Acervo, Rio de Janeiro, v. 36, n. 3, set./dez. 2023

O arquivo como objeto: cultura escrita, poder e memória | Dossiê temático

O papel na capitania de Minas Gerais

Identificação de proveniência a partir do estudo material da documentação avulsa da coleção Casa dos Contos do Arquivo Público Mineiro (1750-1800)

The paper in the captaincy of Minas Gerais: identification of provenance from the material study of the separate documentation of the Casa dos Contos collection of the Public Archive of Minas Gerais (1750-1800) / El papel en la capitanía de Minas Gerais: identificación de procedencia a partir del estudio material de la documentación separada del fondo Casa dos Contos del Archivo Público de Minas Gerais (1750-1800)

Marina Furtado Gonçalves

Doutora em História Social da Cultura pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Vice-coordenadora do curso de Museologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil.

marinafg.ufba@gmail.com

Resumo

O papel é considerado um elemento material da cultura e deve ser estudado em sua materialidade e historicidade. Esta pesquisa buscou identificar os fabricantes dos papéis utilizados pela administração pública na capitania de Minas Gerais, compreendendo a proveniência do papel a partir de análises materiais e históricas em uma perspectiva interdisciplinar, destacando os papéis italianos. A caracterização da documentação visa contribuir para o estudo do arquivo como objeto material da cultura.

Palavras-chave: papel de trapo; marcas d’água; coleção Casa dos Contos; século XVIII.

Abstract

Paper is considered a material element of culture and must be studied in its materiality and historicity. This research sought to identify the manufacturers of paper used by the public administration in the captaincy of Minas Gerais, understanding the origin of the paper from material and historical analyzes in an interdisciplinary perspective, highlighting the Italian papers. The characterization of the documentation aims to contribute to the study of the archive as a material object of culture.

Keywords: rag paper; watermarks; Casa dos Contos collection; XVIII century.

Resumen

El papel es considerado un elemento material de la cultura y debe ser estudiado en su materialidad e historicidad. Esta investigación buscó identificar los fabricantes de papel utilizados por la administración pública en la capitanía de Minas Gerais, comprendiendo el origen del papel a partir de análisis materiales e históricos en una perspectiva interdisciplinaria, destacando los papeles italianos. La caracterización de la documentación pretende contribuir al estudio del archivo como objeto material de la cultura.

Palabras clave: papel de trapo; marcas de agua; colección Casa dos Contos; siglo XVIII.

Suporte e materialidade da escrita

Há uma tendência da historiografia da cultura escrita em desmaterializar o ato da escrita e da leitura. A maioria dos trabalhos deste campo de investigação preocupa-se com dados quantitativos sobre leitores e obras, o ensino da leitura e da escrita, a censura, os autores, entre outros. Porém, já há algumas décadas, alguns pesquisadores têm se debruçado sobre a importância do ato material de ler e escrever, não só como reflexo, representação ou apropriação. McKenzie (1999) defende que os textos não estão isolados da forma material com a qual se apresentam à leitura, ou seja, o autor alia a forma e o conteúdo e não somente se atém a uma metodologia tradicional, fundada sobretudo na documentação escrita (Roche, 2000). Da mesma maneira, Roger Chartier (2002) publicou diversos trabalhos sobre o sentido das formas assumidas pela escrita, com vistas à mobilização das coisas materiais para a compreensão das sociedades.

Já Fernando Bouza Álvarez (1998) tem discutido sobre as diferentes formas de comunicação vigentes no século XVII espanhol, relacionando a funcionalidade da oralidade, da visualidade e da escrita às formas materiais em que se manifestam, incluindo a gestualidade. O autor, assim como Marcelo Rede (1996), aponta para uma perspectiva de combinação, em que o material e o imaterial devem caminhar juntos, excedendo à simples sobreposição de informações provenientes de diferentes campos de análise e induzindo à sua interação mútua e controle recíproco.

No campo da história cultural, pesquisas recentes sobre o patrimônio cultural têm se preocupado com a indissociabilidade do material e do imaterial na busca de entendimento dos modos de fazer tradicionais, assim como aponta José Newton Coelho Meneses (2015). No estudo do papel, como suporte da escrita, o ponto de vista de Meneses e Bouza Álvarez mostra-se muito útil, pois suscita a compreensão do artefato desde a sua produção, seu uso e consumo e pode ser aliado às ideias de Marcelo Rede (1996), ao lembrar que as propriedades físico-químicas dos objetos trazem as evidências de várias histórias reveladoras das tradições, dos saberes, dos modos de fazer dos objetos ou das mercadorias produzidas e consumidas pelas sociedades. Antonio Castillo Gómez (2006) resgata os procedimentos analíticos da paleografia para compreender como os diversos tipos de escrita cumprem a sua função social de comunicação e trabalham com uma história social da cultura escrita, enfocando o estudo da produção, da difusão, do uso e da conservação dos objetos, sustentado pelo discurso, por práticas e representações, ou seja, um segmento do meio físico transformado e apropriado culturalmente pelo homem.

A partir da ideia de combinação de níveis de análise proposta pelo estudo dos elementos materiais da cultura, considera-se o documento em si, composto pelo papel, tintas, marcas e vestígios, um objeto de natureza material constituído historicamente. Não apenas o conteúdo entintado nos documentos nos fornecem informações históricas, sociais, artísticas e culturais: o estudo do suporte – no caso, o papel – pode ajudar a desvelar questões complexas para além do conteúdo escrito e pintado do manuscrito. Na estrutura material do papel, principalmente aqueles de fabricação manual, há características que testemunham os métodos de produção inseridos no seu contexto histórico e “tal como o próprio texto, expressa atitudes, pensamentos e simbologias específicas de cada época e sociedade” (Almada, 2010, p. 40).

Entre os séculos XV e XVII a cultura europeia passou por um processo de evolução da escrita, sem, contudo, abandonar a tradição oral e icônico-visual. Aos nobres, principalmente, o uso da forma escrita garantiu a manutenção do poder e das funções sociais da nobreza, permitindo uma melhor administração de suas próprias casas, uma vez que era possível registrar de uma maneira mais efetiva regras, contas, solicitações, entre outros, perpetuando a informação que poderia servir de prova futura. Dessa forma, a escrita promoveu uma centralização cultural, pautada na manutenção para o desenvolvimento econômico, ganhando força na difusão de informações e ideias (Bouza Álvarez, 1997). Os documentos escritos ganharam tanto destaque na sociedade dos Estados monárquicos modernos que muitos foram destruídos, visando apagar algum acontecimento, memórias ou ideologias, como afirma Bouza Álvarez ao escrever que “quem quisesse apagar a memória de algo sabia que devia destruir os registros escritos para evitar provas, a recordação, a fama ou a simples constância” (Bouza Álvarez, 1997, p. 33), reforçando a importância daquilo que era escrito e guardado.

No mesmo período, com a expansão marítima europeia e a consequente necessidade da administração dos domínios ultramarinos, as monarquias modernas passaram a fazer uso extensivo da documentação escrita como um dos mecanismos utilizados para a manutenção do poder. As relações coloniais foram mantidas com palavras escritas. Elas permitiam e outorgavam mobilidade às práticas de governar a distância. Para as instituições de poder, a escrita era uma via de informação sistemática e indispensável, pois contribuía para a centralização e o controle do Estado com eficácia (Bellotto, 2014), bem como para a afirmação da soberania da figura do rei e da sua administração.

A escrita era um veículo de informação, um mecanismo de controle, portanto, um instrumento de governação a distância (Conceição, 2013). Entretanto, em uma época na qual a travessia atlântica era de quase três meses, erros e distorções políticas e administrativas foram cometidos em razão do “tempo administrativo”, relativo ao trâmite legal dos documentos circulantes entre metrópole e colônias, resultando na delegação de autoridade e da autonomia dos governos nas áreas periféricas dos impérios. Era preciso fazer prevalecer uma administração eficaz e “Portugal serviu-se de instrumentos administrativos, fiscais e militares os mais eficientes para sua garantia não só geopolítica, mas também política, na América” (Bellotto, 2014, p. 393). Sendo assim, a produção de documentos se intensificou e gerou uma série diversificada de espécies e tipologias documentais, como correspondências, mapas econômicos, éditos reais, recibos, cópias da legislação monárquica, entre outros.

No mundo ibérico, o sequente contato com outros territórios, a expansão e o domínio militar, político e econômico gerador do tráfego contínuo de pessoas circulando com objetos, mercadorias e crenças proporcionaram a acumulação de novos saberes e de novas informações dependentes da escrita para se efetivar. Dom João V, no intuito de projetar Portugal como uma potência internacional, entendia ser necessário investir na área cultural, das letras, dos livros, sendo o responsável pela construção, por exemplo, da Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra, aumentando também a verba da universidade para a compra de livros. Da mesma forma, dom João V usou da produção literária, sobretudo nas áreas de história, geografia e língua portuguesa, para afirmar Portugal como grande nação, investindo em publicações de livros referências para pesquisas como o Vocabulario portuguez e latino, de autoria de Rafael Bluteau, Nova escola para aprender a ler, escrever, e contar, de Manuel de Andrade de Figueiredo e Historia genealogica da Casa Real Portugueza, de dom António Caetano de Souza, esse último desenvolvido pela Academia Real da História. A academia, fundada em 1720, contribuiu para estudos da descrição histórico-geográfica de Portugal e dos seus domínios, bem como outros assuntos de interesse português.

Já na segunda metade do século XVIII, com o incentivo da Coroa portuguesa em buscar a renovação do conhecimento, formou-se uma rede de informação que permitiu ao “Estado português setecentista conhecer de forma mais aprofundada e precisa os seus domínios na Europa, Ásia, África e, sobretudo, na América, ou seja, reconhecer os limites físicos dessa soberania” (Domingues, 2001, p. 824). Nesse período, vários naturalistas, engenheiros, cartógrafos, entre outros especialistas, realizaram viagens científicas às colônias, especificamente ao Brasil, e produziram memórias, ensaios, ofícios, catálogos e relatórios, assim como discursos administrativos enviados à Coroa. Além da documentação desenvolvida em suporte de papel ‒ não somente escrita, mas também mapas, desenhos e pinturas ‒, os pesquisadores também enviavam amostras vegetais, animais e minerais, contribuindo para o conhecimento do território, das espécies naturais e potencialidades econômicas.

Com o desenvolvimento do saber acerca do império e suas óbvias repercussões econômicas, sobretudo na atividade agrícola, mineralógica e industrial, foi necessário aumentar a difusão da informação, principalmente entre as elites, “no sentido de ensinar e incentivar os súditos a participar na economia do reino de forma dinâmica, racional e produtiva, pela utilização de novos produtos e técnicas” (Domingues, 2001, p. 829). Essa divulgação foi feita por meio de manuscritos e impressos, livros e folhetos, refletindo a relevância do uso da escrita, e o consequente uso do papel, para promover não só o avanço técnico-científico, mas também para garantir o controle de informações, uma vez que eram editados pelos prelos de tipografias a serviço da Coroa, assim como apontam Nunes e Brigola (1999).

A escrita tornou-se assim um mecanismo imprescindível para a manutenção das monarquias modernas, contemplando as instâncias econômica, social, cultural e política. A acumulação da documentação relativa a todos os âmbitos da administração, reflexo da burocracia instalada, resultou na criação dos grandes arquivos da alta Idade Moderna, devido à premissa da necessidade de “conhecer para agir, e, uma vez adotada a decisão, era necessário difundir e explicar para alcançar o sucesso” (Bouza Álvarez, 1997, p. 87). Para além da ideia de um local destinado à conservação da memória para a posteridade, o arquivo surge a partir de um conceito utilitarista, buscando a centralização burocrática e ressaltando o caráter de prova dos documentos. A função primordial dos arquivos era (e ainda é) recolher e tratar os documentos após o cumprimento das razões pelas quais foram gerados, sendo que grande parte era produzida pela própria máquina administrativa da Coroa.

Com o uso maciço da escrita nas instâncias burocráticas do governo, especialmente a partir da instauração da consulta escrita e das navegações, o volume de papel desde o início da Idade Moderna tornou-se expressivo, gerando não somente a necessidade de administrá-lo em arquivos e bibliotecas, mas também de conservá-lo. Da mesma maneira, a crescente quantidade de papel também se deu nos espaços particulares, ganhando uma significativa importância, até então não tão valorizada pela nobreza. A progressiva produção de vestígio material convergiu para a problemática de preservação dos papéis, sendo necessário, então, conservar o suporte e a informação (Conceição, 2013).

A materialidade de tais documentos revela informações que podem passar despercebidas pelos pesquisadores. Porém, “se questionados com propriedade metodológica, os vestígios materiais nos documentos podem ser o caminho para se atingir respostas que talvez não pudessem ser alcançadas por outros meios” (Almada, 2014, p. 137). No intuito de compreender os documentos como objetos materiais da cultura em uma perpectiva de análise interdisciplinar, sobretudo acerca da sua proveniência, propôs-se o estudo da documentação administrativa da capitania de Minas Gerais na segunda metade do século XVIII. A escolha da documentação da capitania deu-se pela facilitação do acesso a um corpus documental significativo, como a coleção Casa dos Contos, sob a guarda do Arquivo Público Mineiro. Essa coleção passou pelo processo de identificação, microfilmagem e acondicionamento e não recebeu tratamentos de conservação-restauração, como pequenos reparos, planificação, desacidificação, cuidados para a estabilização de tinta metaloácidas, entre outros. Dessa maneira, os documentos mantiveram as suas características materiais, assim como as marcas de uso, permitindo as análises propostas.

O grande uso do texto como forma de comunicação administrativa implicou também o impulso à produção e à circulação dos materiais necessários para a escrita. Alguns deles, como os móveis e as tintas de escrita, não careciam de uma tecnologia laboriosa de produção (Segredos, 1794; Figueiredo, 1722), ao contrário do papel, que necessitava de um espaço amplo para abrigar todas as etapas da manufatura, grande volume de água ‒ matéria-prima não abundante ‒ e o profundo conhecimento das técnicas para a produção de um papel de qualidade.

Fazer papel

Tal como é conhecido hoje, o papel remonta à China do século II, antecedendo a “era árabe” iniciada no ano de 751, no contexto da batalha de Talas, no atual Uzbequistão, em que os árabes derrotaram o exército chinês, fazendo prisioneiros alguns soldados que teriam transmitido o conhecimento do processo de fabricação do papel (Balmaceda, 2002). Já no século XIII, iniciou-se a “era europeia” da produção de papel, centrada em Fabriano, na Itália. A diferenciação da técnica de produção árabe para a italiana deu-se principalmente pelo uso do moinho hidráulico para a trituração das fibras com martelos revestidos de peças metálicas em suas extremidades, garantindo uma polpa mais fina e homogênea, “revolucionando a moagem e o pisoar do pano” (Gimpel, 1977). Ademais, há a substituição do uso do amido por cola de boi na encolagem, pois o amido contribuía para a deterioração do papel (Sabbatini, 1988).

A partir do século XV, a França é autossuficiente na produção de papel, afirmando-se com um produto de ótima qualidade. A cultura do fazer papel difundiu-se então em direção à Alemanha e à Suíça e, em seguida, para a Inglaterra, Polônia, Holanda, Rússia e países escandinavos (Hunter, 1978).

O papel, utilizado para textos manuscritos ou impressos até o início do século XIX, era fabricado a partir de trapos de tecido normalmente de algodão, linho ou cânhamo. Os moinhos de papel eram sempre instalados junto ao leito de um rio ou córrego, pois necessitavam da água como força motora e para a preparação da polpa. A pasta de trapo foi o primeiro material usado para a fabricação do papel, em que restos de tecidos eram submetidos à maceração e fermentação. Os trapos, colocados em recipientes de pedra com adição de água, eram abrandados manualmente, podendo ser batidos com martelos movidos por força hidráulica, separando-lhes as fibras. O processo durava de cinco a trinta dias e, em virtude de ser um procedimento duro e penoso, fez-se necessária a modernização da produção (Hunter, 1978). Em 1680 iniciou-se o uso da “holandesa”, uma máquina desenvolvida para decompor as fibras dos trapos que fazia, em quatro ou cinco horas, a mesma quantidade de pasta que um antigo moinho de martelo com cinco pedras produzia em 24 horas.

A pasta obtida pela dispersão das fibras era distribuída sobre moldes para a configuração das folhas. Os moldes, constituídos por uma moldura em que se fixavam diversos fios paralelos, formando uma espécie de peneira, permitiam a eliminação do excesso de água da polpa. O fólio1 de papel era produzido manualmente, pela imersão do molde no recipiente com a polpa dispersa, em movimentos precisos para uma distribuição homogênea das fibras. O manuseio dava-se pelas molduras removíveis, evitando o contato das mãos com o fólio em formação. Em seguida, retirava-se a moldura móvel e deitava-se o papel, um a um, sobre feltros, sendo posteriormente empilhados e prensados, a fim de eliminar a água em excesso. Depois de secos, os fólios eram encolados com o auxílio de um pincel ou por imersão, secos em varais e novamente prensados.

A fatura de uma folha de papel de trapo era uma operação exigente de muita habilidade e precisão absoluta e, mesmo com um gestual simples e repetitivo, era necessário um aprendizado de seis a sete anos de trabalho para atingir a perfeição. A vida dos donos dos grandes moinhos, administradores, mestres papeleiros e trabalhadores girava em torno da fábrica, onde trabalhavam e moravam, dando origem a uma “comunidade dentro da comunidade”, mantendo o segredo do ofício encerrado nos muros dos moinhos. Acreditando na comunidade formada e julgando diferenciarem-se de um contexto sociocultural atrasado, os proprietários dos moinhos frequentemente se distinguiam na vida política e administrativa local (Sabbatini, 1988).

As marcas d’água

Durante o processo de produção era possível imprimir marcas d’água no papel que, assim como as distâncias de pontusais e vergaduras, poderiam identificar o fabricante, garantindo autenticidade. O desenho da marca d’água era formado a partir de uma figura moldada em latão posteriormente entrelaçada nos fios da malha dos moldes, como um bordado. As pequenas esculturas em latão normalmente representavam brasões, símbolos relacionados à realeza e elementos da natureza. A marca d’água comumente ocupava metade do fólio, no sentido longitudinal, e, quando a pasta de papel de trapo era depositada sobre o molde, nesses locais se concentrava uma menor quantidade da mistura, originando mais transparência, fazendo com que os desenhos ficassem aparentes, sobretudo quando observados com luz reversa. Desde então, uma folha de papel tornou-se, em si mesma, fonte de conhecimento, contando a sua própria história, a partir das mensagens nela impregnadas sob a forma de impressões quase ocultas, as marcas d’água.

No decorrer do século XVI os produtores de papel começaram a fazer também uso da contramarca, geralmente na outra metade do fólio, em simetria à marca d’água principal, daí o nome “contramarca”. Constituindo uma confirmação de identidade do fabricante, essa marca secundária continha, normalmente, apenas iniciais e, com o tempo, passou a incluir o nome do fabricante ou da fábrica, a localidade, o ano de fabricação e figuras decorativas simples. Observa-se também contramarcas de canto, de menor dimensão, comumente localizadas no ângulo inferior e/ou superior da folha de papel, apresentando monogramas, letras isoladas, números e pequenos símbolos (Figura 1). Essas marcas, conforme aponta Heawood (1950), foram usadas pelos genoveses em papéis exportados para a Espanha e Portugal, desde finais do século XVII.


Figura 1 ‒ Esquema da distribuição de marcas no documento 324: contramarca principal (à esquerda), contramarca de canto (borda inferior esquerda) e marca d’água (à direita). Fonte: APM, CC, cx. 29, pl. 10.584, doc. 4

Também como secundárias, há as marcas d’água complementares, sendo aquelas representadas em ambos os lados da folha de papel, cujos conteúdos se completam, assim como o touro e o picador. Da mesma forma, há as marcas múltiplas, normalmente de pequena dimensão, profusamente repetidas na folha de papel (Santos, 2015). Embora existam várias tipologias de marcas, é mais comum observar nos papéis do século XVIII uma presença maior de marcas d’água, contramarcas e marcas d’água complementares.

O direito de uso de uma marca d’água, no século XIV, era concedido após o pagamento de uma taxa, e a inserção de iniciais de fabricantes ou de mercadores de papel nos fólios demonstrava poder e status social. Na França, em 1582, uma ordem de Henrique III impunha o uso da contramarca na outra metade da folha, em simetria com a marca d’água principal, contendo as iniciais dos fabricantes de papel. Em 1675, em Voltri, na província de Gênova, Itália, vinte influentes mercadores de papel adicionaram suas iniciais nos papéis produzidos na região (Balmaceda, 2016).

Observando-se a folha de papel de trapo contra a luz é possível facilmente identificar esses elementos. Dessa forma, o pesquisador pode interrogar o documento confeccionado em tal suporte para desvelar questões, como é o caso deste estudo, cujo intuito é indicar a proveniência dos fólios utilizados pela administração pública na capitania de Minas Gerais.

O papel na capitania de Minas Gerais

Em Portugal o mais antigo moinho de papel foi estabelecido em Leiria, autorizado por carta régia de dom João I, datada de 1411. Durante o século XVIII, várias fábricas foram instaladas em território português, porém o país não conseguia suprir a demanda interna e nem das suas colônias, tendo que importar papéis de outras nações, sobretudo da Itália e Holanda, por muito tempo grandes produtoras de papel de trapo. No século XVIII, para a capitania de Minas Gerais, tal fato pode ser notado, por exemplo, nos trabalhos de Gonçalves (2013), que reuniu marcas d’água italianas, e de Costa (2016), que elencou marcas italianas, holandesas e apenas uma portuguesa.

Uma vez que a primeira fábrica oficial brasileira de papéis foi implantada apenas em 1809 (Almeida; Hannesch, 2019), parte-se da hipótese de que todos os fólios utilizados para a redação da documentação administrativa mineira circulante na segunda metade do século XVIII sejam de procedência europeia. Entretanto, é ressalvada a possibilidade da produção clandestina de papel na América portuguesa.

O momento social do consumo do papel enquanto mercadoria encontra poucas fontes no Brasil e no mundo. Daniel Bellingradt, estudioso na área do papel, destaca a falta de estudos sobre o comércio mundial de papel na Era Moderna. Segundo o autor,

os historiadores do papel não prestaram muita atenção ao comércio do material; historiadores econômicos e do comércio não se interessaram por papel; e historiadores de livros às vezes mencionam a conexão da produção de papel e sua venda ao mundo da impressão, mas tendem a evitar os detalhes que ligam as atividades comerciais. (Bellingradt, 2014, p. 117-118)

Embora a falta de fontes bibliográficas seja um entrave para as pesquisas, na perspectiva da história da cultura material, o próprio artefato pode ser estudado para desvelar questões. Muitas vezes, tomamos os artefatos como pontos pacíficos, ou seja, naturalizados diante dos nossos olhos, sem perceber o seu potencial. Os documentos de arquivo são tratados aqui como artefatos, e não somente pela aproximação com o texto ou pelo enquadramento aos métodos de leitura textual que qualificam seus usos. Não são um “documento de segunda categoria”, incompleto e limitado, quando comparados à fonte escrita, sendo que “é preciso investir no entendimento dessa cadeia mutável para incorporar a cultura material em sua plenitude documental” (Miller, 2013, p. 276).

A partir dessa abordagem, para compreender a proveniência do papel utilizado na documentação administrativa na capitania de Minas Gerais na segunda metade do século XVIII, utilizou-se o próprio papel. Buscou-se, assim, a compreensão da história a partir do próprio artefato, porém, sem desconsiderar outras fontes, levantando questões para se pensar o homem social e os elementos que ele constrói em sua vivência (Meneses, 2017).2

Procedimentos metodológicos

Como objeto de estudo, optamos por documentos administrativos avulsos selecionados da coleção Casa dos Contos do Arquivo Público Mineiro. A coleção engloba documentos manuscritos vinculados à administração pública dos séculos XVIII e XIX (de 1700 a 1853), bem como documentação pessoal como cartas e certidões, apresentadas em documentos avulsos e encadernados. Figura entre as principais reuniões documentais do Brasil e, atualmente, os documentos provenientes da Casa dos Contos estão custodiados em três instituições: no Arquivo Nacional e na Biblioteca Nacional, na cidade do Rio de Janeiro, e no Arquivo Público Mineiro, em Belo Horizonte. O nome da coleção faz alusão ao Regimento dos Contos, órgão responsável pelo controle fiscal do reino de Portugal entre os anos de 1650 e 1761, porém engloba documentos da Junta da Real Fazenda da Capitania de Minas Gerais, cuja função era fazer cumprir as exigências e normas fazendárias metropolitanas. Esses órgãos acumulavam documentos que dissessem respeito à organização do espaço, administração, cobrança de impostos, entre tantos outros manuscritos de interesse da Coroa portuguesa. Mais tarde, foram incorporados os documentos da Tesouraria da Fazenda da Província de Minas Gerais e documentos pessoais do contratador João Rodrigues de Macedo.

A seleção da coleção dá-se por ter sido completamente inventariada, microfilmada e acondicionada, sem ter sofrido, contudo, nenhuma intervenção de restauração que viesse a alterar a composição material do suporte ou remover marcas de uso (Gonçalves, 2013). A coleção Casa dos Contos é formada por 55,33 metros lineares textuais e a seleção dos documentos foi feita a partir do Inventário da coleção Casa dos Contos do Arquivo Público Mineiro (documentos não encadernados),3 em tabela do software Microsoft Excel, com revisão no ano de 2007, disponibilizado pela Diretoria de Arquivos Permanentes. O inventário informa o número da caixa, rolo de microfilme, planilha de microfilmagem, número do documento, data, local, título/descrição do conteúdo do documento, descritores e notas.

Os documentos mineiros datados entre os anos de 1750 e 1800 foram pré-selecionados, totalizando 8.914 documentos. Aqueles sem data também foram considerados, uma vez que poderiam fazer parte do recorte temporal desta pesquisa. Optou-se por separar a documentação por décadas para não haver uma concentração de documentos pertencentes a um ou outro ano. A documentação datada de 1800, bem como aquela sem datação, foram consideradas em dois grupos distintos.

Dentre o universo pré-selecionado, fizemos uma amostragem aleatória simples, ou seja, aquela na qual todos os elementos têm a mesma probabilidade de serem selecionados. Após aplicado o cálculo amostral, foram totalizados 697 documentos. Em seguida, fizemos uma amostragem de conveniência,4 em que a escolha dos documentos para análise pondera as diversas espécies documentais, tais como cartas, recibos, ordens e listas, não privilegiando um ou outro tipo de documento.

Após a seleção final dos documentos, preenchemos uma tabela de identificação, partindo da proposta da International Standard for Registration of Paper With or Without Watermarks,5 desenvolvida pela International Association of Paper Historians (IPH), e iniciamos o registro das marcas d’água. Existem diversas técnicas para o registro de marcas d’água presentes em papéis, como a fotografia direta, com luz reversa, com fluorescência de ultravioleta, com papel Dylux, por cópia, por fricção, eletrorradiografia, radiografia por raio x e betagrafia, porém “a escolha de uma técnica depende de três fatores: disponibilidade da técnica, tipo de material a ser analisado e o objetivo a ser alcançado com o estudo” (Figueiredo Junior, 2012, p. 203). Para esta pesquisa optamos pela fotografia com luz reversa e a cópia em papel vegetal, técnicas acessíveis, sem danos para o suporte, que fornecem as informações necessárias.

Em uma sala escura disponibilizada pelo APM, fizemos a documentação científica por imagem de cada documento com luz direta, frente e verso, utilizando a escala de cinzas QPcard 1016 e uma etiqueta em papel com o número do objeto inventariado. Em seguida, fotografamos as marcas tendo como fonte de luz reversa a folha de luz flexível. Por fim, ainda com a luz reversa, colocamos uma folha de papel vegetal sobre as marcas e, com uma lapiseira com grafite 2B, traçamos o desenho com o mínimo de pressão sobre o documento. Foram também registradas as linhas correspondentes aos pontusais e vergaduras7 na cópia feita.

Os desenhos foram escaneados e as imagens (desenhos e fotografias) receberam tratamento sistemático, utilizando software para este fim, no intuito de criar um inventário com as marcas observadas. As imagens foram comparadas com bancos de dados existentes como o Portal Bernstein8 e o do centro de estudo de Conservación, Análisis e Historia del Papel (Cahip).9 Além dos repositórios eletrônicos, destacamos seis referências bibliográficas que registram marcas d’água de proveniência europeia em papéis das Idades Média e Moderna. A primeira, intitulada Watermarks in paper in Holland, England, France, etc, in the XVII and XVIII centuries and their interconnection, escrita por William Algernon Churchill e publicada em 1935, apresenta o histórico da produção papeleira na Holanda, Inglaterra e França, sobretudo entre os séculos XVII e XVIII, elenca produtores de papel desses países e registra algumas marcas d’água, classificando-as por motivos decorativos. As duas próximas referências, de autoria de Frans e Theo Laurentius, cujos títulos são Watermarks in paper from the South-West of France, 1560-1860 e Italian watermarks 1750-1860, listam fabricantes e marcas francesas e italianas, respectivamente.

Já o livro de Maria José Ferreira dos Santos (2015), Marcas de água, séculos XVI-XIX: coleção Tecnicelpa, é o resultado do projeto da Associação Portuguesa dos Técnicos das Indústrias de Celulose e Papel (Tecnicelpa) de catalogação de marcas d’água recolhidas em documentos manuscritos e em livros impressos existentes em bibliotecas e arquivos portugueses. Assim como a obra de Santos, a catalogação de marcas presentes em Watermarks mainly of the 17th and 18th centuries, de autoria de Edward Heawood (1950), e em O papel como elemento de identificação, de Arnaldo Faria de Ataide e Melo (1926), foi bastante válida para comparar as marcas encontradas durante a pesquisa. Mesmo sem a referência exata de proveniência dos papéis, os dois catálogos possibilitaram a contextualização temporal das marcas observadas.

Em seguida, analisamos os dados da tabela de identificação, agrupando os papéis com características semelhantes, a fim de verificar quais tipos de papéis foram utilizados para os documentos selecionados, a proveniência dos mesmos e estabelecer relações quanto ao uso de papéis e sobre quais os tipos de suporte foram privilegiados.

A proveniência dos papéis

Dentre os 697 documentos pesquisados encontramos uma grande variedade de marcas d’água, contramarcas principais e de canto, marcas complementares e múltiplas em 602 papéis (86,37 % do total da amostra). A partir da observação visual dos papéis e da documentação das marcas foi possível criar um catálogo10 tomando-se como referência o padrão de registro proposto pela International Association of Paper Historians (IPH).

Ao compararmos as marcas inventariadas com os instrumentos de pesquisa e as demais referências, identificamos a proveniência de 562 papéis, ou seja, 93,36% dos documentos que apresentaram marcas d’água. A grande maioria é de proveniência italiana (344 papéis), seguida por papéis possivelmente italianos (122), holandeses (73), franceses (21) e um papel inglês.

Para este artigo optamos por detalhar as caraterísticas materiais do papel italiano, especificamente da região da Ligúria. Essa opção dá-se pela maior parte dos papéis encontrados ser proveniente dessa localidade.

O papel italiano

A fabricação de papéis em território italiano data do século XII, iniciada pelos papeleiros árabes que levaram o seu conhecimento para cidades como Amalfi, Gênova, Bolonha e também na ilha da Sicília, onde se registraram duas fábricas de papel, sendo uma próxima a Palermo e outra a Catania (Asunción, 2003) (Figura 2). Dentre os documentos que atestam o início da fabricação de papel na Itália, destaca-se o contrato datado de 24 de junho de 1235, assinado em Gênova, em que três pessoas, em frente a um notário, foram nomeadas para fabricarem papel com a cláusula de não revelarem nenhum dictum misterium. Conforme aponta Sabbatini (2013), esse é o documento europeu mais antigo que comprova a fabricação de papel.


Figura 2 ‒ Localização dos primeiros moinhos de papel italianos, no atual mapa da Itália. Fonte: Elaboração própria a partir das informações bibliográficas referidas, 2020. Base cartográfica: www.d-maps.com

Na segunda metade do século XIII um novo tipo de papel começou a aparecer no mercado, “um papel novo, muito diferente dos demais, um papel que denunciava uma desfibragem mais fina e uma consistência específica, além de uma melhor receptividade à tinta” (Sabbatini, 2013, p. 19). Esse produto novo estava sendo desenvolvido na comuna de Fabriano, na província de Ancona, na região de Marcas. O papel de Fabriano apresentava três inovações que contribuíram para o seu sucesso no mercado: a separação das fibras dos trapos por meio de martelos hidráulicos com sapatas metálicas em suas extremidades, a substituição da encolagem de amido por cola animal e, por fim, a inserção de marcas d’água nos fólios como atestado de procedência e qualidade. Desde então, o papel feito em Fabriano se tornou um símbolo de status, não só na Itália, mas em toda a Europa.

Entre os séculos XIII e XIV, Fabriano foi um grande polo papeleiro, exportando não só a mercadoria “papel”, mas também o modo de fazer papel fabrianês. Devido à concorrência interna e pela grande quantidade de moinhos instalados, muitos papeleiros foram forçados a deixar a comuna, levando consigo o saber da fabricação de um papel de qualidade e já reconhecido no mundo. A disseminação do modo de fazer papel de Fabriano ocorreu primeiro nos territórios vizinhos, em Foligno, Urbino e Ascoli Piceno, e depois se espalhou para além dos Apeninos e dos Alpes. Há registros de mestres papeleiros de origem fabrianesa se estabelecendo em moinhos tanto na porção sul de Fabriano, em Abruzzo e Campania, quanto na porção norte, nas regiões de Emília-Romanha e Vêneto (Sabbatini, 2013). A utilização de moinhos movidos por força hidráulica já era bastante presente na Itália no século XIII, sobretudo para a moagem de grãos e no trabalho com metais,11 visto que os rios com fortes correntezas e os trechos encachoeirados favoreciam a instalação dessa infraestrutura (Laurentius; Laurentius, 2018). Portanto, era necessário apenas adaptar os moinhos, fazendo com que esse tipo de produção se espalhasse gradativamente pela Itália, reforçada por um compromisso de exatamente se fazer chartam ad usum fabrianensem, ou seja, papel do modo fabrianês (Rückert; Dietz, 2007).

Se em Fabriano o modo de fazer papel foi aperfeiçoado, em Voltri, localizada a cerca de 21 km da cidade de Gênova, aprimorou-se a estrutura do edifício do moinho, não mais resultado de ajustes em uma fábrica existente, mas projetado e construído para o uso específico. A experiência genovesa representa uma ruptura com relação à manufatura medieval, uma adaptação às novas necessidades do mercado que outros centros italianos demoraram a compreender ou não estavam equipados para enfrentar. Nos moinhos, os equipamentos foram desenvolvidos, bem como as relações de produção, de organização do trabalho e de mediação comercial (Sabbatini, 1988). Assim, não só os mestres papeleiros eram cobiçados por outras regiões e nações, mas também o “carpinteiro do moinho (maestro d’ascia), especialista na construção das máquinas e utensílios necessários para a produção” (Balmaceda, 2002). A mobilidade da mão de obra especializada tornou-se então uma preocupação para o Estado de Gênova, sobretudo a partir do começo do século XIV, quando foram adotadas medidas punitivas para a emigração e imigração dessas pessoas, com a justificativa de que a exportação dos conhecimentos acerca da produção de papel seria desastrosa para a sua economia.

O crescente desenvolvimento da produção papeleira no Estado de Gênova, sobretudo em Voltri, desde o início do século XVI, fez com que o espaço físico propício para a instalação de motores hidráulicos junto aos cursos d’água, antes ocupado por moinhos dedicados ao trabalho com metais, cedesse lugar para os moinhos de papel, utilizando os recursos naturais, energéticos e humanos. Na segunda metade do século XVI, Voltri já figurava como a cidade de maior destaque na produção de papel para a escrita na Europa, com cerca de cinquenta moinhos papeleiros. O crescimento da produção foi exponencial até o século XVIII, suprindo o mercado interno e externo com papéis contendo marcas d’água genovesas (Calegari, 1985).

O brasão de armas do Estado de Gênova foi a inspiração para a criação de diversas filigranas utilizadas para gerar as marcas d’água, sendo a mais comum e amplamente copiada por fabricantes franceses aquela que apresenta três círculos alinhados verticalmente. O brasão da República de Gênova apresenta, ao centro, um escudo com a cruz vermelha de São Jorge, santo padroeiro desde o século VII, quando tropas bizantinas construíram uma igreja na cidade em devoção a ele. Ladeando a cruz central há dois grifos, adicionados ao brasão no final da Idade Média. Acima da cruz há uma coroa e, abaixo, uma tarja com os dizeres “Libertas”. Uma variação do brasão de armas de Gênova apresenta a imagem da cabeça do deus romano Jano (Grimal, 2018) acima da coroa, porém nem sempre ela é representada. Outra variação do brasão, observada desde o século XV, traz a adição de um segundo escudo, disposto ao lado da cruz, com uma tarja diagonal e os dizeres “Libertas”.

A forma mais completa da marca dos três círculos pode ser observada a partir do desenho da marca d’água do documento 494,12 que apresenta, além das formas circulares, os três elementos principais que fazem parte do brasão: a cruz central, os dois grifos laterais e a coroa na porção superior. Tais elementos estão igualmente presentes no design inventariado do documento 608, porém aqui os grifos estão com as cabeças voltadas para trás. A variação do brasão de Gênova ilustrada acima também foi utilizada na concepção de marcas d’água, como notamos no documento 373, contendo os dois escudos e a coroa (Figura 3).


Figura 3 – Marcas d’água que fazem referência ao brasão de armas de Gênova: a) a marcas dos três círculos (à esquerda), b) os grifos com as cabeças voltadas para trás (ao centro) e c) a variação do brasão com duas bandeiras (à direita). Fonte: APM, CC. a) cx. 56, pl. 30.463, doc. 2; b) cx. 81, pl. 20.143, doc. 5; c) cx. 37, pl. 30.099, doc. 5

Outro polo papeleiro italiano de destaque é a região da Toscana, cujo início da produção de papel remonta ao século XIII, em um moinho em Colonica, ao sul da comuna de Prato. Conforme aponta Sabbatini (1988), a fabricação de papel na região sofreu influência de experiências vizinhas: de Fabriano, no final da Idade Média, e da Ligúria, a partir do século XVII. Na Toscana destacavam-se três áreas de produção de papel: Colle di Val d’Elsa, a área de Pescia e a área de Lucca, sobretudo em Villa Basilica. Colle di Val d’Elsa, onde a arte de fazer papel foi tradicionalmente introduzida pelos fabrianeses, representa a experiência pré-Liguriana. Já as regiões de Pescia e Lucca foram influenciadas pelo modelo genovês e desenvolveram-se rapidamente a partir da segunda metade do século XVIII.

A notoriedade de Prato foi perdida para Colle di Val d’Elsa, na província de Siena, quando a fabricação de papel ganhou forças, no final do século XIII e início do século XIV. De acordo com Sabbatini (1988), as taxas de fluxo de mercadorias de 1428 revelam a existência de uma dúzia de moinhos papeleiros em Colle, colocando a cidade da Toscana entre os principais centros de papel italianos.

A província de Lucca, ainda República de Lucca, destacava-se como produtora de suportes para a escrita desde antes do século XIII, com a fabricação de pergaminho de qualidade. A produção era organizada e ocupava um papel importante na economia, culminando com a criação da Corporazione dei Cartolai em 1307, uma corporação que utilizava as peles de ovelhas e cabras para produzir pergaminho e livros de registro chamados libri di ragione, utilizados para o controle administrativo dos comerciantes (Toscana, 2020). Já a produção de papel de trapo na província somente iniciou-se em 1565 com Vincenzo Busdraghi, em Villa Basilica, reaproveitando a infraestrutura de um antigo moinho para fabricar papel e instalar uma gráfica. Anos antes, em 1549, Busdraghi abriu a primeira gráfica da província de Lucca e, com o monopólio da imprensa, pediu ao Conselho Geral a permissão para fabricar papel. O conselho aceita a solicitação e ainda garante a isenção de impostos, com a condição de manter a cidade abastecida por três anos de todos os tipos de papéis e cartões (Sabbatini, 2013).

A empresa constituída por Vincenzo Busdraghi, Girolamo, Jacopo, Michele Guinigi e Giuseppe Turchi para fabricar papel foi dissolvida em 1570, devido a dificuldades e à falta de experiência dos empresários. A fábrica passa então para Paolino Vellutelli e, em seguida, para Alessandro Buonvisi, filho de uma das famílias mais ricas e poderosas de Lucca, que investe na produção papeleira e coloca a província, bem como Villa Basilica, em destaque quanto à arte de fazer papel que perdura até hoje (Sabbatini, 2013). Em Villa Basilica a quantidade de moinhos de papel praticamente dobrou no final do século XVIII e, no início do século XIX, a produção de papel envolvia 20% das famílias residentes (Sabbatini, 1988).

Assim como os Buonvisi, outras famílias nobres e abastadas de Lucca investiram na fabricação de papel e, ao final do século XVII, havia oito moinhos papeleiros na província, com destaque ao da família Tegrimi, em Vorno. Os Tegrimi produziam papel de excelente qualidade e mantinham relações comerciais com países estrangeiros. Há, ainda, a influência de famílias papeleiras da Ligúria, como os Aradi, Peralta e Pollera, que construíram moinhos em Lucca, dando origem a diferentes relações de produção, como a autogestão e as iniciativas de aluguel das construções para fabricação de papel.

Com a grande quantidade de moinhos instalados em Lucca, a província enfrentou um momento de escassez de matéria-prima no final do século XVII, a chamada “guerra dos trapos”. Os comerciantes de trapos, sobretudo os Provenzali e Rapondi, pretendiam exportar o produto pelo porto de Viareggio para outros mercados com melhor remuneração, mas tiveram de enfrentar os empresários das fábricas de papel, que exigiam que os trapos fossem mantidos em Lucca. A “guerra” resultou em um documento, assinado em 1694, regulamentando e controlando a exportação de trapos na província, sendo revisado anos mais tarde, em 1700 (Sabbatini, 2013).

Outra província da Toscana com destaque no cenário papeleiro é Pistoia, com a produção concentrada em Pescia e arredores. Sabbatini (2013) descreve duas fábricas de papel constituídas em Pescia desde o final do século XV, administradas por Antonio di Michele Del Fabbrica, de origem genovesa, nas primeiras décadas do século XVII. Os moinhos passaram em seguida para a família Ansaldi, vinda de Voltri e comandada por Francesco Ansaldi, que se estabeleceu em Pescia em 1650 e produziu papel até o século XIX. Os Ansaldi expandiram a produção para Villa Basilica, Collodi e Colle. Chamamos a atenção para Giovanni Battista Ansaldi que, devido a serviços prestados em Colle, obteve a licença para construir outros dois moinhos em Pietrabuona, nos arredores de Pescia, um em 1710 e outro em 1724.

A grande expansão da fabricação de papel em Pescia deu-se no final do século XVIII, com o estabelecimento da família Magnani na localidade em 1783, iniciando uma temporada fervorosa de aluguéis, compras, reformas e construções de fábricas de papel, usando capital substancial. No início do século XIX, as fábricas de papel Magnani empregavam oitenta famílias, escoando sua produção principalmente para Lisboa, Brasil e América do Norte (Sabbatini, 2013).

Como afirmado anteriormente, a maior parte dos papéis pesquisados são provenientes do atual território da Itália (344 papéis, representando 49,35% da amostra total). Dentre esses, 164 provêm da região da Ligúria, 108 da Toscana e 32 de Friul-Veneza Júlia. Alguns papéis, totalizando quarenta unidades, apresentam marcas referenciadas pela bibliografia e pelos bancos de dados como italianas, porém sem a localização específica de proveniência. Outros 122 papéis foram classificados como “possivelmente italianos”, devido ao design das marcas d’água seguirem padrões decorativos presentes nos papéis identificados como italianos.

Os papéis da região da Ligúria

A maior parte dos papéis italianos identificados na amostra da pesquisa é proveniente da região da Ligúria, totalizando 164. Todos os papéis são da província de Gênova, sendo 15,85% deles produzidos em Voltri (26), 1,83% na comuna de Mele (3) e 82,32% não tiveram a comuna identificada a partir da bibliografia consultada (135).

Como mencionado anteriormente, Voltri, uma comuna localizada na costa italiana e com rios de águas caudalosas, destacou-se no cenário da produção de papel, especialmente devido às suas características geográficas e geológicas. Os moinhos papeleiros começaram a se instalar no final do século XV, sobretudo às margens dos rios Leira e Cerusa, utilizando como matéria-prima os trapos de linho e cânhamo. Em 1588, foram registrados quarenta moinhos de papel, sendo 16 em Gorsexio, 13 no vale do rio Leira e 11 no vale do rio Cerusa. Já em 1675, os edifícios dedicados à produção de papel em Voltri somavam cinquenta e, entre os séculos XVIII e XIX, as fábricas papeleiras cresceram para atingir 102 em 1851 e 160 em 1857 (Dellacasa, 2015).

Em Voltri se estabeleceu parte da família Quartino, conhecida desde o século XVI por ser construtora de navios e calafetadores (Gatti, 2016). Não se sabe ao certo quando a família iniciou no ramo da produção papeleira, no entanto há moinhos dos Quartini tanto na Ligúria quanto na Toscana. Dentre os produtores de papel conhecidos da família destacam-se Stefano, Fioretto, Federico e Giovan Battista, que utilizam a letra “Q” para identificar o papel de seus moinhos (Santos, 2015).

Na amostra coletada há nove in-fólios e dois fólios com a porção esquerda suprimida, contendo um brasão coroado com uma tarja central, em sentido descendente, com a inscrição “Libertas”, além dos monogramas “SQ” (seis papéis) e “GAQ” (cinco papéis) abaixo do brasão. O monograma “SQ” identifica a produção de Stefano Quartino, porém não encontramos o nome correspondente ao monograma “GAQ”, embora tais iniciais sejam apresentadas por Balmaceda (2016) como de produção da família Quartino.

Todos os papéis dos Quartini são de coloração creme e os in-fólios possuem dimensões médias e gramaturas muito semelhantes. A média total dos in-fólios é de 30,6 cm de altura e 42,5 cm de largura, com gramatura média de 78,4 g/m2, pontusais de 24 mm e vergaduras de 1 mm. Todos os papéis possuem distribuição homogênea das fibras e superfície lisa.

Outro produtor de papel de Voltri encontrado na amostra é G. B. Fabiani, com poucas informações acerca de sua produção. De acordo com Balmaceda (2016), o monograma “GBF” é de Fabiani. Ele aparece junto a duas marcas distintas da amostra: a primeira, presente em um in-fólio (doc 226), é uma marca complementar, apresentando o picador e o touro e, abaixo, as letras “GBF” formando um triângulo invertido; a segunda é uma marca d’água com o brasão de armas de Gênova e o monograma “GBF” na porção inferior, também disposto em um triângulo invertido. Apesar de não constituir um in-fólio, a contramarca principal relacionada a tal marca d’água é a inscrição “Fabiani”, encontrada em dois papéis. A composição do in-fólio pode ser observada no inventário de Balmaceda (2016), com a contramarca principal na porção direita do fólio.

Assim como os papéis da família Quartino, os de Fabiani são de coloração creme, com distribuição homogênea das fibras e superfície lisa. Há apenas um in-fólio de 30,6 cm de altura e 42,2 cm de largura. Os demais papéis (três unidades) são fólios com porções suprimidas, com altura média de ٣٠,٧ cm e largura média de ٢١,٣ cm. A gramatura média dos papéis Fabiani é de ٦٨,٩ g/m2, com pontusais de 24 mm e vergaduras de 1 mm.

A produção papeleira em Voltri ganhou grande destaque e despertou o interesse da família Dongo, da Lombardia, que se mudou para Gênova em 1375. Encabeçada por Bartolomeo, Giuseppe e Guglielmo, a família construiu, entre 1610 e 1630, uma vila papeleira no vale do rio Cerusa, chamada de San Bartolomeo delle Fabbriche (Dellacasa, 2015). A vila contava com um palacete, uma praça, uma igreja e não menos do que 19 moinhos de papel dispostos em cascata, ao longo de dois canais artificiais, de modo a aproveitar uma queda d’água de mais de cem metros, sendo 17 deles produtores de papel branco e dois de papel pardo (Fahy, 2004).

Devido aos investimentos da família Dongo na indústria papeleira na região da comuna de Voltri e, consequentemente, no desenvolvimento econômico da família e de San Bartolomeo delle Fabbriche, Bartolomeo e Guglielmo receberam, em 1629, o título de Liber nobitatis. Tal documento reconhece a posição socioeconômica de destaque de uma determinada família e lista os cidadãos elegíveis para fazer parte do conselho governante da República de Gênova (Camanjani, 1965). Guglielmo, o mais velho dos três irmãos, abriu uma loja com o objetivo de trocar papel e Bartolomeo, o fundador de Fabbriche, lutou pelo controle da produção e comercialização de papel na bacia do Mediterrâneo. Além da construção das fábricas de papel, no mesmo período Bartolomeo trabalhou no reforço de infraestruturas e canais de abastecimento de água, adquirindo também várias terras perto do Cerusa (Dellacasa, 2015).

De acordo com Santos (2015), a letra “D” como marca no papel é identificadora da produção da família Dongo. Balmaceda (2016) acrescenta a contramarca principal com a inscrição “S. Bartolomeo delle Fabbriche” também como uma identificação dos moinhos da família. Dentre os papéis inventariados para essa pesquisa, encontramos oito in-fólios com a contramarca principal “S. Bartolomeo delle Fabbriche”, na porção direita do fólio, e a marca d’água do brasão de armas genovês, com a inscrição que se assemelha à letra “J” e o número “6” disposta na porção inferior do brasão. Observamos, ainda, três fólios cuja porção direita foi suprimida, constando apenas a marca d’água com o brasão.

A utilização do símbolo que se assemelha a um “J” em papéis de proveniência italiana indica o plural de uma palavra, conforme pode ser visto nas marcas inventariadas por Balmaceda (2016), como para o plural da palavra figli (filhos, em português). Ao espelharmos a inscrição abaixo do brasão que acompanha a contramarca “S. Bartolomeo delle Fabbriche”, lemos, em vez do número 6, a letra “d” e o símbolo apontado, podendo ser essa outra indicação da família Dongo (“d” para Dongo e “J” para o plural).

Dentre os 11 papéis identificados de produção da família Dongo, apenas um deles apresenta a coloração azul clara, os demais são todos creme. Os in-fólios têm altura de 30,1 cm e largura de 42,1 cm, com gramatura média de 73,4 g/m2, com pontusais de 24 mm e vergaduras de 1 mm. A maior parte dos papéis (sete fólios) apresenta uma distribuição homogênea das fibras e uma superfície ideal para a escrita, porém, outros quatro papéis, incluindo o de coloração azul, não seguem a mesma qualidade.

Localizada a cerca de quatro quilômetros ao norte de Voltri, Mele é outra comuna produtora de papel desenvolvida também ao longo do rio Leira. De Mele encontramos dois produtores, Gerolamo Ghigliotti (um papel) e Giuseppe Picardo (dois papéis).

O papel de Gerolamo foi identificado pelas iniciais “GG” (Balmaceda, 2016), dispostas abaixo da composição de uma flor de lis coroada. O fólio, que teve sua porção direita suprimida, é de coloração creme, com distribuição heterogênea das fibras e superfície friável. O papel tem 31,5 cm de altura e 21,3 cm de largura, com pontusais de 23 mm e vergaduras de 1 mm, apresentando gramatura de 74,6 g/m2.

Já o papel de Giuseppe Picardo contém marcas d’água complementares: na porção esquerda do fólio, há um sol circunscrevendo as iniciais “NSDC” e o nome “Giuseppe” logo abaixo; na porção direita, observa-se o brasão “Libertas” e o nome “Picardo”. Na porção inferior direita, há o monograma “GP” como contramarca de canto. O outro papel de produção de Picardo apresenta apenas a porção direita do in-fólio, também acompanhado da contramarca de canto “GP”. Os papéis são de coloração creme, com distribuição homogênea das fibras e superfície lisa, com gramatura média de 85,6 g/m2. O in-fólio tem 30,5 cm de altura e 41,8 cm de largura, com pontusais de 2,4 mm e vergaduras de 1 mm.

Sabe-se que Giuseppe Picardo nasceu em Voltri, onde aprendeu o ofício de fazer papel. Construiu um moinho papeleiro em Mele em 175613 e há registros de que parte de seus descendentes migrou para a comuna de Fontana Liri, na região do Lácio, dirigindo a Cartiera Lucernari de 1838 a 1873.14 O moinho edificado por Picardo em Mele funcionou até 1985 e, em 1997, após iniciativas da administração municipal, foi inaugurado o Museu do Papel (Il Museo della Carta Mele), utilizando a infraestrutura do local. Atualmente, o museu está aberto e oferece visitas guiadas e oficinas, além de um curso de produção manual de papel.

Outros produtores tinham moinhos na República de Gênova, entretanto não temos dados específicos da localização dos moinhos ou pormenores das famílias ou da produção. A maior parte dos papéis pesquisados, correspondendo a 10,61% da amostra total, é de Andrea (ou António) M. Pollera,15 identificado com as letras “AP”. Observamos quatro tipos de marcas d’água desse fabricante, todas compostas por um brasão coroado acompanhado pelo monograma “AP” na porção inferior.

Observamos dois designs do brasão com a inscrição “Libertas” em uma tarja central, sendo 48 papéis com o design A e 21 com o desing B. Alguns contêm as letras do monograma “AP” unidas, porém há a variação das letras dispostas separadamente. As outras duas composições se assemelham aos designs A e B, porém a tarja central apresenta uma série de triângulos unidos. Há quatro papéis com o design C e um papel com o design D (Figura 4).


Figura 4 – Os quatro designs relacionados aos papéis identificados com as letras “AP”. Fonte: APM, CC, cx. 37, pl. 30.096, doc. 1; cx. 32, pl. 10.648, doc. 2; cx. 32, pl. 10.649, doc. 3; cx. 82, pl. 20.169, doc. 3

Encontramos 34 in-fólios de produção de Andrea (ou António) M. Pollera cuja altura média é de 30,8 cm e a largura de 42,6 cm. A gramatura média dos papéis é de 76,5 g/m2, com papéis que vão desde 53,5 g/m2 a 101,8 g/m2. A maior parte dos papéis é de coloração creme (58 unidades), porém há também papéis azul-claros (16 unidades). De maneira geral, o papel produzido por Andrea (ou António) M. Pollera possui distribuição homogênea das fibras e uma superfície lisa (77,1 %), própria para a escrita.

Ainda da família Pollera (Polleri, no plural) há papéis de produção de Pascuale Pollera e Nicolo Polleri. De acordo com Santos (2015), Pascuale Pollera foi o fundador da Fabrica Nova, um moinho estabelecido na República de Gênova, e utilizou a letra “P” para indicar sua produção. Santos chama ainda a atenção para as letras “GC” acompanhando a marca da Fabrica Nova, podendo “corresponder às iniciais de um arrematário dessa unidade papeleira ou às iniciais do nome do mestre papeleiro dessa mesma fábrica” (Santos, 2015, p. 55). Nesse caso, os papéis apresentam uma flor de lis na porção esquerda do in-fólio, acompanhada pelas letras “GC” e a inscrição “Fabrica” (quatro papéis, sendo 2 in-fólios). Na porção direita do papel há um escudo português e a inscrição “Nova”.16

Os papéis em formato in-fólio da Fabrica Nova possuem altura média de 30,9 cm e largura de 43 cm. A gramatura é de 81,4 g/m2, com pontusais distribuídos em 23 mm em média e vergaduras em 1 mm. Todos os papéis são de coloração creme, fibras distribuídas homogeneamente e superfície lisa.

Ainda de Pascuale Pollera observamos outros três papéis, dois com a marca d’água dos três círculos e um com um brasão incompleto, devido à configuração das dimensões do documento. Entretanto, todas as marcas acompanham o monograma “PP”, indicando a produção de Pascuale. Outro papeleiro da família é Nicolo Polleri. Encontramos apenas um in-fólio com a marca completa dos seus papéis, contendo uma flor de lis coroada e um sol com as iniciais “SNDB”, além do nome Nicole Polleri.

Outros cinco papéis apresentam a identificação de Nicolo Polleri, porém são fólios com porções suprimidas e, consequentemente, marcas incompletas. Há também a variação de uma espada acompanhando o nome “Polleri”, em vez do sol. Todos os papéis produzidos por Nicolo Polleri são de coloração creme, têm distribuição homogênea das fibras e superfície lisa. O tamanho do in-fólio é de 30,7 x 42,1 cm, com gramatura média de 64,1 g/m2, pontusais de 23 mm e vergaduras de 1 mm.

Encontramos também papéis de Stefano Patrone, identificados pelo monograma “SP” (Santos, 2015). São quatro designs de marcas que incluem o brasão “Libertas” (dois papéis); os três círculos, sendo um ladeado pelos grifos (um papel) e outro sem a presença dessa representação (um papel); e, por fim, uma flor de lis coroada (Figura 5). Todos os papéis são de coloração creme, com distribuição homogênea de fibras e superfície lisa. Os in-fólios (três unidades) têm altura média de 30,5 cm, largura de 42,0 cm, gramatura de 83,7 g/m2, pontusais de 24 mm e vergaduras de 1 mm.


Figura 5 – Exemplos de designs de marcas da produção de Stefano Patrone. Fonte: APM, CC, cx. 53, pl. 30.417, doc. 3; cx. 10, pl. 10.203, doc. 2; cx. 22, pl. 10.445, doc. 2

Como indica Santos (2015), Stefano Patrone “utiliza também os monogramas 'GBG', 'SADP', 'SPDA', 'SBP' e 'GPG' para identificar o seu papel”. Encontramos dois fólios com a porção esquerda suprimida, apresentando o brasão com a inscrição “Libertas” e as letras “GBG” na porção inferior, formando um triângulo invertido. Para os papéis identificados com o monograma “GBG”, a altura média dos fólios é de 30,1 cm, a largura é de 21,1 cm, com gramatura de 86,7 g/m2, pontusais de 28 mm e vergaduras de 1 mm. Todos os papéis são de coloração creme e superfície lisa.

Outra família de origem genovesa atuante na produção de papel é a Gambino, como Andrea e Bernardo, com moinhos no vale de Leira. Os Gambini utilizavam a forma de uma perna17 como marca de identificação da sua produção (Santos, 2015). A pequena perna, com a ponta do pé voltada para a direita, é incluída no círculo central da marca d’água. Os dois in-fólios contendo as marcas são de coloração creme, apresentam distribuição heterogênea das fibras, contudo possuem superfície lisa. A altura média dos in-fólios é de 31,0 cm, a largura é de 43,4 cm, com gramatura de 74,2 g/m2, pontusais de 25 mm e vergaduras de 1 mm.

Além dos documentos identificados pela presença da forma da perna, há 12 papéis (três in-fólios e nove fólios de dimensões diversas) com o desenho de uma figura humana masculina, fumando um cachimbo, segurando uma forma semelhante a um dragão e, na porção inferior, há o monograma “SG”. Balmaceda (2016) apresenta a combinação de letras “SG” como utilizada em papéis da família Gambino e, dessa forma, classificamos tais papéis como de origem de moinhos dos Gambini.

Assim como os outros dois papéis da família Gambino, esses in-fólios são de coloração creme, apresentam distribuição homogênea das fibras e superfície lisa. A altura média dos in-fólios é de 30,3 cm, a largura é de 42,6 cm, com gramatura de 77,3 g/m2, pontusais de 24 mm e vergaduras de 1 mm.

No universo da amostra foram ainda identificados três fabricantes de papel genoveses com seus nomes em suas marcas d’água, sendo eles “Porrata”, “Maineiro” e “Bernardo”. Entretanto, não foram encontradas informações a respeito de tais produtores, somente que seus moinhos são de origem genovesa (Balmaceda, 2016). Outros dez fabricantes genoveses utilizam em seus papéis monogramas integrados a marcas d’água e contramarcas principais ou compõem uma contramarca de canto.

Identificamos os papéis com a contramarca de canto “GBD” como de Giavanni Battista Deferrari, conforme consta no banco de dados de Balmaceda (2016), exibindo também as marcas complementares do touro e picador. Já o papel com a contramarca de canto “GMT”, disposta na porção inferior esquerda do fólio, e um brasão com uma ave ao centro foi identificado como de produção da família Testa. Entre tais papéis, notamos uma variedade de designs como a flor de lis coroada, o leão rampante (acompanhando ou não a flor de lis coroada), os três círculos, o galo, o brasão “Libertas”, o brasão de armas de Portugal e o brasão com um leão rampante ao centro.

Após as análises conduzidas, os papéis da Ligúria mostraram-se ser de boa qualidade, com apenas 23,17% deles com distribuição heterogênea das fibras e 9,38% com uma superfície irregular. A maior parte dos fólios é de coloração creme (144 papéis) e a minoria apresenta um tom azulado (vinte papéis). O tamanho médio dos in-fólios é de 30,6 cm de altura e 42,4 cm de largura. A gramatura média dos papéis é de 75,3 g/m2, com extremos de 60,9 g/m2 (doc 419, com papel de Nicolo Polleri)18 e 106,3 g/m2 (doc 685, com papel de Andrea M. Pollera). A medida média dos pontusais é de 25 mm e das vergaduras é de 1 mm.

Considerações finais

O papel é suporte de ideias, de pensamentos e base para a comunicação e, por muito tempo, foi quase o único meio físico que fez circular informações. No contexto da administração da capitania de Minas Gerais no século XVIII, o uso do papel, transformado em documento, se mostrou de grande importância para a manutenção das relações econômicas, políticas, sociais e culturais entre a Coroa e a capitania e também para as relações internas da própria capitania.

A partir de um sistema burocrático, circularam diversas espécies documentais, cada uma com características específicas, como solicitações, registros, atestados, requerimentos, cartas, ordens, entre outras. Atualmente, esses documentos administrativos são encontrados em instituições de guarda, como é o caso do Arquivo Público Mineiro, e podem ser consultados para a compreensão da história. Entretanto, grande parte dos pesquisadores que se debruçam sobre os documentos busca as informações escritas sobre o papel e ignora aquelas que o próprio documento traz quanto à materialidade. No decorrer desta pesquisa compreendemos como as marcas intrínsecas do papel, as técnicas e os materiais empregados, aliados ao levantamento de fontes, podem ser indicadores de proveniência.

Embora existam estudos que apontem a viabilidade de se identificar a proveniência dos papéis a partir das marcas d’água ‒ o que de fato se mostrou possível nesta pesquisa ‒, são poucos os resultados publicados e, na maioria das vezes, trazem apenas os desenhos das marcas, sem o nome do fabricante, do moinho ou do local de produção. Os bancos de dados disponíveis partilham o mesmo problema e tornam-se essencialmente bancos de imagens, com poucos metadados acompanhando a informação gráfica. Da mesma maneira, as informações sobre compras de papel na capitania de Minas Gerais encontram-se esparsas e decentralizadas, e são poucos os documentos acessíveis que tratam do tema.

Mesmo com as dificuldades encontradas e pouca informação, identificamos na amostra coletada um papel inglês, 21 franceses, 73 holandeses, 344 italianos e 122 possivelmente italianos. Os demais papéis, com algumas marcas que até figuravam nos bancos de dados, mas sem outras referências de proveniência, foram classificados como não identificados. Dessa maneira, destacamos aqui um campo de estudos carente de pesquisadores e que, aliado à disponibilização de tecnologias de análise de bens culturais, bem como à crescente formação acadêmica de novos profissionais com interesse na pesquisa dos elementos materiais da cultura, pode contribuir com o desvelamento de questões referentes aos modos de fazer papel, suas características e suas proveniências.

A maior parte dos papéis identificados na amostra é da família Pollera, papeleiros da Ligúria, contrapondo as afirmações de Barata (2017) e Balmaceda (2009) de que o papel mais comum importado por Portugal possuía a marca d’água “Gior° Magnani”. De fato, a família de Giorgio Magnani, estabelecida primeiramente na comuna de Luca e depois em Pescia, enviava grande parte de sua produção aos mercados do antigo império colonial português (Santos, 2015). No início do século XIX, os Magnani possuíam cinco fábricas de papel, incluindo a “Cartiera Al Masso” – um dos maiores empreendimentos construídos à época –, três para alugar e construíam mais uma, além de administrar uma gráfica e uma fábrica de seda. A importância dos Magnani é tanta que a empresa se tornou fornecedora de todos os escritórios estatais de todos os departamentos italianos e, em 1812, obteve autorização para fabricar papel com a marca d’água de Napoleão e Maria Luisa da Áustria.

Assim, é interessante retomar a discussão trazida para a pesquisa da cultura material em que se combina o estudo do próprio objeto com as fontes disponíveis. Essa combinação se mostrou muito útil para os documentos de arquivo aqui pesquisados, ainda mais devido à falta de fontes bibliográficas disponíveis que tratem, sobretudo, do comércio do papel na Era Moderna. Embora encontremos listas de compra de materiais de escrita, incluindo-se os papéis, relacionadas em livros de registro da capitania de Minas Gerais (Quintão, 2017), bem como recibos individuais de fólios adquiridos (Gonçalves, 2021), não há estudos sistematizados que desvelem as rotas comerciais do papel no século XVIII até a chegada para consumo na capitania de Minas Gerais. Essa lacuna do comércio de tal suporte é observada em diversos outros países, incluindo os europeus com tradição no campo do estudo da história do papel. Daniel Bellingradt, professor e estudioso na área, destaca a falta de pesquisas sobre o comércio mundial de papel na Era Moderna, dizendo que os historiadores raramente se interessam pelo assunto e que pouco se sabe sobre as redes de distribuição e logística, sobre os comerciantes e o volume desse comércio. Pesquisas contemporâneas a partir de estudos de casos, ainda que insuficientes, têm contribuído para preencher esse espaço, porém continuam centradas no continente europeu (Bellingradt; Reynolds, 2021).

A compreensão do fazer do papel de trapo foi determinante para a caracterização da documentação. Optamos por aprofundar o estudo quanto aos modos de fazer papel italiano, origem da maior parte dos fólios consumidos para a documentação administrativa estudada. A partir do estudo dos modos de fazer papel, entendemos que a combinação da matéria-prima (polpa, aditivos e substâncias para encolagem) e das habilidades específicas de cada trabalhador do moinho são determinantes para garantir a qualidade do produto final. Tal aspecto relaciona-se com o uso do papel. Assim, um bom papel para a redação de documentos administrativos deveria ser liso, claro, sem furos, com fibras homogeneamente distribuídas, bem encolado, não muito fino e não muito grande.

Destaca-se que outro produto deste estudo é o inventário das marcas d’água encontradas na amostra, constituindo um instrumento de pesquisa que contribui para o estudo da história do papel. A documentação visual das marcas e a utilização dos padrões propostos pela IPH para o preenchimento dos metadados apontam para uma sistematização da informação, vislumbrando a ampliação da pesquisa no futuro e a integração de inventários de outros pesquisadores. Dessa forma, esperamos que as informações possam ser compartilhadas entre os historiadores de papel e demais pesquisadores, criando subsídios para pesquisas futuras sobre o tema.

Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela bolsa concedida para a pesquisa.

Fontes

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Recebido em 27/3/2023

Aprovado em 18/5/2023


Notas

1 Fólio, conforme define Santos (2015), é uma folha de papel de formato variável, cujas faces se designam por frente e verso, podendo ser dobrada em dois (in-fólio), em quatro (in-quarto) ou em oito (in-oitavo). O fólio dobrado em dois também é chamado de bifólio.

2 Este artigo é resultado de uma tese (Gonçalves, 2021), disponível no Repositório da Universidade Federal de Minas Gerais em https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/36332.

3 O inventário também está no sítio eletrônico do Arquivo Público Mineiro. Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/fundos_colecoes/brtacervo.php?cid=12. Acesso em: 27 fev. 2023.

4 Trata-se de uma amostragem não probabilística, em que os elementos estão acessíveis. Ou seja, os objetos são selecionados porque eles estão prontamente disponíveis, não porque eles foram selecionados por meio de um critério estatístico.

5 Padrão internacional para registrar papéis com ou sem marcas d’água (tradução da autora).

6 A escala QPcard 101 é uma cartela de referência cromática com três tons de cinza para definição do balanço de branco e escala dimensional para auxiliar na documentação e tratamento de imagens de objetos.

7 No molde do fólio de papel, o conjunto de fios horizontais estreitamente paralelos é chamado de vergaduras e esses descansam sobre o conjunto de fios verticais mais espaçados, chamado de pontusais. As distâncias entre pontusais e vergaduras normalmente variavam de um fabricante para outro, imprimindo nos papéis características que poderiam diferenciar os moinhos de papel.

8 The Memory of Paper Catalogue. Disponível em: https://www.memoryofpaper.eu. Acesso em: 27 fev. 2023.

9 Banco de dados de filigranas. Disponível em: http://www.cahip.org/. Acesso em: 27 fev. 2023.

10 O catálogo pode ser consultado em: https://www.memoryofpaper.eu/apm/apm.php?nr=1. Acesso em: 27 fev. 2023.

11 Fabriano é conhecida também pelo trabalho de seus ferreiros. No brasão de armas da comuna há a figura do ferreiro em uma ponte sobre o rio com a seguinte frase: “Faber in amne cudit cartam olim undique fudit”, que, em tradução livre, diz: “O ferreiro no rio bate em papel espalhado por toda parte”, destacando também a produção de papel.

12 Conforme a numeração atribuída durante a pesquisa.

13 Museo della Carta Mele, disponível em: https://www.museocartamele.it/. Acesso em: 27 fev. 2023.

14 Centro Documentazione e Studi Cassinati, disponível em: https://www.cdsconlus.it/index.php/2016/09/24/la-cartiera-piccardo-di-fontana-liri1/. Acesso em: 27 fev. 2023.

15 Enquanto Santos (2015) cita o nome de António M. Pollera como aquele que utiliza o monograma “AMP” (p. 53) e “AP” (p. 91), Sabbatini (1988) destaca que há outro representante da família Pollera, Andrea Maria Pollera, que também se identifica com o monograma “AP” (p. 98). Dessa forma, não foi possível identificar o primeiro nome deste fabricante.

16 O mesmo esquema de distribuição de marcas pode ser visto na marca inventariada por Santos (2015, p. 102), sob o número MJ 172 z1 e MJ 172 z.

17 A tradução da palavra “perna” em italiano é “gamba”, que faz alusão à família Gambino.

18 Foram desconsiderados os papéis extremamente deteriorados, com grandes prejuízos de suporte, uma vez que a perda de matéria influencia no peso final do papel e, consequentemente, no cálculo da gramatura.



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