dedução filosófica, eram narrativas que explicitavam as experiências provinciais.

Nesse sentido, agenciar os pensadores da história de cada província era apresentado como um elemento primordial para atender os objetivos institucionais. De igual modo era notória a necessidade de inventariar os escritos que se encontravam guarnecidos em arquivos e bibliotecas provinciais, com o intuito de instituir um acervo da nação no âmbito da “casa da memória nacional”.4 Com isso, uma das propostas debatidas no IHGB tinha como prerrogativa a escrita da história nacional a partir do investimento na recuperação das memórias provinciais ou, como de forma pertinente Alexandre Lazzari elucidou, a história da grande pátria encontrava-se coadunada com o levantamento da produção sobre as pequenas pátrias (Lazzari, 2004, p. 28-29).

O segundo aspecto situado pela narrativa de Gonçalves Dias é atinente à dimensão espacial. O ofício imperial incumbiu o pensador da história oitocentista de realizar a investigação sobre os documentos concernentes à história do país em acervos até então pouco explorados. Coadunada com as iniciativas que fomentavam a heurística nos arquivos europeus (Cézar, 2018), o documento imperial investia com a pesquisa na outra margem do Atlântico, dentro dos limites nacionais, mas em acervos igualmente inacessíveis. Buscava-se conhecer as fontes que se encontravam dispersas em “outra” espacialidade do Império do Brasil. Nesse sentido, é possível entender o referido documento oficial como um registro que reafirmava uma definição espacial do que seria o antigo norte do Brasil.

O norte era delimitado espacialmente como a junção de três diferentes ex-colônias lusitanas, ou seja, das antigas capitanias do norte do Estado do Brasil com o Estado do Maranhão e o Estado do Grão-Pará, mas também era instituído como o espaço do outro, a demarcação de um território até então pouco conhecido pelos letrados brasileiros que viviam na corte. O reconhecimento desse espaço narrado como distante se daria tanto por meio das viagens como pelo recrutamento de letrados para inventariar os seus acervos. Ao listar as províncias onde Antônio Gonçalves Dias deveria inventariar os acervos de arquivos e bibliotecas, o documento imperial delimitava o espaço do antigo norte. Como Renato Amado Peixoto assevera, “o ato de mapear o território envolve um esforço continuado (explorar, descrever, cartografar, divulgar), de constante articulação e diálogo entre as partes” (Peixoto, 2005, p. 33). O antigo norte tratava-se de uma espacialidade contígua que se iniciava na província da Bahia e ia até o território do antigo Estado do Grão-Pará, que a partir de 1850 encontrava-se compartimentado nas províncias do Pará e do Amazonas (Gregório, 2012). Nesse sentido, foi a partir de meados do Oitocentos que se configurou a feição do antigo norte que atravessaria o século e seria fragmentado a partir do segundo decênio do século XX. A comissão de Gonçalves Dias tornava-se, assim, uma das primeiras ações cartográficas dessa região imperial.

O relatório escrito por Gonçalves Dias informa que o ofício imperial elencava as províncias de Bahia, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão e Pará. Estranhamente, não constavam as províncias de Sergipe, Piauí e Amazonas. Diante do exposto, essas ausências poderiam ter sido fruto do lapso de Gonçalves Dias ao escrever o relatório. Contudo, essa hipótese parece pouco verossímil, em decorrência do fato de o autor explicitar, em outro momento, que nem todas as províncias do antigo norte foram designadas como alvo da comissão. Nas palavras de Gonçalves Dias,

do arquivo do Maranhão tirei também papéis relativos ao Pará, que lá não deverão existir, atendendo às violentas comoções por que tem passado a província, o Piauí, onde não se estenda a minha comissão, e do Ceará, o que pode servir para completar a história da rebelião de 1839. (Dias, 1853, p. 380)

Percebe-se pela assertiva do autor que a definição das províncias a serem investigadas priorizou as preocupações e demandas do Estado brasileiro. Assim, essas ausências poderiam ter sido em decorrência da necessidade de priorizar províncias que eram originárias das antigas capitanias e estados.5 Devido ao vasto território a ser visitado, o documento teria excluído as províncias criadas no contexto da independência do Brasil (Piauí e Sergipe), assim como as do segundo Império (Amazonas). A exceção nessa lista foi a inclusão da província de Alagoas, separada de Pernambuco nos idos de 1817. Preocupados em efetivar a heurística documental acerca do passado remoto brasileiro, possivelmente, ignorou-se as províncias que custodiavam acervos coevos da centúria oitocentista.

A tarefa atribuída ao sócio do IHGB de coligir os documentos de oito províncias era uma missão espinhosa e de difícil execução. Ao expor o relatório de suas ações iniciais, o próprio Gonçalves Dias registrou a dimensão inglória da atividade: “Honrado com tal escolha e desconfiado somente que me faltasse, além de tempo, capacidade e paciência para desempenhar tão difícil tarefa, parti dessa corte no vapor Bahiana alguns dias apenas depois de me ter sido entregue o ofício de V. Ex.” (Dias, 1853, p. 370).

A inventariação da documentação ocorria em um local que precisava ser narrativamente incluso no território nacional. O antigo norte consistia no espaço até então marcado por movimentos sociais e políticos contestatórios. Era o lugar de resistência ao modelo de formatação da unidade nacional.6 Portanto, inventariar os acervos consistia em uma estratégia para agregar o norte ao Império do Brasil e dirimir a possibilidade de novos movimentos emancipatórios. A conjugação do país perpassava pela escrita de uma história da nação. Consistia em um projeto historiográfico que se encontrava respaldado nos princípios de uma cultura política imperial: a nação deveria aglutinar o vasto território, mas centralizado no âmbito do controle político da corte. O vasto império seria cingido pela centralização das decisões na cidade do Rio de Janeiro.

Entretanto, apesar dos propósitos ambiciosos atribuídos à comissão, a execução das atividades apresentou resultados aquém do planeado. As fontes publicadas na Revista do IHGB sinalizam que Gonçalves Dias realizou a inventariação documental em apenas duas províncias: Maranhão e Rio Grande do Norte. A operação investigativa iniciou-se no Maranhão, província natal do pensador da história. Aparentemente, a definição do itinerário da comissão se deu em decorrência de motivos pessoais, como bem expressou Gonçalves Dias: “Como negócios reclamassem a minha presença nesta província, e era indiferente ao bom êxito de minha comissão começar por esta ou por outra localidade, das que me haviam sido apontadas no referido ofício, vim em direitura ao Maranhão” (Dias, 1853, p. 370). A partir dessa informação, é possível supor que as atividades laborais do investigador se encaminhassem entre a heurística documental e “os negócios” de teor pessoal.

Além disso, outros elementos contribuíram para dificultar os quefazeres de Gonçalves Dias. O principal deles foi a delicada situação da saúde pública da província, que se encontrava alastrada pela epidemia da febre amarela. Sobre essa situação o pesquisador informou:

Cheguei em má quadra: a febre amarela se havia propagado nesta capital, precedida de terror, que em outras partes ocasionaram seus estragos. Sofrendo todos por si ou por suas famílias, ressentia-se e ainda agora em parte como que se ressente o serviço público dos vexames dos particulares; eu por este motivo me achei por mais de uma vez embaraçado, faltando-me os esclarecimentos, de que necessitava, dos chefes das diferentes repartições. Quanto às escolas é claro que eu não poderia julgar conscientemente da regularidade de sua marcha em uma crise como aquela, porque esta província ainda não acabou de passar. Mas, tratando agora da comissão relativa à coleção de documentos que possam servir à nossa história, deixo de parte a instrução pública. (Dias, 1853, p. 170-171)

Em um contexto tingido por uma epidemia, Gonçalves Dias priorizou as atividades atinentes aos acervos. Pautado nesse intuito, engendrou o levantamento nos principais arquivos e bibliotecas de São Luís, capital da província. Conforme foi elucidado por Bruno Balbino Costa, “o resultado do exame da situação dos arquivos do Maranhão não foi tão animador” (Costa, 2018, p. 241). A cada instituição visitada eram narradas situações de perda de livros e de “valiosos documentos”. As primeiras bibliotecas vistoriadas foram as das ordens religiosas. No âmbito eclesiástico, foram acionados os acervos dos conventos Santo Antônio (franciscano), Mercês, Carmo e Recolhimento. Eles constituíam praticamente a totalidade de conventos existentes na província, pois, além da capital, somente a cidade de Alcântara possuía outros dois conventos (Carmo e Mercês). Sobre as bibliotecas, o pensador da história revelou: “A livraria de Santo Antônio carece de ser aumentada e melhorada, a das Mercês de ser refeita; a do Carmo carece de tudo, livros, estantes e local para eles, sendo que a do Carmo é de todas as religiões a única que se pode chamar, senão rica, ao menos abastada” (Dias, 1853, p. 373).

A situação dos acervos provinciais era desoladora. Quando desconsiderava os livros religiosos, o cenário tornava-se ainda mais delicado. Nesse aspecto:

Quanto à parte literária, é o convento de Santo Antônio o que mais avulta, contendo uma biblioteca de quase 2.000 volumes; mas por negligência acham-se muitos, quase todos, danificados, a ponto de [que] não podem servir. Estão arrumados em sete ou oito estantes sem ordem alguma e colocados em uma sala incômoda para o estudo, por ser vivamente ferida pelo sol, entre lanternas de varões quebrados e paramentos de igreja, que já [para] nenhum uso prestam. (Dias, 1853, p. 371)

A assertiva de Gonçalves Dias apresentou um quadro permeado de muitos detalhes atinentes ao estado do acervo e ao seu acondicionamento e condições de uso por leitores. Em todos os aspectos o contexto era desfavorável. Isso foi visto pelo pensador da história como um entrave no processo de formação de letrados e religiosos na província. Entretanto, a preocupação central do investigador consistia na heurística de manuscritos. Em suas palavras, “não havendo um catálogo na biblioteca, tive que percorrer os volumes um por um, para que ao menos soubesse o que eles continham, e na esperança de encontrar entre eles livros dos que faltam nas nossas principais bibliotecas, ou algum manuscrito esquecido”. Desse intento, quase nada foi obtido. Apenas alguns volumes de obras filosóficas e científicas, como Voltaire, Pietro Metastasio e Montesquieu, “envergonhado de se achar entre uma álgebra em latim e as recreações filosóficas do padre Teodoro de Almeida”. Essa era a situação da biblioteca “que é a melhor de todas as de ordens religiosas no Maranhão” (Dias, 1853, p. 372).

Nas bibliotecas dos demais conventos a situação era similar. O pensador da história localizou apenas vestígios de obras que outrora ornavam os principais centros de formação e propiciavam o fomento ao mundo das letras. Sobre o acervo do convento das Mercês, Gonçalves Dias foi taxativo:

As Mercês tiveram em outro tempo uma grande e vasta livraria: lembram-se ainda algumas pessoas do tempo em que, frequentando as escolas, lá iam com seus companheiros gazear na livraria do convento, e por brinquedo se atiravam com os livros uns aos outros, sem que alguém interviesse para lhes por cobro. Estragaram-se ou desapareceram: os que restam cabem em três pequenas prateleiras, arrumadas de topo, sem outra ordem mais que as teias de aranha que os ligam, e provam subjacentemente e nenhum proveito que deles se tira; uns estão sem princípio, outros sem fim e todos sem préstimo. (Dias, 1853, p. 272)

Como letrado que viveu a juventude no Maranhão, Gonçalves Dias tinha um razoável conhecimento das instituições que possuíam bibliotecas e arquivos na província, bem como de narrativas que explicitavam o processo de destruição dos acervos. Isso possibilitou que a descrição das instituições fosse acompanhada não somente de uma minuciosa exposição das condições observadas, mas também provida de narrativas que relatavam o descaso na conservação de livros e documentos. Isso ocorreu nos conventos que ainda existiam, assim como no tocante à documentação dos jesuítas, expulsos na segunda metade do Setecentos e que, “em carta de 11 de junho de 1761, os seus papéis e livros foram confiados aos cuidados do bispo diocesano”. Com o tempo, esse acervo foi dilapidado. Nos idos de 1831, o padre Antônio Bernardo da Encarnação revolveu o arquivo, mas “não se acharam senão mil volumes e esses completamente destruídos”. Quando a comissão de Gonçalves Dias consultou o acervo, “os vinte anos que depois decorreram, bastaram para consumar essa obra de destruição. Nada há que aproveitar do arquivo dos jesuítas!” (Dias, 1853, p. 374).

Em grande parte, as condições precárias atinentes aos acervos conventuais refletiam também a política antimonástica adotada pelo Império do Brasil, que proibia o ingresso de novos religiosos brasileiros e de sacerdotes oriundos de outros países. Tratava-se de uma política que determinou a gradativa extinção dos conventos, que em meados do século XIX já se ressentiam com a ausência de frades e monges. Essa política repercutiu na deficiência do zelo aos acervos e aos edifícios de igrejas e conventos (Santos, 2021b).

Todavia, outras questões dificultaram o acesso aos documentos salvaguardados nos arquivos provinciais do Maranhão. No caso da documentação cartorária, Gonçalves Dias informou que tinha elaborado uma lista de documentos de fácil acesso com informação. Ao realizar a heurística, o letrado lamentava, alegando que “no meio das rebeliões por que tem passado esta localidade (Caxias),7 seria de supor que tais papéis se extraviaram”. O extravio teria ocorrido na rebelião de 1839, ocasião na qual “um fulano Antônio José do Couto Pinheiro, por alcunha o Malagueta, da partida dos rebeldes que se apossaram daquela cidade, estragou livros, papéis, correspondências e tudo o mais que naquele arquivo encontrou. Nenhuma repartição escapou de tal fúria” (Dias, 1853, p. 375).

Percebe-se que a comissão buscava atender a premissa de centralização da política de preservação documental. O intento era vasculhar os arquivos e bibliotecas para identificar e recolher obras que tivessem potencial para a escrita de uma história da nação, ou obras das quais não existissem exemplares nos acervos da corte. Se, por um lado, Gonçalves Dias relatava como as rebeliões contribuíram para o extravio dos documentos maranhenses, por outro, o êxito de sua comissão culminaria exatamente na retirada dos últimos vestígios do passado que ainda existiam na província. A diferença estaria apenas nos projetos políticos de rebelados e dos letrados vinculados ao Império do Brasil.

Entretanto, a proposta de coligir documentos provinciais não foi eficiente. Ao se pesquisar, foi observado que a atuação da comissão foi consideravelmente tardia e pouco havia a ser feito na salvaguarda das fontes. Gonçalves Dias constatou que “a biblioteca do Maranhão é menos que estacionária: os seus volumes irão desaparecendo das estantes, e em pouco tempo restará apenas a lembrança da ideia abortada” (Dias, 1853, p. 376). Na biblioteca provincial foram coligidas algumas obras sobre o Maranhão “que só se poderá[ão] encontrar nos grandes mercados da Europa”. Entre elas, o pensador da história elencou as de Claude de Abbeville e do padre Ivres d’Evreux; a Relação sumária das coisas do Maranhão; e “um manuscrito sobre a história deste estado, de que fala Berredo nos seus Anais” (p. 377).

As expectativas do investigador eram maiores em relação ao acervo do arquivo da Câmara Municipal de São Luís. Nas palavras de Antônio Gonçalves Dias, “sendo o Maranhão em seus princípios a cabeça do estado desse nome, os seus arquivos deveriam conter preciosos documentos desses primeiros tempos”. Tratava-se de uma documentação que teria o potencial de preencher lacunas acerca das experiências históricas do antigo estado do Maranhão e Grão-Pará,8 ou seja, registros documentais imprescindíveis para a escrita de uma história geral do Brasil. Sobre essa documentação, Gonçalves Dias sentenciou: “Mas experimentando repetidas comoções, já da divisão estrangeira, já do gênio turbulento dos seus habitantes, esses documentos desapareceram em todo ou em parte” (Dias, 1853, p. 378). “Os preciosos documentos desses primeiros tempos” sucumbiram diante da ação da invasão holandesa e da destruição causada por intempéries. Com isso,

em tempos mais próximos, sendo preciso reparar-se a casa da câmara, foram os livros transferidos para uma casa de sobrado, mas de telha vã e arrumados contra a parede. A umidade e a chuva que lhes caía de uma goteira, arrastando consigo cal e barro da parede, danificaram muitos desses papéis, tornando-se empastados, ilegíveis e perdidos. Considere agora V. Ex. que pessoas interessadas têm podido arrancar páginas de livros e extrair volumes e verá o mal que se tem seguido da nenhuma execução dos decretos de 10 de janeiro de 1825 e 2 de janeiro de 1838, que mandaram recolher à corte os documentos, que importassem a nossa história. (Dias, 1853, p. 378)

A narrativa de Gonçalves Dias constatava uma lamentação pela perda de fontes acerca da colonização nas colônias do norte durante as primeiras centúrias. Em seu entendimento, a destruição dos registros documentais era decorrente do não cumprimento das leis que exigiam o envio das fontes para os arquivos da corte. O que teria provocado o não cumprimento da legislação? O pensador da história não apresentou os motivos, se eram decorrentes de uma negligência dos presidentes de província ou resultantes de uma resistência das elites provinciais em ceder a memória de seu passado para ser custodiada pela corte. Certamente, essa legislação evidenciava a prerrogativa de edificar a ideia de unidade centralizada, inclusive, no âmbito da memória tida como nacional. O escoamento das fontes provinciais para os acervos centrais foi alvo da preocupação de Gonçalves Dias:

Iguais remessas terei de fazer de outras províncias. No entanto, permita-me V. Ex. dizer-lhe que se é preciso que no arquivo da corte se encontrem todos os esclarecimentos precisos à nossa história, não é justo que as municipalidades e arquivos provinciais sejam despojados de suas preciosidades. Convirá, portanto, procurar-se algum meio para que não sofram os arquivos provinciais com o engrandecimento do central. (Dias, 1853, p. 380)

No entendimento do investigador, era preciso transcrever os documentos para compor o acervo dos arquivos centrais e para manter os originais das preciosidades nos arquivos provinciais. Ele se opusera à política cultural centralizadora que dilapidava os acervos das províncias. Assim, sem se opor à centralização, buscava criar estratégias conciliatórias na construção de uma política cultural que não desvanecesse o local e regional diante do projeto nacional.

Na província do Maranhão, Antônio Gonçalves Dias palmilhou arquivos e bibliotecas pertencentes às ordens religiosas e ao poder público na heurística de vestígios do passado remoto do antigo Estado do Maranhão. Desse palmilhar por sua terra natal, o letrado elaborou um índice de documentos que foram coligidos nos arquivos e bibliotecas e enviados para a capital imperial. Concluída a sua atividade em terras maranhenses, deslocou-se para o Rio Grande do Norte. Nesta província, priorizou a heurística no âmbito dos arquivos públicos, mas igualmente com resultados incompletos. Em tom de lamento, Gonçalves Dias informou que “no arquivo do governo não há documento antigo, nem mesmo registro dele, de que se possa tirar algum proveito” (Dias, 1854, p. 26).

Sobre o Rio Grande do Norte, sua ação centrou-se na elaboração de um catálogo dos capitães-mores e governadores, acompanhado de anotações. O catálogo foi elaborado a partir de alguns registros localizados na tesouraria. Para Gonçalves Dias, “tendo princípio a fundação da cidade do Natal no fim do ano de 1599 foi preciso valer-me de alguns livros que ainda restam, e em bem mau estado, na tesouraria, para organizar a tabela dos governadores e capitães-mores a contar de 1663” (Dias, 1854, p. 26-27). Diante de uma documentação lacunar, sua preocupação primordial foi elaborar uma cronologia dos homens que haviam governado a antiga capitania. As anotações abordavam os arquivos:

O presente trabalho poderá ser de algum interesse, por contar notícias até agora pouco vulgarizadas: tem, contudo, imperfeições e lacunas que não desejo esconder, nem era possível remediar no estado lastimável em que se acham os arquivos da província do Rio Grande do Norte, que tive ocasião de examinar, no desempenho da comissão de que fui encarregado pelo governo imperial. Algum trabalho de classificação e arrumação se tem feito ultimamente; mas esse imperfeito e só de utilidade aos que procuram documentos de uma época muito próxima. (Dias, 1854, p. 24-25)

Percebe-se que a situação dos documentos na província era pouco animadora. Além das condições precárias em que se achavam, inexistiam catálogos ou inventários que pudessem orientar a identificação dos registros. Nesse sentido, a catalogação elaborada por Gonçalves Dias elucidava uma demanda primária, de tentar sistematizar as fontes para possibilitar que outros pesquisadores tivessem condições de localizá-las.9 Contudo, as querelas do passado e do presente acabaram prejudicando o acesso à documentação. No entendimento de Gonçalves Dias:

O arquivo da municipalidade terá talvez alguma coisa que mereça ocupar a atenção dos curiosos; porém durante estas últimas campanhas eleitorais entre os dois partidos da província, nortistas e sulistas, foi suspensa a câmara, e o escrivão dela, por motivos políticos, ocultou não só os livros das atas que teriam valor eleitoral, mas também os antigos registros, que ignoro de que utilidade lhe seriam.

Qualquer, porém, que seja a importância destes livros, que não me foi dado consultar, é certo que de data muito antiga poucos documentos se poderiam encontrar, pelo extravio dos papéis da capitania com a invasão dos holandeses. (Dias, 1854, p. 26)

Sedições, motins e querelas se tornavam impeditivas à consulta aos documentos antigos. No Império do Brasil, o norte continuava como um espaço de memória lacunar, com registros de difícil acesso ou extraviados em contextos de revoltas e lutas contra invasores. Mesmo assim, a comissão imperial de heurística documental, apesar dos limites, contribuiu para cartografar parte desses valiosos registros. Mas seria na República que as demandas internas estaduais fariam revolver os velhos documentos.

Revendo com o máximo cuidado os mesmos arquivos: a heurística nos acervos e os usos dos documentos na escrita da história em tempos republicanos

Se, ao longo do período imperial brasileiro, os acervos custodiados pelas províncias do antigo norte eram alvo de esparsas ações do governo central, com o intuito de angariar fontes para possibilitar a escrita de uma história geral do país, a partir dos primeiros anos republicanos essa situação transmudou consideravelmente. Em um contexto marcado pelo federalismo, eram os estados que passavam a criar demandas por história para fundamentar o embate na questão dos limites. Assim, os acervos voltavam a ser revolvidos, mas por homens de letras cooptados para defender os interesses das suas respectivas unidades federativas nas querelas fronteiriças.

Essa mudança de perspectiva também implicava a alteração de finalidades acerca dos documentos. Anteriormente, a heurística apresentava o propósito de reunir fontes para condicionar a execução de um projeto futuro de escrita da história nacional. No novo contexto, os documentos eram angariados como prova para fundamentar os processos que buscavam comprovar o direito à posse do território. A finalidade da heurística era imediata e pragmática. A história passava a ser mobilizada como narrativa que elucidava a verdade, que diluía as névoas da dúvida e instituía a paz entre as unidades federativas. Assim, conforme defendia Francisco Augusto Pereira da Costa, a “legitimidade sobre os territórios contestados em face de seus direitos” deveria ser “exuberantemente comprovada pela história e legislação pátria” (Costa, 1896, p. 3). A história como discurso “revelador da verdade” seria a liga que iria unir o país até então fragmentado e belicoso.

A narrativa histórica passou a ser mobilizada como um dos princípios de instrução dos processos jurídicos. Nesse sentido, a historiografia produzida pelos intelectuais que discutiam a questão dos limites passou a agregar uma forte conotação empírica e imediata. A história não era acionada apenas para emoldurar sentimentos de pertença ou para forjar identidades, mas também como argumento para garantir o direito à posse do território. Era tecida uma historiografia pragmática e isso repercutiu na redefinição de pelo menos três condicionantes: a apropriação do documento como prova, a escrita da história como peça jurídica e o argumento histórico como expressão da verdade e mobilização de historiadores oriundos das faculdades de direito.

Consideremos inicialmente a questão da proficuidade do documento como prova. Tratava-se do elemento basilar que fundamentava a escrita, com a identificação das fontes, notadamente, as coetâneas aos primeiros momentos da colonização. Os registros documentais eram apropriados como provas, expressões insuspeitas que deveriam respaldar os argumentos. Mas quais eram as fontes mais acionadas na escrita da história dos limites? O leque documental era consideravelmente vasto, com maior predileção para os vestígios de períodos remotos, como cartas de sesmarias e registros de criação de freguesias, vilas, cidades, comarcas e capitanias, nas quais eram estabelecidas as linhas demarcatórias. A fonte coetânea era prioritária, com o intuito de confirmar o pioneirismo no processo de colonização do espaço disputado. As fontes eram acionadas como prova. Essa noção foi mobilizada pelo historiador Felisbelo Freire ao escrever sobre os limites do Rio Grande do Norte: “Este documento é da maior importância para a questão, porque prova o direito de jurisdição exercido pelo capitão-mor do Rio Grande na zona onde as pretensões do Ceará quiseram levantar um litígio” (Freire, 1903, p. 15).

Contudo, também eram acionadas duas tipologias de fontes complementares e que fundamentavam o cotejo, ora respaldando os manuscritos, ora preenchendo possíveis lacunas: eram os documentos historiográficos e cartográficos. A historiografia, notadamente a produzida ao longo da centúria oitocentista, assim como os cronistas do período colonial, era empregada com o mesmo teor da documentação manuscrita. Os cronistas foram manuseados como testemunhos do tempo pretérito, com descrições remotas que evidenciavam o argumento pautado na longevidade.

Entretanto, no caso dos estados do antigo norte brasileiro, havia um grave problema, com a ausência da documentação atinente aos primeiros séculos de colonização, inclusive as cartas régias que definiram os limites entre as antigas capitanias. José Leão discorreu acerca da transitoriedade desse aspecto:

A falta do registro da carta régia que separou as duas capitanias me leva a crer que não somos nós, brasileiros, os melhores depositários desses documentos que param, talvez na Europa, nossa célebre Torre do Tombo, e que os autores estrangeiros estão, em alguns casos, mais habilitados a resolver essas questões do que os nacionais. (Leão, 1886, p. 11)

De fato, a preocupação do pensador da história norte-rio-grandense evidenciava-se pertinente. As querelas envolvendo o direito à posse dos territórios contestados, em grande medida, tinham como substrato a documentação historiográfica e cartográfica, ocorrência que tendia a repercutir em réplicas que contestavam a veracidade das obras elencadas. A assertiva também explicita um problema que era recorrentemente enfrentado pelos historiadores dos limites: a dificuldade em ter acesso aos documentos que haviam estabelecido as fronteiras e que também seriam basilares para a confirmação dos pioneiros a ocupar os espaços. Sem essas fontes de períodos arcaicos, toda a discussão passava a ser mobilizada por meio de registros extemporâneos, indiretos e, não raras as vezes, com olhares de terceiros perpetuados na historiografia.

Nesse sentido, é possível entender que o litígio espacial foi agravado por um limite da política cultural de custódia dos acervos. Sem arquivos adequados, nem recursos para realizar a compilação das fontes existentes nos acervos europeus, a pugna territorial se encaminhava para um desfecho nos campos de batalha. O problema dos limites havia se tornado um entrave nacional e um nó górdio da política brasileira, também como resultante da fragilidade das políticas públicas de salvaguarda documental. A feitura da nação não foi exitosa na recuperação dos acervos concernentes aos primeiros séculos de colonização, que permaneciam custodiados em arquivos europeus e, em grande parte, ignorados pelos intelectuais nacionais.

O problema não estaria na inoperância dos pensadores da história brasileiros que investigavam a justa de limites, mas na ausência de condições adequadas de consulta às fontes primárias. Faltavam-lhes as condições basilares para o exercício do ofício. Com isso, assim como ocorrera na centúria anterior, “a figura do historiador adquiriria fortes traços de heroicidade em razão das dificuldades atribuídas ao empreendimento de investigação e elaboração da história” (Oliveira, 2010, p. 42).

No decurso da mobilização da historiografia e da cartografia, as noções de originalidade e antiguidade eram substituídas pela de rigor metodológico. Com isso, a cientificidade era utilizada como argumento para confirmar a veracidade da narrativa e a validação da prova. Esse foi o caso da operacionalização efetivada por José Gonçalves Maia:

No mapa, que também juntamos, levantado “in loco” pelo ilustrado engenheiro Coelho Brandão, um dos mais competentes chefes da Repartição Geral dos Telégrafos, em serviço por aquela zona, estão assinalados minuciosamente todos os pontos referidos na carta régia. É o único mapa completo a respeito. A linha divisória geral combina aí com a linha divisória geral de todos os mapas.

E olhando esses mapas se chegará antes à conclusão que o território pernambucano ainda deveria avançar mais no território alagoano, se outras leis posteriores, pernambucanas e alagoanas, não tivessem fixado claramente os limites de um e outro lado. (Maia, 1920, p. 56)

Essa assertiva explicita a dimensão do texto histórico apropriado como peça jurídica e dotado como argumento de verdade. Na construção da legitimidade do documento cartográfico, Gonçalves Maia elucidou inicialmente a ausência de outras fontes. Além disso, também destacou a competência do autor da carta e o fato de ser ela o documento mais completo acerca da temática, assim como a similitude das linhas fronteiriças traçadas pelo autor em relação às outras obras. A ausência de discrepâncias deslindaria assim uma dimensão de consenso cartográfico, e essa premissa denotaria um aspecto de verdade para o documento.

Também pode ser ressaltado como os documentos escritos eram acionados para elaborar mapas que representassem os interesses acerca do território contestado. Diante de um cenário nacional marcado pela escassez de representações cartográficas ao longo da centúria oitocentista, a heurística tinha por finalidade subsidiar a produção de cartas. Esse processo corrobora a propositura pensada por Bruno Capilé e Moema Vergara (2013, p. 44), na qual “os mapas representam um território que é construído socialmente”.

Entretanto, a mobilização da documentação cartográfica e historiográfica na questão dos limites, recorrentemente, acarretava contestações dessas fontes no âmbito das réplicas. Por ser uma historiografia tecida na trincheira, a querela sobre os limites envolvia um contínuo processo de validação/contestação dos argumentos apresentados. A história era escrita como forma de responder às narrativas que defendiam os interesses do estado opositor e, por isso, essa escrita tinha como norte questionar ponto a ponto os quesitos defendidos nos escritos antecessores. Essa condição dos fazeres historiográficos no antigo norte brasileiro ao longo da Primeira República, de algum modo, reiterava e ressignificava a condição da historiografia oitocentista, que segundo Maria da Glória Oliveira apresentava uma “condição heroica e pragmática da investigação do passado” (Oliveira, 2010, p. 41). Um exemplo desse confronto de validação e contestação dos documentos acionados na escrita da história foi a irônica assertiva de José Leão:

Aires do Casal na sua Corografia brasílica limita a província do Ceará, ao oriente, pela cordilheira do Rio Grande do Norte, como se lê à página 196 de sua obra.

No seu compêndio de Geografia universal, publicado em 1824, o sr. Basílio Quaresma Torreão dá como limites do Ceará a mesma cordilheira, do lado do nascente. Eu sei que o sr. Conselheiro Araripe pôs em dúvida o testemunho desses escritores, acusando o segundo de haver copiado o primeiro, quando discutiu questão análoga com os representantes do Piauí. Não posso avaliar dos motivos que há para isso. O compêndio em questão foi aquele porque, segundo sou informado, estudou Sua Majestade o Imperador, e, a pôr-se em dúvida o valor científico da obra, somos obrigados a concluir que o nosso monarca... [riso] não é forte na geografia! (Leão, 1886, p. 10)

O argumento de José Leão na validação das fontes cartográficas perpassava os usos das referidas obras no processo educacional brasileiro, as quais tinham entre os leitores o próprio imperador. Como obra didática, as cartografias foram mobilizadas por diferentes gerações de brasileiros e emolduraram uma forma de ver e pensar as fronteiras nacionais e estaduais. Conforme foi explicitado por Moema Vergara (2010, p. 14), entre o final do século XIX e o início do XX, era “recorrente o apelo para se conhecer o território nacional, tanto por literatos quanto por cientistas, e a necessidade de se fazer[em] mapas segundo as modernas técnicas cartográficas”. Diante disso, a presença recorrente nos bancos escolares tornava-se um impeditivo do questionamento da cientificidade. Com a lide territorial no tribunal, a história tornou-se um instrumento jurídico, dotado do sentido de verdade a partir da valoração do caráter científico. Quanto mais fossem mobilizados autores e fontes tidas como autoridades sobre o tema, maiores eram as possibilidades de terem o pleito jurídico contemplado.

A necessidade de comprovação das demandas jurídicas exigia grandes esforços metodológicos dos pensadores da história intimados para inquirir sobre a questão dos limites, principalmente quando existiam grandes lacunas documentais nos acervos estaduais. Como influxo dessa condição de exiguidade ou privação das fontes manuscritas, outra tipologia documental acionada, em menor proporção e quase sempre em casos extremos de privação escrita de informações, eram os aspectos da cultura material existente nos espaços contestados e a tradição oral. Nesses casos, a verdade histórica passava a ser inventariada por meio da interlocução entre mito e história, pautada na prerrogativa de edificar uma leitura sobre a formação dos núcleos coloniais. Esse foi o caso de Joaquim José d’Oliveira ao descrever a lenda de Santo Antônio:

Esta quixabeira é célebre, por ligar-se a uma lenda popular. Conta-se que Santo Antônio, colocado em um pobre edifício, que servia de casa de oração na vila de Itabaiana, fugia de noite, e vinha postar-se na primeira bifurcação do tronco desta quixabeira. Levavam-no em procissão para a capelinha; mas no dia seguinte, lá estava o santo na quixabeira. Até que levantaram um templo mais decente, onde o colocaram como orago da freguesia, e o Santo Antônio nunca mais fugiu. Esta quixabeira secular existia ainda em 1850, depois de ter visto passar dez ou doze gerações. (Oliveira, 1912, p. 2)

Esse é um caso exemplar de usos da erudição para transpor a lenda à história. As narrativas replicadas oralmente pelas camadas populares eram alocadas pelo crivo da crítica histórica, com a comprovação da existência da quixabeira por meio da visita ao sítio. O espaço poderia não corroborar para transmutar a lenda em fato, mas elucidava a comprovação do lugar como palco da história. No caso, a quixabeira metamorfoseava-se em testemunha da história, que teria atravessado os séculos. Havia se convertido em vestígio da colonização.

Entretanto, esses deslocamentos epistemológicos da história foram raros. Os usos da história para instruir os processos acabaram priorizando as narrativas escritas, fossem de teor primário, como os manuscritos produzidos por testemunhas oculares, fossem de teor secundário, em textos historiográficos e cartográficos oriundos da lavra de autoridades dos fazeres científicos. Mas, afinal, quais intelectuais foram agenciados para defender os interesses estaduais no enfrentamento da questão dos limites no antigo norte brasileiro? Ao todo, foram identificados 54 autores que escreveram sobre os limites interestaduais dos 11 estados que integravam o antigo norte. Deste montante, não foi possível identificar a área de formação de três. Em relação aos demais, contabilizaram-se 24 intelectuais formados em direito, nove em engenharia, nove em medicina, quatro em escolas militares, quatro em seminários e universidades católicas e um em escola normal.

Os números evidenciam uma predileção por pensadores da história oriundos do campo jurídico. Isso pode ser compreendido em dois aspectos: o primeiro, em âmbito geral, por se tratar da área na qual predominavam os letrados que pensavam a história no país. Em grande medida, desde o século XIX até meados da centúria subsequente, a maior parte dos historiadores nacionais era egressa das faculdades de direito. O segundo aspecto, em dimensão mais específica para o problema enfrentado, explica-se pela necessidade de demandar homens versados no campo jurídico para impetrar os processos. Os pensadores da história versados em direito foram predominantes em sete estados: Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Exatamente nos estados mais próximos da Faculdade de Direito de Recife.

O elevado contingente de engenheiros e militares pode ser entendido pela expertise desses profissionais nas questões atinentes ao conhecimento e demarcação do território. Geralmente, eram os intelectuais mais gabaritados para delimitar os espaços, pautados em modernas regras de demarcação dos limites por meio de grandes marcos naturais, como montanhas e rios. Já no caso dos egressos das faculdades de medicina, tratava-se de letrados reconhecidos pelos pares pela notável versatilidade nos fazeres historiográficos. Eram historiadores como o barão de Studart, Felisbelo Freire, José Joaquim d’Oliveira e Brás do Amaral. Apesar de não serem numericamente predominantes, é possível dizer que foi o grupo que teve maior produção e que mais investiu na heurística em acervos coloniais.

É importante salientar que essa nova historiografia emergida nos primeiros decênios republicanos era devedora de um privilegiado lugar de produção: os institutos históricos e geográficos estaduais. Tratava-se de narrativas gestadas a partir da documentação inventariada e por vezes custodiada pelos referidos sodalícios, bem como era uma escrita oriunda da lavra de intelectuais sócios dessas instituições, pois eram os institutos que reuniam os mais gabaritados pensadores da história no emergir do século XX. Como desdobramento dessa política institucional, parte considerável da historiografia dos limites interestaduais do antigo norte foi veiculada nas páginas das revistas institucionais dos sodalícios. Pautado nessa premissa, de forma pertinente, Saul Fernandes defendeu o argumento de que, no Rio Grande do Norte, a disputa territorial transformou-se em uma querela “historiográfica e documental, pois o IHGRN iniciou a coleta de documentos e a elaboração de pareceres pelos próprios sócios a fim de alimentar o processo. Isso mostra que eram os sócios das instituições congêneres que davam subsídios aos argumentos jurídicos” (Fernandes, 2022, p. 93).

Nesse sentido, é salutar pensar a atuação dos sodalícios estaduais do antigo norte brasileiro como instituições que corroboraram diretamente para a constituição de uma historiografia conflitante acerca dos limites. Isso deveu-se ao envolvimento de seus sócios como intelectuais que avalizaram os processos por meio de pesquisas históricas, assim como pela política institucional de salvaguarda documental. Os institutos eram os guardiões dos principais acervos e tornaram-se as casas de memórias estaduais.

Além disso, os auditórios institucionais também se tornaram palcos privilegiados onde eram apresentados os argumentos históricos. Com isso, é pertinente afirmar que os institutos contribuíram na forja historiográfica pela salvaguarda dos filamentos do tempo, pela disponibilização de seus quadros intelectuais e por ser o epicentro do debate público. No caso da contenda envolvendo os estados da Bahia e de Pernambuco, a Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano noticiou o pleiteado envolvimento de José Gonçalves Maia:

Daí o aparecimento oportuníssimo do estudo do nosso sócio sr. dr. José Gonçalves – jornalista, publicista, parlamentar e escritor de renome – apresentado ao Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano, estudo completo porque trata não somente da parte histórica, reforçando e ampliando o trabalho de Pereira Costa, como porque destrói todas as alegações em que pretendiam estribar-se, constitucional e juridicamente, os advogados da Bahia. (Maia, 1919, p. 1-2)

A apresentação da contribuição historiográfica de Gonçalves Maia reverberava os principais aspectos que norteavam os fazeres historiográficos no antigo norte brasileiro ao longo da Primeira República. Em um contexto marcado por rixas territoriais intensas, as instituições que foram criadas dotadas do escopo de salvaguardar as respectivas memórias estaduais passaram a exercer uma centralidade política. O prestígio diante do poder público possibilitou que os sodalícios realizassem campanhas entre os sócios para fomentar a constituição de seus acervos. O Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte destacou que, entre os deveres dos sócios, estava “concorrer, finalmente, com a oferta das obras que publicar, de documentos, manuscritos ou objetos de valor que puder obter para a biblioteca, arquivo e museu do instituto” (IHGRN, 1903, p. 13).

Como em muitos casos os estados não eram dotados de acervos relevantes no tocante aos períodos mais remotos ou aos primórdios da colonização, tornou-se prática corrente realizar a compilação de documentos que foram reproduzidos integralmente em obras historiográficas escritas por avalizados historiadores. Esse foi o caso de Justo Jansen Ferreira, que ao escrever sobre a questão da Tutoia explicitou:

Entre os notáveis historiadores modernos que afirmam ocupar o Maranhão, em 1535, larga extensão da costa setentrional do Brasil, citamos Varnhagen, que perlustrando vários documentos guardados na Torre do Tombo, verificou ter a capitania de João de Barros 225 léguas de costa. (Ferreira, 1908, p. 7-8, grifo meu)

Desprovidos de recursos para efetivar a heurística em acervos europeus, os pensadores da história recorriam aos escritos de autores notabilizados na historiografia brasileira que já tinham consultado as almejadas fontes. O caso do lente de geografia do Liceu do Maranhão não foi exceção. A consulta aos testemunhos dos tempos mais remotos quase sempre ocorreu em decorrência da iniciativa de fomento à memória de terceiros, notadamente o visconde de Porto Seguro, que se tornou hábil na reprodução integral dos registros nacionais em arquivos estrangeiros. Essa estratégia buscava atenuar as dificuldades impostas, como as que foram alentadas por Josino Meneses sobre os limites de Sergipe, quando considerou que “por falta de documentos que traçou os limites da primitiva comarca de Sergipe, tem havido divergência com os estados limítrofes de Alagoas, ao norte, e da Bahia ao sul e ao oeste” (Menezes, 1904, p. 4).

A narrativa de Justo Ferreira também é reveladora dos embates atinentes à definição dos fazeres historiográficos no Brasil ao longo dos primeiros decênios do século XX. A tradição de escrita da história do país estaria aquinhoada entre historiadores modernos e antigos. Certamente, as tensões entre os modelos antigos e modernos na seara historiográfica oitocentista constitui uma questão consideravelmente deliberada dos estudos sobre história da historiografia brasileira (Turin, 2011, 2015; Cézar, 2011; Santos, 2013). Para Temístocles Cézar, antigos e “modernos são invocados como figuras de autoridade em várias situações. Nas primeiras décadas, o IHGB foi frequentado por muitos escritores e poetas, o que muitas vezes foi ocasião de intensos debates sobre a relação entre história e poesia” (Cézar, 2011, p. 58).10

Nesse sentido, os historiadores antigos aos quais os escritos oitocentistas buscavam respaldo eram os chamados clássicos, por meio de autores como Tucídides, Heródoto ou Plutarco. Com isso, o embate era provido pela noção de autoridade, notadamente, em um contexto marcado pela demanda de cientificidade. Evandro dos Santos, ao discorrer sobre a heurística, assevera sobre “a constituição dos arquivos e das testemunhas por pesquisas dessa ordem. Operar as evidências [...] ou opor as vozes da tradição e os registros escritos sobre um determinado nome são meios de ordenar o tempo e a autoridade” (Santos, 2022, p. 117).

Entretanto, a noção apresentada pelos pensadores da história no antigo norte brasileiro acerca da oposição entre historiadores antigos e modernos revelava outra conotação, reorientada em dimensão espacial, cronológica e metodológica, mas, de forma ambivalente, equipada pela busca do respaldo da autoridade. Ao se referir aos historiadores antigos e modernos, a distinção não era mais ao modelo forjado na Antiguidade clássica, mas sim um esforço de classificar os modelos de escrita da história na experiência nacional. Os historiadores antigos eram, assim, os cronistas e viajantes que produziram textos escritos ao longo do período colonial.

O antigo da historiografia brasileira estaria entre os cronistas, situados temporalmente na colônia e marcados metodologicamente como memórias, narrativas que exerciam a autoridade por serem coetâneas e, em alguns casos, testemunhas oculares. Já os historiadores modernos eram os letrados oitocentistas e contemporâneos dos primeiros decênios do século XX, dotados de modernos métodos para acionar a documentação e pensar a história. A autoridade dessa historiografia era subsidiada pelo rigor na aplicação do método histórico.

Em busca da afirmação da autoridade do texto historiográfico, os autores buscavam ressaltar os procedimentos adotados na heurística documental para a elaboração dos trabalhos que fundamentavam a pugna espacial. José Ribeiro Amaral, ao defender a causa dos limites do Maranhão, destacou os procedimentos investigativos adotados na consulta aos arquivos existentes no estado:

Iniciei os trabalhos desta nova comissão, revendo com o máximo cuidado os mesmos arquivos que, pacientemente, havia eu já percorrido, que são: os da Câmara Eclesiástica, Intendência Municipal e Secretaria do Governo.

Nos dois primeiros nada mais pude encontrar; outro tanto, porém, não posso dizer do último, o da Secretaria do Governo, onde não pequena foi a massa de novos e valiosíssimos documentos que ainda pude colher, em apoio todos do nosso direito ao delta do Parnaíba, ou seja, traçando os nossos limites pelo Igaraçu, documentos na quase sua totalidade relativos ao século que acaba de findar. (Amaral, 1910, p. 1-2)

Ao ser nomeado para integrar uma nova comissão acerca da contenda dos limites entre o Maranhão e o Piauí, José Ribeiro Amaral revisitou os arquivos para realizar a heurística, com a esperança de localizar “a massa de novos e valiosíssimos documentos que pude colher”. A descrição das condições dos arquivos maranhenses realizada por José Amaral na virada do século torna-se salutar, pois evidencia uma nova leitura atinente ao mesmo acervo que Gonçalves Dias havia inventariado em meados da centúria anterior. Dotados de objetivos distintos e separados por meio século, os dois letrados contribuíam para edificar um quadro das mudanças que foram operadas nos arquivos maranhenses. O olhar atento do pesquisador novecentista, que em sua segunda inspeção no acervo conseguiu localizar alguns registros tidos como valiosos e surpreendentes, destoa em parte da situação caótica descrita por Dias. A pormenorização da heurística nos arquivos evidenciava a necessidade do controle do pesquisador, no exame cauteloso e paciente, em busca de surpresas do passado. Além disso, o procedimento também exigia a habilidade do pensador da história em fazer perguntas a partir das fontes localizadas, principalmente em relação aos vestígios que pudessem fomentar o levantamento em outros acervos. José Amaral tratou dessa dimensão investigativa:

Terminada aqui a minha missão, lembrando-me de que em muitos dos papéis por mim compulsados no último daqueles arquivos havia encontrado referências a outros da antiga Junta da Fazenda que, como V. Ex. sabe, precedeu à organização das tesourarias do mesmo nome, dirigi-me à Delegacia Fiscal e ao chefe daquela repartição, o sr. José Augusto Correia, expor o fim que ali me levava.

Acolhido por este distinto funcionário com a urbanidade e correção com que tem por hábito receber todos os que se dele aproximam, foi-me por ordem sua imediatamente franqueado o arquivo da repartição que com tanta superioridade dirige.

Copioso e rico em todos os sentidos é este arquivo, que se atenda ao número, quer ao valor dos documentos que encerra; e não seria fora de propósito nesta ocasião lembrar a V. Ex. a conveniência de solicitar do governo federal que, mediante escrupuloso exame de uma comissão, fossem transferidos para o arquivo deste estado documentos que ali jazem como que abandonados ou sepultados no pó do esquecimento, entretanto que aqui, devidamente aproveitados, muitíssimo viriam enriquecer a história pátria.

Três grandes e decisivos documentos do nosso direito encontrei neste arquivo. (Amaral, 1910, p. 1-3)

A assertiva apresentada pelo pensador da história maranhense evidenciava uma preocupação em instituir políticas públicas atinentes ao campo cultural, notadamente, no âmbito da memória estadual. Mesmo ressaltando a atenção dada pelo chefe da Delegacia Fiscal, o pesquisador dos limites ressaltava a notória necessidade de se realizar um exaustivo levantamento do acervo para transferir os documentos mais relevantes para o arquivo estadual. O problema não era decorrente da gestão ou da incapacidade dos gestores, mas da ausência de visibilidade dos documentos em um acervo pouco consultado e, em grande parte, ignorado pelos historiadores. Nesse sentido, o enfrentamento da porfia espacial reverberava na demanda de uma política de memória e na sistematização dos arquivos com o intuito de garantir a possibilidade de defesa dos interesses estaduais. O tendepá federalista no antigo norte possibilitou a constituição de uma sensibilidade sobre os arquivos dessa região do Brasil.

Considerações finais

Neste artigo busquei articular as estratégias de mobilização dos acervos do antigo norte do Brasil no âmbito da questão dos limites interestaduais no contexto da Primeira República. Tratava-se de uma ação que foi demandada pelos respectivos governos estaduais e que mobilizou grande parte dos intelectuais que atuavam como sócios de institutos históricos. A mobilização desses acervos contribuiu para instituir uma finalidade pragmática aos documentos, que eram apropriados como provas para fundamentar os processos jurídicos. Na questão dos limites, história e direito se fundiam, forjando uma historiografia jurisprudente afinada aos preceitos de uma cultura política republicana federalista.

Parte desse acervo foi revolvido nos decênios anteriores, no âmbito da política imperial de construção de uma memória nacional centralizada nos acervos da corte. Se, por um lado, a questão dos limites interestaduais contribuiu para forjar os elementos que se tornariam basilares para instituir novas identidades estaduais, por outro, a comissão de heurística de 1851 corroborou para sedimentar uma noção de norte, ligando espacialmente as capitanias do norte do Estado do Brasil aos Estados do Grão-Pará e do Maranhão. De algum modo, tanto o ofício de criação da comissão quanto a sua execução de inventariação dos arquivos e bibliotecas contribuíram para emoldurar uma noção de norte como o espaço desconhecido pelos letrados do sul e como lugar da ameaça à almejada unidade nacional, fosse por meio de revoltas separatistas, fosse por meio do extravio dos documentos das eras pretéritas.

Ao voltar a ser revolvido por pensadores da história que se dedicavam à pesquisa sobre os limites estaduais, os acervos passaram a ser analisados como um patrimônio estadual, que deveria ser custodiado pelo poder público. Eram instrumentos de poder que poderiam garantir o triunfo nas demandas jurídicas. Ter controle dos vestígios de outrora constituía um fundamento basilar para assegurar a manutenção da integridade do território. Ao perlustrar os vários documentos guardados nos arquivos estaduais, os pensadores da história contribuíam para fomentar a reconfiguração da noção de documento como evidência empírica que provava o direito; atribuíam uma finalidade pragmática ao conhecimento histórico, dotado de um teor jurídico, capaz de galgar a construção da verdade sobre o passado e penhorar a paz ao futuro. Os acervos custodiados em institutos históricos, arquivos eclesiásticos ou públicos eram transmutados em instrumentos de poder.

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Recebido em 27/2/2023

Aprovado em 2/10/2023


Notas

1 Neste artigo optei por atualizar a grafia das fontes citadas, mantendo a estrutura do texto original.

2 O presente artigo tem como escopo pensar a heurística documental. Os usos desses documentos para a produção dos mapas serão operacionalizados em outro texto.

3 Nos idos de 1845 foi publicado o Dicionário geográfico, histórico e descritivo do Brasil, pelo francês Milliet de Saint-Adolphe. Esse dicionário apresentava inúmeras imprecisões e informações equivocadas, o que resultou na criação de uma demanda pela produção de mapas e textos topográficos oriundos da lavra de brasileiros (Santos, 2022).

4 Designação recorrentemente atribuída ao IHGB durante os séculos XIX e XX.

5 Nesse caso, refiro-me aos estados do Brasil, Maranhão e Grão-Pará, colônias portuguesas no continente americano.

6 Sobre esse aspecto contestatório elucidam-se movimentos como a Cabanagem na província do Pará, a Praieira em Pernambuco e a sedição de 1817, que envolveu grande parte das províncias do norte.

7 O autor se referia à Balaiada, revolta popular maranhense que eclodiu em Caxias entre 1838 e 1841.

8 No período colonial foram criadas diferentes unidades administrativas portuguesas na América: o Estado do Brasil (1548-1815) e o Estado do Maranhão, criado em 1621 e renomeado como Estado do Maranhão e Grão-Pará em 1654. Esse Estado foi dividido, tornando-se o Estado do Grão-Pará e Rio Negro e Estado do Maranhão e Piauí (1772-1811).

9 Essa atuação de Gonçalves Dias na elaboração de uma lista de capitães-mores do Rio Grande foi retomada em dois outros momentos, por letrados potiguares, ao longo dos primeiros anos republicanos, como estratégia para forjar uma identidade estadual no contexto da questão dos limites, com os escritos de Miguel Arcanjo Galvão e Vicente de Lemos (Ferreira, 2023).

10 Livre tradução do original: “Anciens et modernes sont invoqués comme figures d’autorité dans diverses situations. Durant les premières décennies, l’IHGB était fréquenté par de très nombreux écrivains et poètes, ce qui était souvent l’occasion de débats intenses sur les rapportsentre l’histoire et la poésie”.


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