Acervo, Rio de Janeiro, v. 36, n. 3, set./dez. 2023

O arquivo como objeto: cultura escrita, poder e memória | Dossiê temático

Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro

Registros paroquiais e possibilidades na pesquisa em história (séculos XVIII e XIX)

Archive of the Metropolitan Curia of Rio de Janeiro: parish records and possibilities in research in history (18th and 19th centuries) / Archivo de la Curia Metropolitana de Río de Janeiro: registros parrochiais y posibilidades en la investigación en historia (siglos XVIII y XIX)

Vivian Zampa

Doutora em História Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Professora do curso de licenciatura em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, do Cap-Uerj e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Salgado de Oliveira, Brasil.

vivianzampa@hotmail.com

Vitória Schettini

Doutora em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), com pós-doutorado em História na Universidade do Minho, Portugal. Professora da Faculdade Santa Marcelina, do Centro Universitário Unifaminas e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Salgado de Oliveira.

vfschettini@yahoo.com.br

RESUMO

Os arquivos paroquiais são detentores de fontes manuscritas como os assentamentos de batismo, casamento e óbito. Estes documentos permitem acessar informações individualizadas e seriais, de acordo com o tratamento e a abordagem adotada, sobre diferentes segmentos de sociedades católicas, a exemplo da América portuguesa. Tendo como objeto o Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, o artigo apresenta caminhos e possibilidades de pesquisa em história, com base em registros selecionados do seu acervo, no recorte temporal dos séculos XVIII e XIX.

Palavras-chave: Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro; registros paroquiais; batismos; casamentos; óbitos.

ABSTRACT

The parish archives are holders of handwritten sources such as the baptism, marriage and death records. These documents make it possible to access individualized and serial information, according to the treatment and approach adopted, on different segments of Catholic societies, such as Portuguese America. Having as object the Archive of the Metropolitan Curia of Rio de Janeiro, the article presents paths and possibilities of research in History, based on selected records of its collection, in the temporal cut of the 18th and 19th centuries.

Keywords: Archive of the Metropolitan Curia of Rio de Janeiro; parish, records; baptisms, marriages; deaths.

RESUMEN

Los archivos parroquiales son poseedores de fuentes manuscritas como actas de bautismo, matrimonio y defunción. Estos documentos permiten acceder a información individualizada y seriada, según el tratamiento y enfoque adoptado, sobre diferentes segmentos de las sociedades católicas, como en la América portuguesa. Teniendo como objeto el Archivo de la Curia Metropolitana de Río de Janeiro, el artículo presenta caminos y posibilidades de investigación en Historia, a partir de registros seleccionados de su acervo, en el corte temporal de los siglos XVIII y XIX siglos.

Palabras clave: Archivo de la Curia Metropolitana de Río de Janeiro; registros parroquais; bautismos, matrimonios; muerte.

Considerações iniciais

Este artigo tem por finalidade discutir o que são os arquivos paroquiais, destacando as possibilidades de abordagem e as potencialidades desses espaços de guarda da cultura escrita para a pesquisa em história. A reflexão tem como objeto o Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro (ACMRJ), tomando como base os registros de batismo, de casamento e de óbito nos séculos XVIII e XIX. A proposta não é realizar um trabalho serial e quantitativo a partir das fontes indicadas, mas apresentar a trajetória e o perfil documental do ACMRJ, problematizando caminhos e possibilidades de pesquisa.

As fontes compõem uma das principais matérias-primas para o trabalho do historiador. A despeito da crítica dos Annales à tomada desse material como verdade, a lógica da sua constituição foi pensada como um passo essencial da prática historiográfica por esse grupo questionador (Febvre, 1989). Foi justamente a partir dessa “escola”, considerada por Peter Burke como a “Revolução Francesa da historiografia”, que o campo de análise da história foi ampliado, sobretudo, com o estudo de grupos sociais e de comportamentos humanos postos de lado pelos historiadores tradicionais. Essa ampliação vinculou-se à colaboração de outras ciências, mas também e precisamente ao contato com novas fontes e ao desenvolvimento de diferenciados métodos para trabalhá-las (Burke, 1991, p. 89).

Em meio ao variado universo de fontes legado pelos Annales, que perpassa desde os vestígios arqueológicos até a cultura material e oral, as fontes textuais apresentam uma diversidade considerável para o ofício do historiador, compreendendo memórias, processos criminais, obras de literatura, periódicos e registros paroquiais, entre outros. De uma forma geral, as fontes escritas são custodiadas pelos arquivos, que podem ser definidos como “instituição ou serviço que tem por finalidade a custódia, o processamento técnico, a conservação e o acesso aos documentos” (Arquivo Nacional, 2005, p. 27).

Espaço de trabalho fundamental para os historiadores, os arquivos fazem parte de uma relação que deveria ir muito além do contato, do levantamento e do uso das fontes por parte desses profissionais. Conforme adverte Caio Boschi (2010, p. 61), ao se deslocar para os arquivos ou ter contato com o acervo, muitas vezes o historiador não atenta para uma questão fundamental, “a de que o documento possui sua trajetória; nasce com determinada função e tem o seu percurso finalizado em propriedade diversa daquela de seu advento”. Em outras palavras, ao ser produzido, o documento tem uma finalidade e, quando organizado em fundos, coleções, séries ou outras denominações, mais do que o seu conteúdo, torna-se relevante verificarmos as suas origens e o porquê dos arranjos institucionais que lhes foram conferidos. Essa atenção corresponde a uma necessidade basilar para o início da pesquisa: problematizar e contextualizar a fonte selecionada.

Considerando essas proposições, o artigo tem como objeto um caso particular de arquivo paroquial, o Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, e a finalidade de problematizar um grupo de fontes que estão sob a sua guarda. Tais fontes, pensadas aqui com o recorte nos registros de batismo, de casamento e de óbito, compõem um acervo rico e variado, que contribui para a reflexão de diferentes aspectos da sociedade brasileira, nos períodos colonial e imperial.

A Igreja Católica e os arquivos paroquiais

Ao longo dos séculos, a Igreja Católica constituiu um rico e amplo conjunto documental, abrigado em espaços próprios. Essa ação foi essencial para conservar registros relevantes, que, para além de possibilitar estudos da história da própria instituição, permitem o contato com informações de diferentes sujeitos históricos em períodos e espaços distintos (Tognoli, 2017, p. 3).

A prática de produzir e guardar documentos, como uma forma de registrar a atuação e o funcionamento da Igreja, fez-se presente desde os tempos em que o catolicismo foi reconhecido como religião oficial do Império Romano, período em que passou a ter um regulamento legal e próprio. Isso pode ser verificado por meio dos testemunhos relativos ao pontificado do papa Dâmaso (366-384), o qual teria reunido os registros da Igreja de Latrão – o então centro administrativo da instituição em Roma – em um espaço exclusivo voltado aos documentos eclesiásticos, nas proximidades da Basílica de São Lourenço (Tognoli, 2017, p. 3). Em período concomitante, estabeleceu-se outro local próprio, próximo à Confissão da Basílica de S. Pedro, que passou a guardar relevantes documentos da época, tais como as contribuições legadas ao papado por Pepino, o Breve, e Carlos Magno. Com o passar dos séculos, desenvolveram-se espaços para o depósito de documentos em cabidos, mosteiros e irmandades, dentre outros locais eclesiásticos, e, em boa parte deles, dispensou-se cuidado a sua conservação (Abreu, 2000, p. 130).

Apesar dessas ações, não existem referências em torno de uma legislação canônica voltada à criação e à organização dos arquivos eclesiásticos no decorrer da Idade Média, encontrando-se somente leis ou normas para aspectos específicos (Abreu, 2000, p. 130). Foi somente na transição desse período para a Idade Moderna, a partir dos primeiros concílios provinciais e sínodos diocesanos, que a Igreja iniciou um trabalho mais sistematizado em torno dos acervos. Essa dimensão foi reforçada durante a Reforma Católica,1 que, em meio aos trabalhos de reorganização e imposição de novos decretos e competências, levantou a urgência de se buscar um mecanismo para identificar e controlar cada um dos católicos, o que poderia ser conseguido por meio de registros individuais (Monteiro, 2007, p. 137). Essa possibilidade foi devidamente discutida durante o Concílio de Trento (1545-1563), o que se desdobrou na resolução final de que os clérigos passariam a ser responsáveis pelos registros de batismo e de matrimônio celebrados em suas paróquias, a partir de documentos cuidadosamente pensados (Marcílio, 2004, p. 2). Tais fatores levam autores como José Paulo Abreu (2000, p. 137) a considerar o Concílio de Trento, no contexto da Reforma Católica, como “o verdadeiro ponto de partida das normas canônicas reguladoras dos arquivos eclesiásticos”.

Após o concílio, além do batismo e do matrimônio, a morte dos fiéis foi um outro dado considerado importante para ser registrado, levando-se em conta, entre outros fatores, a possibilidade de controle por parte da Igreja para evitar casos de bigamia, por exemplo. Dessa forma, em 1614, por meio do Rituale Romanum e do Líber Status Animarum, o papa Paulo V indicou, respectivamente, a obrigatoriedade do registro de óbitos, assim como de um tipo de censo regular nas paróquias, a partir do levantamento nominal dos membros da família e de seus agregados maiores de sete anos (Marcílio, 2004, p. 15).

No caso específico de Portugal, as Constituições de Coimbra, de 1591, estabeleceram o registro obrigatório de batismos, casamentos e óbitos, em uma organização segundo a qual cada paróquia deveria dedicar um livro separado para atestar os referidos sacramentos. Tal obrigatoriedade foi estendida às colônias portuguesas nesse período. Dessa forma, os registros eclesiásticos no Brasil acompanharam as indicações do reino até serem regulamentados pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (Marcílio, 2004, p. 15). Esse conjunto de leis do início do século XVIII tinha como principal finalidade dedicar uma ordem jurídica à América portuguesa, com base teórica no Concílio de Trento, mas levando em consideração as particularidades locais. Nesse processo, a garantia da realização dos sacramentos (batismo, confirmação, eucaristia, penitência, extrema-unção, ordem e matrimônio) foi cuidadosamente pensada, reforçando-se a necessidade de sua efetivação e de registros para comprová-los. Como asseveram Neumann e Ribeiro (2015), “os registros vitais, certidões de batismo, crisma, matrimônio e óbito, por exemplo, possibilitam à Igreja acompanhar a vida dos seus fregueses nas diversas paróquias do Brasil no período colonial e, concomitantemente, exercer algum tipo de controle sobre a vida social”.

As relações de poder e de controle estabelecidas entre a Igreja Católica e as monarquias portuguesa e do Brasil imperial são determinantes para a compreensão da produção de registros pelos párocos como uma prática essencial também para a Coroa. Essa relação, em boa parte, tinha seus fundamentos no padroado, concessão da Santa Sé aos reis ibéricos, que legava o direito e as despesas religiosas à competência dos monarcas em seus reinos e colônias. Assim, os reis estariam encarregados de aprovar leis eclesiásticas, aprovisionar igrejas, nomear bispos e custear os salários dos párocos, enquanto padres, religiosos e bispos atuavam também como funcionários da Coroa (Neves, 2009, p. 309). Tal condição reforçava o papel da Igreja Católica como uma instituição que, para além das atribuições religiosas, foi importante na conformação de governança da Coroa, de forma a administrar espaços como hospitais, casas de recolhimento, asilos e cemitérios (Boxer, 1989). Por outro lado, diante da inexistência de cartórios de registro civis no Brasil até a década de 1870,2 os párocos também eram responsáveis pelos registros de batismo, casamento e óbito, assim como pelas visitas pastorais, entre outros, em ações que rendiam documentos tomados de forma legal pelo Estado e que eram essenciais para a sua atuação. Conforme ressalta Maria Luiza Marcílio (2004, p. 4):

O estatuto do padroado régio no Brasil até pelo menos a Constituição Republicana, de 1891 (quando foram separados, o Estado da Igreja) deu aos registros paroquiais uma cobertura praticamente universal da população brasileira (excluídos apenas os protestantes que surgem principalmente no Segundo Reinado e os índios e africanos pagãos, ainda não batizados).

As funções cartoriais desempenhadas pela Igreja Católica, notadamente no que diz respeito ao valor jurídico dos registros paroquiais nas fases colonial e imperial, conferem aos seus arquivos um caráter legal para o período, tendo em vista a legislação vigente que os reconhecia, bem como o interesse público e social (Tognoli, 2017, p. 10). Não à toa, os arquivos eclesiásticos são procurados até hoje pela população em geral, com vistas à documentação probatória de seus ascendentes, considerando o grande volume de registros de estrangeiros no Brasil – em especial portugueses, espanhóis, italianos e alemães – sobretudo em finais do século XIX.

Da mesma forma, se já representava um importante local de pesquisa para diferentes estudiosos, os arquivos eclesiásticos ganharam destaque no meio científico a partir da década de 1960, quando demógrafos e historiadores da população começaram a utilizá-los de maneira sistemática em seus trabalhos (Bacellar, 2005, p. 40). Os resultados significativos alcançados contribuíram para que pesquisas relacionadas à história demográfica e da família, assim como no campo da história social e do método serial, ganhassem progressivo espaço na academia nas décadas seguintes.

O Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro e seu acervo

A prelazia de São Sebastião do Rio de Janeiro foi criada por meio da bula In Superemminenti Militantis Ecclesiae, do papa Gregório XIII, em 19 de julho de 1575, enquanto um desmembramento do único bispado que existia na América Portuguesa – o da Bahia, de modo a abarcar um espaço que se estendia da capitania de Porto Seguro até a do Rio da Prata (Poletto, 2010, p. 51). De acordo com Beatriz Catão Santos (2021, p. 137), em 1745 sua jurisdição “compreendia o que hoje constitui os estados do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Minas Gerais, de Goiás, do Mato Grosso, do Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul e ainda incluía a Colônia do Sacramento”.

A mudança de prelazia para diocese ocorreu em 1676, quando o papa Inocêncio XI, a partir da bula Romani Pontificis Pastoralis Sollicitudo, efetuou a alteração que instituiu a diocese de São Sebastião do Rio de Janeiro (Steckel, 2021, p. 40).

Nesse contexto, em meio às práticas de produção e guarda de registros, desde os tempos em que era uma prelazia, a diocese do Rio de Janeiro agrupou um arquivo variado – histórico/permanente, intermediário e corrente3 – que hoje constitui um dos acervos eclesiásticos mais importantes do país. Tal acervo encontra-se reunido no Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, que custodia uma documentação ampla, compreendendo um valor aproximado de 1.100 metros lineares, armazenados em um espaço próprio, no subsolo da Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro.4 O ACMRJ possui registros com marcos temporais entre os séculos XVII e XX, acervo formado por documentos e coleções privadas das igrejas, de seus paroquianos, de padres e de bispos. Além da documentação escrita, o arquivo também possui materiais fotográficos, cartográficos e uma biblioteca especializada em assuntos eclesiásticos.

As habilitações matrimoniais, sacerdotais, os libelos de divórcio, de impedimento, de nulidade de casamento, bem como as contas testamentárias, as visitas pastorais e as congregações religiosas revelam um diferente corpus documental para o estudo da formação da sociedade brasileira, de forma a dar voz a uma maioria que, durante muito tempo, mostrou-se esquecida pela história.

Assim como em boa parte dos arquivos históricos do Brasil, incluídos os eclesiásticos, o ACMRJ teve uma trajetória marcada pela falta de conservação adequada e de escassos projetos voltados à arquivística (Marcílio, 2004, p. 5). Esse processo, somado à ação do tempo, dos insetos e de extravios, levou ao desaparecimento e à condição física extremamente precária de uma parte das fontes abrigadas na instituição. Mesmo diante dessas adversidades, há que se destacar o compromisso da diocese do Rio de Janeiro de oferecer o acesso à documentação do ACMRJ e o esforço de funcionários como Marcia Freire, Aloysio Martins Filho, Paulo Fernandes e, posteriormente, Silvia Souza, que durante décadas esmeraram-se para localizar fontes diversas e, por vezes, não catalogadas, de forma a possibilitar tanto as pesquisas probatórias quanto as acadêmicas.

Em junho de 2003, iniciou-se pela primeira vez um projeto de reorganização sistematizada do arquivo, sob a coordenação geral da professora Eliana Rezende Furtado de Mendonça. Esse trabalho contou com dez pesquisadores da área de história e com oito estagiários de arquivologia, sob a supervisão da historiadora Silvia Souza. Cabe ressaltar que o arquivo, até então, não contava com instrumentos de pesquisa ou inventários que contemplassem o universo documental existente. O acesso à documentação era feito por meio de listagens manuais – que não abrangiam nem 10% do total do acervo – e/ou, ainda, na maior parte dos casos, através da memória visual dos funcionários.

Diante dessa problemática, o projeto foi dividido em algumas fases, cabendo destacar as etapas de intervenções física e intelectual no processo de tratamento dos documentos textuais. A intervenção física esteve relacionada à organização em séries, bem como ao recondicionamento em caixas e invólucros adequados e padronizados dos registros, que até então estavam alocados em caixas enferrujadas ou de papelão envelhecido. Por outro lado, realizou-se o recondicionamento dos encadernados originais e elaborou-se um inventário topográfico, para garantir a localização das unidades arquivadas no depósito. Já no processo de intervenção intelectual, houve a identificação de dados gerais dos registros que contemplavam o acervo em planilhas específicas. Nessa etapa, há que se destacar que o maior conjunto do arquivo, composto pelas habilitações matrimoniais ou processos de banho,5 também passou pela identificação de boa parte do seu acervo, de forma a compreender cerca de 2.233 caixas.

Após o levantamento da documentação, foi desenvolvido um sistema de arranjo com um fundo único – Arquidiocese do Rio de Janeiro – subdividido nas seguintes séries: habilitação matrimonial; habilitação sacerdotal; libelo de divórcio; libelo de impedimento; libelo de nulidade; libelo civil; libelo contra padres; conta testamentária; visita pastoral; associação religiosa; congregação religiosa; breve apostólico; provisão de padre; carta pastoral; encadernado; assentamento paroquial; e relatório paroquial.

Para além dessas ações, uma fase importante do processo de reorganização foi a montagem de uma base de dados para a recuperação das informações contidas nas planilhas preenchidas pela equipe, relacionadas ao inventário topográfico, visando à localização e à guarda correta dos documentos no depósito.

Em meio à trajetória do ACMRJ, a finalização do projeto aqui descrito levou a instituição a uma condição inédita, na medida em que a organização dos documentos e a elaboração de instrumentos de pesquisa passaram a permitir, por um lado, condições de trabalho mais apropriadas aos funcionários e, por outro, um maior acesso e uso das fontes que estão sob a sua guarda por pesquisadores e pela sociedade em geral.

Batismos, casamentos e óbitos do ACMRJ: abrangência das fontes e possibilidades de análise

Uma das características mais atraentes dos arquivos eclesiásticos para o estudo dos períodos colonial e imperial – e que, de modo geral, os torna únicos – advém da sua capacidade de ter abarcado a população como um todo, de forma a incluir grupos pretéritos, ao registrarem de modo escrito informações sobre o nascer, o viver e o morrer de indivíduos brancos, negros, indígenas e mestiços, sob a condição livre ou escrava (Peraro, 2002, p. 5). De acordo com João Fragoso, a América portuguesa formou-se enquanto uma colônia e posterior império com populações tementes e/ou disciplinadas pela Igreja Católica e seus sacramentos, o que “transforma as fontes paroquiais, insisto, em massivas e reiterativas” (Fragoso, 2014, p. 22-23).

Maria Silvia Bassanezi (2009) assegura que a prática obrigatória adotada pela Igreja Católica produziu nos registros uma universalidade, uma representatividade, um caráter serial e cronológico. Nessa perspectiva, ressalta-se que as possibilidades de uso dos registros eclesiásticos de forma serial conferem a esse corpus documental uma potencialidade relevante para a pesquisa histórica. Para José D’Assunção Barros (2012, p. 205), a abordagem serial ampliou a forma de se pensarem os documentos para além do singular, em uma perspectiva de cadeia, constituída por fontes da mesma natureza, comparáveis e com a capacidade de serem pensadas em um universo de continuidade.

Apesar da dimensão ampla e geral, essas fontes possuem uma característica singular. Conforme afirma Marcílio (2004, p. 16), há que se considerar o caráter individual e coletivo do registro eclesiástico, no qual “cada indivíduo é registrado com suas características pessoais e em cada momento vital de sua existência e cada um deles integra uma série cronológica de eventos, guardados em livros específicos e que cobrem uma região fisicamente bem definida, ou seja, uma paróquia”.

É nessa perspectiva, e voltando-nos a outras possibilidades de pesquisa, que discutiremos algumas possibilidades de uso das fontes paroquiais custodiadas pelo ACMRJ, em um recorte temporal que abrange o Brasil Colônia e Império e que compreende séries expressivas do seu acervo: os assentamentos paroquiais de batismo, de casamento e de óbito.6

Existe uma riqueza no universo dessas fontes que nos possibilita uma imensidão de elementos para o entendimento da vida cotidiana da população e da presença de relações sociais efetuadas a partir do seu estudo. Os documentos trazem informações com um teor histórico relevante, sejam eles observados de forma serial ou particular. Alguns desses assentos são muito bem descritos, com detalhes nas informações, e outros não tanto. Esse fator estaria ligado diretamente ao perfil dos párocos e até mesmo à classe social a que pertenciam aqueles que recebiam os sacramentos. Mesmo entendendo que, de acordo com as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, havia normas para a elaboração dos assentos, elas nem sempre eram seguidas, e por vezes havia a supressão de dados (Scott; Scott, 2013). Essa questão explica, em certa medida, a variação de informações e de padrão encontrada nos assentos.

Segundo as Constituições, os batismos, os casamentos e os óbitos deveriam ser lançados apenas pelo pároco ou seu substituto em livros próprios, encadernados, bem guardados e devidamente preenchidos, cada qual à sua forma. A lei n. 2.040, de 28 de setembro de 1871, em seu artigo 1º, decretou a obrigatoriedade de livros especiais para os filhos de mulher escravizada que nascessem no Império a partir dessa data, ressaltando que cada omissão geraria uma multa de 100$000 ao pároco.7

A título de ilustração, trazemos um modelo de como deveriam ser transcritos os batismos, lembrando que, para cada um dos sacramentos, existia uma forma específica de assentar:

Aos tantos de tal mês, e de tal ano batizei, ou batizou de minha licença o padre N. nesta, ou em tal igreja, a N. filho de N. e de sua mulher N. e pus os santos óleos: foram padrinhos N. e N. casados, viúvos, ou solteiros, fregueses de tal Igreja, e moradores em tal parte. (Constituições..., 1720, Título XX)

Essas deveriam ser as informações básicas contidas nos registros de batismo de livres, ou seja, deveria constar o dia, o mês, o ano, o nome do batizando, o nome do padre, a igreja, o nome do pai, da mãe, os padrinhos, se casados, viúvos ou solteiros, a igreja que frequentavam e a moradia. Para os registros de batismo de escravizados, no que diz respeito a inocentes, ou seja, crianças menores de sete anos que não realizaram a primeira comunhão, geralmente constavam: nome e sexo, cor, legitimidade, proprietário, data de nascimento, se foi batizado em perigo de vida e se foi alforriado na pia. Em relação aos pais do batizando, há referência ao nome, à naturalidade, à procedência (quando africano), ao estado matrimonial e à cor. Para os padrinhos, eram feitas menções ao nome, à condição jurídica, às vezes à cor/condição social, à naturalidade, ao estado matrimonial e, quando escravizados ou forros, à procedência. No que se refere aos proprietários dos pais ou padrinhos escravizados, mencionavam-se o nome, o sexo, a condição jurídica (quando não nascido livre), o cargo ou o título, o estado matrimonial e o nome do cônjuge. Alguns desses assentos contêm, ainda, o nome da fazenda ou o endereço dos espaços nos quais os envolvidos residiam.

A frequência de determinada informação, porém, variou muito, pois vários padres lançavam os assentos nos livros e cada qual possuía seu modo e sua forma de redação. Uns registravam as datas de nascimento dos inocentes, ao passo que outros não o faziam com a mesma assiduidade. Alguns, ainda, anotavam essas informações em folhas de papel avulsas para somente mais tarde lançá-las. É muito comum, ainda hoje, encontrarem-se essas anotações afixadas nos livros. Essa falta de rigor dos registros conferia um caráter desorganizado e, por vezes, causava a ausência da ordem cronológica dos assentamentos. Isso significa que a feitura dos assentos passava pelo poder de escrita dos padres, que eram filtros de informações (Faria, 1998).

Obviamente, os párocos precisavam obter dados sobre os indivíduos. Na maioria das vezes, não há como ter certeza, mas, de um ou outro modo, os registros demonstram percepções de agentes sociais (Faria, 1998, p. 308), que podem ser pensadas, por exemplo, por meio de informações sobre os lugares que as pessoas ocupavam nessa paróquia. Para além da concepção dos padres e do discurso da Igreja, os registros paroquiais eram uma maneira de identificar as pessoas ali mencionadas. São, portanto, registros de (e sobre os) atores sociais de então. Em suma, documentos que refletem o perfil social dos envolvidos e de uma dada sociedade (Gudeman; Schwartz, 1988).

A mesma padronização dos livros de batismo é apresentada nos livros de casamentos e de óbitos. Também produzidos pela Igreja, em série, possuem o formato praticamente invariável, mas, como observado, poderiam ser modificados de acordo com o responsável por eles. Os registros de casamento informam a data, o local, o nome dos nubentes, de seus pais, de seus avós, a naturalidade, as testemunhas, o posto, a patente, o título e o proprietário, no caso de cativos.

Em se tratando dos assentos de óbitos, Sérgio Odilon Nadalin (1994, p. 95) afirma que, dentre os três tipos de documentos apresentados, esse é o mais problemático e menos confiável deles. Tal crítica está relacionada diretamente ao fato de os párocos nem sempre possuírem as informações dos que tinham o corpo encomendado ou não terem acesso à família para a demanda correta nos livros. Assim, para o autor, a experiência em relação à morte não se igualava aos assentamentos relacionados aos vivos, uma vez que as atenções para o moribundo ficavam exclusivas à família e a mais ninguém.

É importante entender que os efeitos que os sacramentos possuíam no século XVIII e XIX se distinguem das percepções que se moldaram com o passar dos anos, compreendendo, desse modo, a simbologia particular de um determinado tempo, que trazia uma representatividade religiosa diferenciada, na qual “o batizar, casar e morrer no âmbito católico tornou-se uma convenção social, sendo um processo de interação para com seus pares, sobre os olhos atentos da Igreja” (Lacerda, 2020, p. 15). Tais práticas contribuíam para a criação de uma imagem de pessoas de confiança, estáveis e propícias a formarem laços consolidados nas tradições cristãs católicas, em um meio onde misturavam-se fé e moral, sacramentos e status social. Por isso, tal como referenciado por Maria Luíza Marcílio (1979, p. 260), as fontes paroquiais são imprescindíveis para o estudo da história da família e são documentos demográficos por excelência.

A partir do exposto, trazemos o assento do batismo de Amaro, um escravizado batizado no verão de 1801, na freguesia da Candelária, conforme consta no acervo do Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro:

Aos 27 dias do mês de janeiro de 1801 anos nesta paróquia, batizei, e pus os santos óleos a Amaro, pardo, inocente, filho de Paulina Parda, escrava de José Diogo de Gusmão, morador nesta freguesia: foi padrinho o reverendo padre Antônio de Azevedo por procuração que dele apresentou Antônio da Costa Silva, e madrinha Úrsula Rita Clara, de que fiz este assento. O coadjutor dom Alexandre Fidélis de Araújo.8

Nota-se que, embora o assento acima se aproxime muito do modelo específico, algumas observações podem ser feitas. Trata-se do batismo de um inocente, pardo, no qual é notificado apenas o nome da mãe, embora a fonte não traga a designação “filho natural de”, o que corrobora a hipótese de que o pai poderia ser identificado, porém, não era reconhecido aos olhos da Igreja.9 O nome do proprietário é informado, o que lhe garantiria a posse da cativa Paulina, uma crioula (nascida no Brasil), e de seu filho, além de confirmar a freguesia da celebração como local de residência da mãe. O documento, porém, não nos permite saber qual a morada dos padrinhos e nem mesmo a paróquia por eles frequentada.

Obviamente, na procuração apresentada poderia constar a residência do padre Antônio de Azevedo e de seu representante, Antônio da Costa e Silva, todavia nada é notificado. É válido notar que, de acordo com as Constituições, os padres e os vigários não poderiam servir de padrinhos, nem mesmo os frades, as freiras, os cônegos, a mãe, o pai, os hereges, os infiéis, os excomungados, os surdos e os mudos. Deveriam, ainda, ser registrados apenas um padrinho e uma madrinha (Constituições..., 1720, Título XVIII, p. 64).

Esse foi um modelo de batismo de escravizado extraído de um dos livros consultados, mas é perceptível que, conforme mudava o vigário, as informações também variavam. Mesmo que a fonte não traga todos os dados obrigatórios em sua notificação, é possível perceber famílias celebradas, sejam elas naturais ou legítimas, relações sociais efetuadas e perfis sociais sendo descritos. Ainda sobre o assento citado, é importante notar que o papel de amadrinhar e apadrinhar foi delegado a uma mulher livre e ao reverendo, o que permite concluir que essa escolha foi feita dentro de uma camada social superior à da mãe. Traços da categoria social, do nome, da cor, dos pais, dos padrinhos, da ilegitimidade, dos responsáveis pela celebração etc. são percebíveis e, se cruzados com outras fontes ou mesmo trabalhados de forma serial e quantitativa, possibilitam-nos uma gama de informações, abrindo espaço para analisar a constituição familiar e uma série de acordos e/ou interesses que são efetuados via celebrações.

Alguns vigários acrescentam novos detalhes às informações básicas, inclusive em celebrações de escravizados, conforme o modelo a seguir:

Aos 11 dias do mês de janeiro de 1800 nesta catedral batizei e pus os santos óleos solenemente a Ana, filha natural de Florinda, nação Banguela, escravos de Rita Ignácia Maria, solteira, preta forra, nação Cassange; foi padrinho Caetano, escravo de Frei Julião Religioso do Carmo: e comparecendo neste ato a dita senhora Rita Ignácia Maria, disse, e declarou, que de sua própria vontade, e sem constrangimento algum dava liberdade a dita inocente Ana como se de ventre livre nascesse, sem cláusula alguma, tudo à vista das testemunhas que presentes estavam Matias da Silveira e Joaquim José de Oliveira, que disseram, e declararam ser a própria senhora; os quais comigo assinaram com seus nomes, e firmas próprias, e de que para constar fiz este assento, e assinei. O coadjutor Manoel Afonso da Costa.10

Ana era uma escravizada da freguesia do Santíssimo Sacramento, que recebeu na pia batismal sua alforria e, para isso, foram apresentadas as testemunhas de forma a validar o que se aplicava. Era filha natural, assim como Amaro; porém sua mãe, Florinda, era uma benguela, da costa da África, e sua senhora também uma africana de nação Cassange, solteira, preta e forra. Ou seja, Rita Ignácia Maria, sua proprietária, era uma ex-escravizada que adquiriu sua alforria em outra ocasião.11 Notamos que o assento apresenta apenas um padrinho e nenhuma madrinha, ferindo o modelo das normas legais. Entretanto, os laços de apadrinhamento são efetuados com um escravizado, assim como a mãe de Ana.

Quando evidenciamos um batismo de livre, vemos outras tantas informações, muito além do que era determinado pelas Constituições, conforme segue:

Luiza. Aos 11 dias do mês de janeiro de 1800 anos nesta catedral batizei e pus os santos óleos solenemente a Luiza, filha legítima de Joaquim José Cardoso, natural e batizado na freguesia de Santa Luzia da cidade de Angra da Ilha Terceira, e de Francisca das Chagas, natural e batizada na freguesia de Nossa Senhora da Candelária desta cidade, neta pela parte paterna de Anastácio Cardoso, e de Catarina Josefa, aquele batizado na freguesia de Santa Luzia da dita Ilha, e esta na de São Bento da dita Ilha, e por parte materna de José da Silva Barros, natural e batizado na freguesia do Mártir São Sebastião do Lugar de Câmara de Lobos da Ilha da Madeira, e de Ana Maria da Conceição, natural e batizada na freguesia de Nossa Senhora da Candelária desta cidade: nasceu aos 22 dias do mês de julho do ano próximo passado, foi padrinho o licenciado José Pereira da Silva e protetora Nossa Senhora. De que fiz este assento, que assinei. O coadjutor Manoel Afonso da Costa.12

As informações contidas no registro acima nos permitem construir a genealogia de três gerações presentes na estrutura familiar de Joaquim José Cardoso e de Francisca das Chagas, a partir de um único assento, pois nos é informado o nome dos avós paternos e maternos, dos pais e da filha. Trata-se de uma filha legítima, diferentemente dos dois exemplos acima, pois o registro de Luiza apresenta sua mãe e seu pai e o local de residência de ambos, o nome dos avós e o local de batizado deles, além da data de nascimento. É interessante perceber que o padrinho foi um licenciado de nome José Pereira da Silva e a madrinha uma protetora não carnal, nesse caso, Nossa Senhora.

Como visto, embora não seja convencional e legal, os santos aparecem de forma recorrente fazendo essa função, como uma forma de introduzir o sagrado dentro da família. Porém, por meio de pesquisas, notamos ser mais comum a presença de santas servindo de madrinhas, em uma proporção muito superior aos santos como padrinhos, o que nos faz crer que o conceito de sagrado é “introduzido através de madrinhas e não através dos padrinhos, pois estes tinham um papel muito importante na sociedade, talvez tão relevante que o cargo não poderia ser preenchido por um santo” (Ramos, 2004, p. 66). Para Renato Pinto Venâncio (1986, p. 95-102), “esta seletividade, madrinha no céu e padrinho na terra, correspondia a uma singular desvalorização da mulher, ou seja, o compadrio era utilizado como um meio de acesso aos bens materiais e simbólicos”. Notamos que essa prática poderia significar, além da desvalorização da mulher, um pagamento por uma graça alcançada, perigo de morte da criança ou mesmo falta de padrinhos ou madrinhas durante o ato.

É bom frisar que, em geral, para os registros de batismo de livres, as informações eram mais regularizadas se comparadas às dos escravizados, como visto acima, o que poderia estar relacionado ao grupo social do então batizando, mas podemos dizer que apresentavam, de forma geral: data e local do batismo, data ou tempo de nascimento, nome do batizado, cor/condição social, legitimidade e ilegitimidade (se era ou não filho de pais casados) e condição jurídica (se livre, forro, liberto ou índio). Além dessas informações, os registros aludiam a títulos ou cargos (capitão, tenente, dona etc.) dos pais e padrinhos, às vezes suas ocupações, suas cores, e a referência se havia parentesco entre os padrinhos.

Assim como os batismos, os livros de registros de casamento também nos permitem alguns elementos para entender a constituição das famílias, como, por exemplo, as dispensas de consanguinidade ou mesmo os interesses para o enlace, o que nos remete a determinados “negócios” que poderiam estar presentes. Todavia, esses supostos “mercados de casamento” não eram atestados de modo explícito. Logo, para o caso de estudos voltados a essa questão, um cuidado essencial é a contraposição da fonte com outras paroquiais, como os processos de banho matrimoniais, e mesmo cíveis, tais como os inventários post-mortem, por exemplo.

No próximo caso, podemos observar uma série de informações relacionadas ao casamento de José Maria Rodrigues e Ana Maria da Conceição:

Aos 18 dias do mês de janeiro de 1800 nesta catedral pelas cinco horas da tarde se receberam em matrimônio por palavras de presente em minha presença, e das testemunhas abaixo assinadas José Maria Rodrigues do Espírito Santo, filho legítimo de Domingos Rodrigues das Neves e de Francisca Xavier da Ressurreição, natural e batizado na freguesia da Candelária desta cidade; com Ana Maria da Conceição, filha natural de Ignácia Maria da Glória, natural e batizada na catedral desta cidade tudo na forma do Sagrado Concílio Tridentino e Constituições do Bispado como tudo constou da provisão que me apresentaram o muito reverendo doutor juiz dos casamentos Francisco Gomes Vilas Boas e receberam as bênçãos nupciais na forma do ritual romano sendo a tudo testemunhas o capitão João Pinto da Silva Guimarães, e o alferes José Joaquim de Santana além de outras muitas pessoas que presentes se acharam de que para constar fiz este assento que assinei. O coadjutor Antônio Teixeira Álvares de Souza. João Pinto da Silva Guimarães. José Joaquim de Santana.13

Como no registro de batismo de Luiza, no caso desse matrimônio também nos são apresentados dados que permitem cruzar, comparar, deduzir e concluir. O local, a hora, o dia, os pais, o nascimento deles, os avós e seu perfil familiar, o local de batizado, as testemunhas com seus respectivos cargos etc. são informações evidenciadas no assento, sendo possível analisar o comportamento dos envolvidos, seus vínculos sociais e suas redes de sociabilidade e solidariedade, que foram estabelecidas via registro de matrimônio e que podem se estender muito além de um assento ou uma celebração.

Em se tratando de casamentos de escravizados, os interesses também são evidentes e, geralmente, as celebrações se davam em números inferiores às dos livres (Schettini, 2020). O inverso raramente acontecia, a não ser em freguesias onde havia um intenso tráfico atlântico. A permissão e o incentivo dos grandes proprietários ao casamento legal, mesclados com o equilíbrio numérico entre os sexos, poderiam contribuir para o alto grau de legitimidade entre os cativos, como no caso de Nossa Senhora das Neves, em Macaé, entre os anos de 1798 e 1850 (Faria, 1998, p. 327; Santos, 2019, p. 66). Uma das análises que podem ser feitas é a verificação da composição étnica daqueles que se uniam e a preferência para essa união. Algumas pesquisas apontam para o predomínio de casamentos endogâmicos em diversas regiões brasileiras, tanto para o século XVIII quanto para o XIX. Cabe-nos informar que, no entorno dessas relações, poderiam existir fronteiras e polêmicas, como no casamento de crioulos e africanos, numa tendência à união das etnias em comunidade ou do casamento envolvendo etnias diferentes, o que derivava em casamentos exogâmicos (Freire, 2009, p. 9).

A ata de casamento de José Benguela e Isabel Quissamã, escravizados de Francisco de Torres Homem, dá-nos um exemplo do que afirmamos. Trata-se de dois africanos que se casaram às seis horas da tarde, sem impedimento algum da parte do vigário e das testemunhas. Um assento simples, sem grandes informações e sem os nomes ou assinaturas das testemunhas presentes, mas que nos permite entender que ambos eram africanos e de propriedade do mesmo senhor, além de saber o mês do enlace, a hora e o nome do vigário que fez a celebração e assentou. Por outro lado, a ata de matrimônio de José Maria crioulo e Brígida Maria cabra forra nos informa o dia, o mês, o ano, a hora, as testemunhas, os pais maternos e paternos, a categoria social deles, o local de nascimento, o antigo proprietário da mãe da criança, as testemunhas e suas respectivas assinaturas, além de outras pessoas que se achavam presentes e ainda o padre interino e o oficial.14

Esse é um exemplo de um assento cheio de informações e que pode ser trabalhado sob diversos ângulos e opções. As categorias sociais dos nubentes são apresentadas: um crioulo e uma cabra forra. Em relação à designação “crioula”, sabemos que são escravizados nascidos no Brasil, mas a expressão “cabra” é ainda controversa e sua interpretação necessita ser melhor analisada por região, o que se torna um certo desafio para o/a pesquisador/a. Segundo Sílvia Lara (2004), em períodos anteriores à chegada dos portugueses, o termo era designado aos indígenas; depois, passou a ter uma ligação direta com a mestiçagem e, embora não se tenha uma definição precisa, encontra-se ligado à população negra. O referido registro, portanto, trata do casamento de um crioulo liberto com uma cabra também liberta, de maneira a fornecer significativos dados de análise.

Das séries paroquiais, as relativas aos falecimentos, tal como frisado anteriormente, são mais complexas e apresentam maiores problemas, pois o seu conteúdo varia muito em relação à identificação do morto, ao lugar, à data, ao sacerdote etc. Muito raramente a causa da morte era informada. Algumas vezes constava o sintoma do falecimento, como, por exemplo, “morreu de falta de ar”, “de ferida nas pernas”, “de tumor”, “de tísica”, “morreu apressada", dentre outros motivos, o que lança uma considerável complexidade para quem se interessa em investigar a morbidade e a mortalidade, conforme o caso abaixo:

Aos 10 dias do mês de janeiro de 1800 faleceu da vida presente Antônia Maria Viana crioula forra, e moradora na rua da Cadeia, sem sacramentos por morrer apressada, foi encomendada por mim, e amortalhada no hábito de São Francisco e sepultada na capela de Nossa Senhora do Parto não fez testamento de que para constar fiz este assento que me assinei. O coadjutor Manoel Affonso da Costa.15

Os dados coletados permitem o cruzamento com outras informações da ata, sendo possível saber o perfil de mortes em crianças, mulheres, jovens e idosos, e, em considerável parte dos casos, a idade, a categoria social, o local de sepultamento, se possuíam testamento, se receberam extrema-unção, se fizeram penitência etc. Algumas atas informam, também, a forma de sepultar, especificada pela indumentária usada pelo morto. Destaca-se, ainda, que, no caso de escravizados, é possível ser relatada a sua forma de aquisição, conforme o modelo seguinte:

Aos 12 dias do mês de maio de 1800 anos faleceu da vida presente nesta freguesia em casa do doutor Francisco Xavier de Lima com os sacramentos da penitência e extrema-unção Francisco Crioulo, arrematado por seu antecessor o capitão Domingos Gonçalves Gago que era depositário do mesmo na penhora feita a requerimento de João Batista da Silva com quem litiga sobre o dito escravo: foi encomendado por mim e amortalhado em mortalha branca e nesta igreja sepultado, de que fiz este assento. O coadjutor dom Alexandre Fidélis de Araújo.16

O certo é que a disposição da Igreja, o capricho do vigário ou mesmo a importância que a sociedade dava às informações eram fatores que refletiam diretamente nas comunicações dos registros paroquiais (Nadalin, 1994, p. 61). Como apresentado, os assentos paroquiais nos remetem ao perfil de nascimentos, de casamentos e de óbitos em sociedades pretéritas, sendo possível perceber variações temporais em relação a uma ou a várias comunidades. Portanto, necessitam ser trabalhados de modo a não apagar a história de povos ainda escondidos pelos recantos e arquivos do Brasil.

Considerações finais

Os arquivos eclesiásticos e a sua dinâmica de produção de cultura escrita (Olson, 1997, p.271) possibilitam ao historiador e aos demais interessados um reconhecimento do passado em sentido mais amplo, ao permitir o acesso às sociedades e a seus diversos segmentos, para além dos grupos de elite, que, em sua maioria, como letrados, deixaram outras espécies de registros. Cabe assinalar que tais fontes reúnem um diversificado e extenso universo de dados acerca da história social e demográfica do Brasil.

Ao longo do artigo, discutimos o que são os arquivos paroquiais, a constituição dos seus primeiros espaços de custódia e a lógica de sua produção na Colônia e no Império, calcada nas atividades da Igreja Católica e do Estado. De forma mais direta, procuramos destacar o Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro e o seu acervo, ressaltando a abrangência e as potencialidades de pesquisa dos registros de batismo, de casamento e de óbito custodiados nesse espaço.

A análise sobre a população, numa perspectiva demográfica ou familiar, foi apresentada como uma possibilidade, mediante o uso dessas fontes, que podem tomar uma feitura mais serial ou singular, de acordo com os interesses. Por outro lado, é importante assinalar que, ao longo das últimas décadas, de forma individual ou por meio de grupos de pesquisa espalhados pelos programas de pós-graduação no país – com destaque para o Núcleo de População Elza Berquó (Nepo) da Universidade de Campinas (Unicamp) e para o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade de Minas Gerais (UFMG), ambos pautados numa formação demográfica, bem como para os bancos de dados disponíveis na internet como o FamilySearch –,17 metodologias de trabalho vêm sendo criadas e novos conceitos estão sendo construídos, o que nos permite afirmar a evolução desse campo de análise.

Com esse alargamento, problemáticas ligadas ao nível de crescimento, aos ciclos matrimoniais, ao número de filhos, à escolha do nome, às análises biográficas, ao movimento familiar e populacional, às escolhas de padrinhos e de testemunhas, às redes de sociabilidades, bem como à mortalidade e à morbidade, são trazidas à tona como forma de entender o perfil social de famílias, grupos e comunidades. Também são efetuados trabalhos de maior consistência, com variações seriais rígidas, voltados para análises demográficas mais robustas. Mas vale dizer que esses estudos dialogam com a demografia, a história, a geografia, a economia, a antropologia e a sociologia, de maneira específica. Portanto, é um campo que tem um perfil extremamente interdisciplinar e que tem muito a evoluir no Brasil (Bacellar; Scott; Bassanezi, 2005).

Ao concluir, podemos afirmar que a experiência social dos envolvidos, as relações instituídas, o comportamento da população, as famílias efetivadas e as mortes nos abrem perspectivas, a partir de algumas fontes vitais aqui trazidas, para o exercício de melhor compreender a população sob um viés histórico, mesmo entendendo as limitações de um artigo para se trazer um tema tão vasto.

Fontes

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Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro

Fundo: Arquidiocese do Rio de Janeiro

Série: Assentamento Paroquial

Livro de registros de batismos da Freguesia da Candelária, 1801-1809.

Livro de registros de batismos da Freguesia do Santíssimo Sacramento, 1799-1803.

Livro de registros de casamentos da Freguesia do Santíssimo Sacramento, 1791-1801.

Livro de registros de casamentos da Freguesia da Candelária, 1782-1809.

Livro de registros de testamentos e óbitos da Freguesia do Santíssimo Sacramento, 1797-1812.

Livro de registros de óbitos da Freguesia da Candelária, 1793-1833.


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Recebido em 27/3/2023

Aprovado em 18/5/2023


Notas

1 Com base nas perspectivas de Falcon e Rodrigues (2006, p. 142), a Reforma Católica é aqui compreendida como um conjunto de mudanças implementadas pelo Papado no século XVI, em meio tanto à reação ao protestantismo quanto a uma forma de se adaptar, mantendo as tradições, ao ambiente crítico do renascimento/humanismo.

2 Na década de 1870, diante da chegada progressiva de um grande número de imigrantes não católicos ao Brasil, bem como membros de outras religiões, houve a preocupação por parte do Império de instaurar um registro civil que possibilitasse que esses grupos conseguissem se registrar fora das convencionais instâncias da Igreja Católica, datando desse período a quebra do monopólio dessa área pela referida instituição (Antunes, 2006, p. 16).

3 De uma forma geral, segundo critérios arquivísticos ligados aos ciclos dos documentos, até a sua posterior guarda ou eliminação, os arquivos podem ser classificados como corrente, intermediário e permanente. Dessa forma, segundo Marilena Leite Paes, a classificação compreende: “Arquivo corrente – onde são guardados os documentos de uso frequente e aqueles em que o ato administrativo ainda não terminou. Arquivo intermediário – onde são guardados os documentos cuja frequência de uso é esporádica e que são conservados em razão de seu valor histórico, probatório ou informativo: a permanência nesses arquivos é transitória. Arquivo permanente – onde são guardados os documentos que perderam todo valor de natureza administrativa, que se conservam em razão de seu valor histórico ou documental e que constituem os meios de conhecer o passado e sua evolução” (Paes, 1998).

4 A Catedral de São Sebastião do Rio de Janeiro, conhecida como Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro, é uma construção em estilo moderno inaugurada em 1979, na avenida Chile, 245, no Centro do Rio de Janeiro, que passou a abrigar o ACMRJ em meados de 1980. Até então, ele funcionava na Igreja Nossa Senhora do Carmo ou “Antiga Sé”, que desde 1808 funcionava como catedral da cidade.

5 O processo de banho constituía uma das primeiras fases para a realização do casamento pela Igreja Católica, sendo composto por uma série de documentos e constatações relativas aos nubentes. Dentre as comprovações que deveriam ser feitas para a habilitação ao matrimônio, estavam: certidão de batismo; comprovação do estado de solteiro(a) e descompromissado(a) com outra pessoa ou instituição (no caso dos votos de castidade e de religião); certidão de óbito do cônjuge falecido, nos casos dos viúvos; comprovação da liberdade, no caso dos escravizados alforriados; além de “proclamar” o matrimônio em todos os lugares onde os noivos estiveram por mais de seis meses, para a comprovação de inexistência ou a denúncia de impedimentos (Faria, 1998, p. 58).

6 Agradecemos a colaboração de Eduardo Cavalcante no trabalho de transcrição dos documentos utilizados, bem como à Marcia Freire e à Silvia Souza (in memorian) pelos relatos em torno da trajetória das últimas décadas do ACMRJ.

7 Lei n. 2.040, de 28 de setembro de 1871 [Lei do Ventre Livre].

8 ACMRJ, AP, Livro de registros de batismo da Candelária, 1801-1809, p. 2v.

9 Filhos naturais são aqueles não originários de uma união consensual, celebrada via matrimônio, mas advindos, aparentemente, de mães solteiras, mesmo entendendo que havia a presença do pai, que era ocultado pela fonte. Para a criança ser considerada legítima, os pais teriam de ser casados em uma união reconhecida pela Igreja que, portanto, atenderia aos requisitos exigidos pela legislação em vigor, no caso as Ordenações Filipinas. Em contrapartida, as crianças naturais ou ilegítimas seriam frutos de vários tipos de uniões não reconhecidas pela Igreja (Libby; Botelho, 2004). Famílias naturais ou ilegítimas são o modelo predominante no Sudeste brasileiro para os escravizados, com raras exceções. Ver: Santos (2019), Faria (1998).

10 ACMRJ, AP, Livro de registros de batismo da freguesia do Santíssimo Sacramento, 1799-1803, p. 25.

11 As fontes batismais não são os melhores documentos para comprovação de alforria de adultos, mas, sim, para crianças que são batizadas e que recebem a alforria de pia, modelo presente na celebração.

12 ACMRJ, AP, Livro de registros de batismo da freguesia do Santíssimo Sacramento, 1799-1803, p. 24v.

13 ACMRJ, AP, Livro de registros de casamento da freguesia do Santíssimo Sacramento, 1791-1801, p. 408.

14 ACMRJ, AP, Livro de registros de casamentos da freguesia da Candelária, 1782-1809, p. 200v.

15 ACMRJ, AP, Livro de registros de testamento e óbito da freguesia do Santíssimo Sacramento, 1797-1812, p. 60.

16 ACMRJ, AP, Livro de registros de óbito da freguesia da Candelária, 1793-1833, p. 7.

17 O FamilySearch é um site de caráter mundial, organizado pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, que disponibiliza mais de um bilhão de imagens digitais e índices de registros relacionados à genealogia. O extenso e volumoso trabalho de indexação e digitalização de fontes eclesiásticas, dentre outros, constitui uma ferramenta relevante para pesquisas na área. Disponível em: https://www.familysearch.org/pt/. Acesso em: 25 jun. 2020.



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