Acervo, Rio de Janeiro, v. 37, n. 1, jan./abr. 2024

Artigos Livres

A Revista Feminina (1914-1930) em perspectiva

o uso da imprensa e dos arquivos para pensar a história das mulheres

Revista Feminina (1914-1930) in perspective: the use of the press and archives to think about women’s history / Revista Feminina (1914-1930) en perspectiva: el uso de la prensa y los archivos para reflexionar sobre la historia de las mujeres

Daniela Oliveira Ramos dos Passos

Doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora adjunta da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação e Formação Humana da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Brasil.

ddanipassos@gmail.com

Rayane Silva Guedes

Mestra em Educação pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Brasil.

rayanesguedes15@gmail.com

RESUMO

Este trabalho objetiva investigar como as edições da Revista Feminina contribuíram para a identificação da representação das mulheres na imprensa. Para tanto, recorremos aos referenciais teóricos de pensadoras que discutem a questão de gênero, em diálogo com Arlette Farge (2009) e Jacques Derrida (2001) para contribuir com os debates sobre as fontes históricas via arquivo. Considerando a relevância da história das mulheres, realizamos uma análise documental nas edições da revista.

Palavras-chave: imprensa feminina; história das mulheres; arquivo.

ABSTRACT

This paper aims to investigate how the editions of Revista Feminina contributed to the identification of the representation of women in the press. To this end, we resorted to the theoretical references of thinkers who discuss the gender issue, in dialogue with Arlette Farge (2009) and Jacques Derrida (2001) to contribute with the debates on historical sources via archive. Considering the relevance of women’s history, we conducted a documentary analysis on the editions of the magazine.

Keywords: women’s press; women’s history; archive.

RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo investigar cómo las ediciones de la Revista Feminina contribuyeron a la identificación de la representación de las mujeres en la prensa. Para ello, recurrimos a las referencias teóricas de pensadores que discuten la cuestión de género, en diálogo con Arlette Farge (2009) y Jacques Derrida (2001) para contribuir con los debates sobre fuentes históricas vía archivo. Considerando la relevancia de la historia de las mujeres, realizamos un análisis documental sobre las ediciones de la revista.

Palabras clave: prensa femenina; historia de las mujeres; archivo.

Introdução

A pesquisa apresentada neste artigo tem por objetivo investigar como os números da Revista Feminina (1914-1930) contribuíram para a identificação da representação das mulheres na imprensa, de modo a compreender como elas eram referenciadas e representadas pelo impresso. Tal investigação se mostra relevante, especialmente pela dificuldade de encontrar registros que permitam evidenciar a presença e o protagonismo das mulheres, apesar de, no recente período, avançarem as pesquisas no campo da história das mulheres.1

Deste modo, a Revista Feminina, como principal periódico escrito por mulheres naquela época, é um material rico para análise da elaboração de uma imprensa feminina no país. Além de evidenciar a necessidade de debate sobre a relação entre os arquivos e a constituição de uma história das mulheres. Tal como dissertam Ana Simioni e Maria Eleutério (2018), os arquivos são constituídos a partir de escolhas que delimitam o que deve ser preservado, quais histórias devem ser contadas e aquilo que deve ser silenciado e/ou apagado. Por isso, não devemos conceber a existência de um arquivo a partir de uma falsa neutralidade, pois é, antes, preciso reconhecer a ausência de outras fontes, documentos, sujeitos e grupos que não são representados. Podemos ainda dizer que as hierarquias sociais, como apontam as autoras, também estão presentes nesses arquivos.

A ausência de documentos relacionados à história das mulheres também é afirmada por Michelle Perrot (2017), que demonstra como a história privilegiou narrativas masculinas. Para se escrever a história, são necessárias fontes, documentos, vestígios, e isso é uma dificuldade quando se trata da história das mulheres. A presença feminina é quase sempre apagada; seus vestígios, efeitos, seus arquivos, enfim, destruídos. Há um déficit, uma falta. A gramática é masculina (se misturamos os gêneros, temos eles). As estatísticas são assexuadas (a sexuação das estatísticas é recente, datando de meados do século XX, tendo sido demandada por pesquisadoras do trabalho feminista). Pelo casamento, as mulheres perdiam os sobrenomes, o que dificulta reconhecer linhagens femininas. Todos esses fatores concorrem para a destruição da memória feminina (Perrot, 2017).

No Brasil, a primeira fase do movimento das mulheres teve como foco a luta pelos direitos políticos, o que promoveu conquistas no ano de 1932, e teve como principal nome de liderança Bertha Lutz.2 Mesmo assim, é possível identificar diferentes vertentes do movimento no início do século XX, entre elas as manifestações da imprensa feminina alternativa – apresentando como pauta, além dos direitos políticos, a educação feminina e a presença das mulheres no mundo público – e o movimento das trabalhadoras que lutavam pelo fim da dominação de forma ampla e tinham como ideologias o anarquismo e o comunismo (Pinto, 2003). Tal contexto impactou de forma direta a produção da Revista Feminina, assim como o aumento potencial das publicações brasileiras, a partir do século XX, também proporcionou diferentes possibilidades para o periódico, como delimita Virgínia Mancilha (2012). Apesar dessa situação, as mulheres negras, após 1888, continuaram trabalhando nos setores mais desqualificados, recebendo salários baixíssimos e péssimo tratamento. Além de serem apresentadas na documentação disponível como figuras extremamente rudes, bárbaras e promíscuas, destituídas, portanto, de qualquer direito de cidadania, o que nos indica que nem todas as mulheres eram representadas de igual forma.

Assim, é possível fazer um caminho “inverso” com a delimitação de quais mulheres são representadas e identificar quais não são, ou mesmo aquelas que são apresentadas em oposição às expectativas do “padrão” normalizado na sociedade idealizada do período e elencadas no e pelo arquivo. Para isso, realizou-se uma análise documental das edições da Revista Feminina entre os anos de 1914 e 1930, que se encontram no Arquivo Estadual de São Paulo (Aesp), na Biblioteca da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e na Hemeroteca Digital (tanto o acervo do Aesp como o da Biblioteca da Unesp estão também no formato digital, com acesso on-line).3

Metodologicamente, a pesquisa se articulou em duas partes: a primeira, empírica, consistiu na consulta, na transcrição das fontes documentais e na coleta de dados. Na segunda parte, analítica, o trabalho foi de sistematização e análise dos dados. Concomitantemente, foram analisados os artigos da Revista Feminina de 1914 a 1930 com recorte das ilustrações, das propagandas e das descrições veiculadas.

Para apresentar a pesquisa desenvolvida, dividimos este artigo em duas partes. Primeiro, apresentamos a revista e os elementos que nela se destacam. Em seguida, abordamos os dados coletados e a análise da Revista Feminina, considerando a constituição dos arquivos e a elaboração do campo da história das mulheres, elementos fundamentais para compreender suas representações.

Revista Feminina: a construção de um modelo feminino

A Revista Feminina era de propriedade da Empresa Feminina Brasileira, que fabricava e comercializava produtos destinados às mulheres. Discutindo temas como o “papel da esposa”, “educação das crianças” e “identidade feminina”, a revista se propunha a tratar de assuntos relativos ao papel social da mulher. Em alguns momentos, preocupava-se com a questão do voto feminino e a possibilidade de trabalho fora do lar em profissões como magistério, medicina e jornalismo. Em outros, discutia as obrigações da mulher como esposa e mãe perfeitas. Como diretora-proprietária, destaca-se o nome Virgilina de Sousa Sales (1914-1919) e, posteriormente, de Avelina de Sousa (1919-1926).

Os exemplares da revista que circularam entre as décadas de 1910 e 1930 são, ao mesmo tempo, fonte e objeto de análise. Em conjunto, demonstram que a revista teve um importante papel na formação de um espaço público e literário relacionado às lutas femininas. As reivindicações pelo direito ao trabalho, ao voto e à instrução eram bandeiras defendidas pelas mulheres desde os anos 1870, adquirindo maior visibilidade a partir da primeira década republicana. Portanto, a Revista Feminina, no início do século XX, ampliava o alcance dessas demandas sociais, ao mesmo tempo em que fortalecia o movimento feminista e de gênero no Brasil daquela época (Mancilha, 2012).


Figura 1 – Capa da revista A Luta Moderna, ano 1, número 7, dezembro de 1914

A Revista Feminina, fundada em 1914 sob o nome de A Luta Moderna (Figura 1), teve como público-alvo, inicialmente, a elite paulistana e, mais adiante, conquistou alcance nacional, apesar de o periódico ser confeccionado na capital paulista. A revista era dirigida por Virgilina de Sousa Sales e tinha o apoio moral e financeiro do seu esposo, João Sales, e do escritor e dramaturgo Cláudio de Sousa, irmão de Virgilina, figuras de destaque da tradicional elite paulistana. Em janeiro de 1915, a publicação passou a se chamar Revista Feminina, título que iria manter até 1936, quando João Sales vendeu o periódico. De acordo com Sílvia Maria Azevedo (2020), enquanto circulou sob o título de A Luta Moderna, não passava de um pequeno folheto de conteúdo que se dizia “apolítico”, no formato de um jornal quinzenal de quatro páginas e com matérias bastante diversificadas. Porém, ao receber a denominação de Revista Feminina,

torna-se empreendimento de distribuição mensal, voltado exclusivamente aos interesses femininos, representados, sobretudo, pelas mulheres das classes média e alta. Porta-voz das causas femininas, ainda que em tom moderado, em um momento em que o movimento feminista já se fazia ouvir em várias partes do mundo, nem por isso a Revista Feminina ficou imune à influência da Igreja, contando com a participação de intelectuais católicos no seu quadro de colaboradores. (Azevedo, 2020, p. 124)

Além disso, ainda de acordo com Sílvia Maria Azevedo (2020), em 1916, a Revista Feminina contava com quase cem páginas de texto, cerca de duzentas ilustrações e uma tiragem de quinze a vinte mil exemplares. As sucursais e agências filiadas à revista mantinham extensa rede de distribuidores por vários estados (Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte), além de pequenas agências que atuavam a fim de angariar assinaturas e atrair colaboração feminina, com sedes em Manaus, Belém, Salvador, Fortaleza, Corumbá, Belo Horizonte, Niterói, Campinas, Curitiba e Florianópolis. “A ajuda e a influência de Cláudio de Sousa foram decisivas no sentido de promover a circulação da Revista Feminina ao reunir mais de sessenta mil endereços por todo o território brasileiro e enviar, gratuitamente, trinta mil exemplares com o objetivo de angariar assinaturas” (Azevedo, 2020, p. 124).

Ao longo de suas edições, a revista adotou uma estrutura organizacional que se concentrava, principalmente, em seções, incluindo “Menu do marido”, “Moda” (até 1926) e “Modas e elegância” (a partir daquele ano), bem como “Trabalhos femininos”, “Como enfeitar minha casa” e “Jardim fechado” (1917-1927). As leitoras da Revista Feminina desempenharam um papel fundamental na produção da publicação. Em primeiro lugar, o engajamento delas na assinatura da revista foi crucial para o grande alcance do periódico. As primeiras edições eram distribuídas gratuitamente, porém, mais tarde, a revista contou com as chamadas “embaixatrizes” para ampliar sua circulação, como exemplifica a Figura 2. Essas mulheres desempenhavam um papel importante na promoção e disseminação da revista entre o público feminino. Além disso, a seção “Jardim fechado” proporcionou um espaço significativo para o envolvimento das leitoras. Neste espaço, elas podiam escrever sob pseudônimos, contribuindo com contos, poesias e notas. Essa participação ativa permitiu que as leitoras compartilhassem suas próprias vozes e perspectivas na revista, tornando-a mais inclusiva e relevante para a comunidade feminina da época. Isso também fortaleceu o senso de comunidade entre as leitoras e aumentou o interesse pela revista, tornando-a verdadeiramente interativa e envolvente.


Figura 2 – Seção “As nossas embaixatrizes”, Revista Feminina, ano 1, número 138, novembro de 1925

Como expectativa de envolvimento e instrução da elite paulistana, a revista tinha influência nacionalista, católica, em defesa da moral, como delimita Sandra Lima (2007). Entretanto, Virgínia Mancilha (2012) atenta para elementos outros que permitem identificar, a partir da leitura do periódico, a luta pelo trabalho, pela educação e pelo direito ao voto. De acordo com Dulcília Buitoni, a publicação teria sido a primeira grande revista feminina brasileira.

O nome não podia ser outro: Revista Feminina, fundada por uma mulher, Virgilina de Sousa Sales, de tradicional família paulista. Surgiu em julho de 1914, e circulou durante 22 anos, até 1936. Essa publicação foi o exemplo mais perfeito da vinculação imprensa/indústria/publicidade, pois deve sua existência a uma bem-montada sustentação comercial, hoje ingênua, mas muito eficaz na época. (Buitoni, 1986, p. 43)

Vale destacar que, embora houvesse muitas publicações para o público feminino no Brasil desde o século XIX, a Revista Feminina afirmava se espelhar nas publicações estrangeiras do gênero. É significativo o número de artigos traduzidos de revistas francesas e estadunidenses, assim como a publicação de textos oriundos de periódicos portugueses. E, de modo similar ao caso das revistas francesas, que lhe serviam de inspiração, a Revista Feminina buscou influenciar e moldar uma imagem da mulher moderna, prescrevendo comportamentos de acordo com a tradição, mas também apresentando algumas ideias diferentes, como as questões acerca do trabalho, do voto, da posição das mulheres na política, dos lugares ocupados por elas na sociedade e no lar (Nardini, 2022).

Esses elementos evidenciam a relevância desse arquivo para pensar as representações das mulheres nesse período. Hoje em dia, contar a história das mulheres soa como evidente, pois uma história “sem mulheres” parece algo impossível. No entanto, até meados do século XX, isso não era uma realidade. A escrita da história tem sido um privilégio dos homens. Foram eles que decidiram quais aspectos do passado deveriam ser registrados, que tipo de histórias vale/valeria a pena investigar ou quais indivíduos mereciam a atenção dos/as pesquisadores/as. As mulheres tiveram pouca ou nenhuma participação nesse processo. Felizmente, como mencionado, isso vem mudando, não de forma gratuita ou fácil, mas como uma conquista resultante das lutas dos movimentos sociais ao longo do século XX.

Além disso, desde a década de 1960, têm ocorrido mudanças metodológicas no campo da historiografia devido ao surgimento de novas correntes de pensamento. Os movimentos operários, ideológicos e de luta pelos direitos civis tinham uma participação significativa de mulheres, que por vezes ocupavam posições de liderança. Essas transformações têm favorecido uma revisão crítica da história tradicional, possibilitando que as experiências das mulheres sejam reconhecidas e registradas na narrativa histórica de maneira mais justa.

O advento da história das mulheres deu-se na Grã-Bretanha e nos EUA nos anos de 1960 e França uma década depois. Diferentes fatores imbricados – científicos, sociológicos, políticos – ocorreram para a emergência do objeto “mulher”, nas ciências humanas em geral e na história em particular. (Perrot, 2017, p. 19)

Escrever uma história das mulheres é, de fato, um desafio complexo. O fenômeno do feminismo desperta opiniões apaixonadas e militâncias por vezes extremas. Desde suas primeiras manifestações, ainda no século XIX, o movimento feminista foi notavelmente singular, pois propunha ações revolucionárias partindo das mulheres e desafiava a ordem conservadora que excluía as mulheres do mundo público (Pinto, 2003). Por isso, nesse trabalho foi necessário atentar para não cairmos em anacronismos, como preveem a história cultural e a história social do trabalho.

Outro aspecto que também dificulta a pesquisa e a escrita sobre o movimento feminista é a sua amplitude, diversidade e, ao mesmo tempo, fragmentação, com múltiplas manifestações ao longo do tempo e em diferentes contextos. Reconstruir essa história abrange desde grandes manifestações públicas até reuniões privadas em casas de intelectuais, o que torna a tarefa desafiadora, inclusive pelos diversos posicionamentos que circularam na revista, neste caso.

Desde os primórdios da Revolução Francesa (1789), é possível identificar mulheres que de forma mais ou menos organizada lutaram por seu direito à cidadania, a uma existência legal fora de casa, único lugar em que tinham algum tipo de reconhecimento como esposas e mães. Fora dos limites da casa restavam-lhes a vida religiosa ou a acusação de bruxaria. Na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX as lutas e manifestações esparsas cederam lugar a uma campanha mais orgânica pelos direitos políticos de votarem e serem votadas. O movimento sufragista se espalhou pela Europa e Estados Unidos, construindo a primeira vaga de feminismo organizado no mundo. (Pinto, 2003, p. 13)

Em Um teto todo seu, a escritora Virginia Woolf faz referência à dificuldade de encontrar obras literárias produzidas por mulheres nas prateleiras das bibliotecas universitárias inglesas. Isso contrasta com a abundância de livros escritos por homens, muitos dos quais tinham as mulheres como temas ou objetos de suas obras. A ausência de vestígios das contribuições das mulheres não se limita apenas aos materiais impressos e bibliotecas, mas também se estende aos arquivos históricos, nos quais com frequência elas são sub-representadas ou apagadas.

A mulher nunca escreve sobre a própria vida e raramente mantém um diário; restou apenas um punhado de suas cartas. Não deixou peças de teatro ou poemas pelos quais possamos julgá-la. O que se quer, pensei [...], é um grande número de informações: com que idade ela se casou; cerca de quantos filhos tinha; como era sua casa; teria ela um espaço só seu; ela cozinhava; era possível que tivesse uma empregada? Todos esses fatos jaziam em algum lugar, presumivelmente nos registros paroquiais e livros do cartório; a vida da mulher elisabetana comum deve estar espalhada por aí, em algum lugar, para ser recolhida e transformada em um livro [...]. (Woolf, 2014, p. 68)

Por isso, o arquivo da Revista Feminina se mostra tão valioso para identificar os principais debates e protagonismos femininos da época, assim como a produção literária feminina do momento. Por exemplo, na edição de janeiro de 1920, n. 68, é possível perceber tensões que perpassam o discurso da revista. Anna Rita Malheiros disserta no editorial sobre como as referências estrangeiras teriam adentrado a moda brasileira e estariam corrompendo as mulheres: “Expulsemos de nosso seio aquela gente que não é mais brasileira, porque a alma brasileira é a que vive no nosso interior, immune ao contágio das depravações e dos vícios que os transatlânticos veiculam com os germens de outras pragas” (n. 68, 1920, p. 11). Ao passo que Andradina de Andrada e Oliveira4 escreve chamando as mulheres a “juntar suas vozes” para defender o retorno de Isabel de Bragança:

Mulher e patriota tenho o direito de vos falar. Depois que a Inglaterra, a Islândia, os Estados Unidos, o Canadá, a Alemanha, a Itália, a Dinamarca, a Holanda, a Suécia, a Noruega, a Polônia, a Áustria, a Boêmia, a Rússia, a Hungria, a Transilvânia, a Finlândia, a Bessarabla, a Austrália, a Espanha reconheceram a igualdade da mulher, com mais desassombro, a emancipar de toda a nossa pena (que se era forte parecia a pena de um homem), nós, escritoras brasileiras, nos pusemos a dizer verdades fortes, ouvidas com respeito pelos representantes do sexo forte. É que está mais que provado termos melenas e ideias compridas. (Oliveira, 1920, p. 22)

Esse elemento, independentemente das motivações, demonstra um debate feminista (mesmo que não revolucionário) em defesa da participação social da mulher. Em outra seção desta mesma edição, “Rio Grande do Norte: a escola doméstica”, é apresentado o discurso do dr. Oliveira Lima, paraninfo de uma turma que se formava na “escola doméstica” de Natal (RN). Nesse texto, Oliveira Lima defende que as mulheres têm uma inclinação às atividades domésticas, mas que esta não é exclusividade do sexo feminino. Além disso, afirma que “não é mais lícito pôr em dúvida a energia da mulher, que na crise por que acaba de passar o mundo não só fabricou munições de guerra como soube usá-las, exercendo o único ofício que lhe parecia vedado, que era o de soldado” (1920, p. 17), e ainda que já na Inglaterra se discutia a presença da mulher no sacerdócio. Nesse excerto, Oliveira exalta a necessidade de uma educação voltada para as mulheres, critica o analfabetismo e se postula favorável ao voto feminino.

É importante afirmar que, de acordo com Cynthia Greive Veiga (2017), desde os primeiros impressos femininos surgidos no Brasil, é possível identificar ambiguidade de conteúdo, ora exaltando o suposto lugar natural da mulher no comando dos afazeres do lar, ora condenando a submissão aos homens e incentivando a participação na política.

Um destaque interessante a ressaltar é que Anna Rita Malheiros, a editora, segundo Sandra Lima (2007), era o pseudônimo de Cláudio de Sousa, irmão de Virgilina de Sousa Sales, de acordo com declarações de Avelina (filha de Virgilina), que passou a escrever crônicas sob pseudônimo feminino do ano de 1918 até por volta de 1922. Nos textos escritos por Cláudio, vulgo Anna Rita, existem afiadas críticas sociais, análises sobre acontecimentos políticos, um forte posicionamento sobre o lugar da mulher na sociedade, dando um tom de pensamento “feminista cristã”. Esse elemento também demonstra que o arquivo não é simples; ele detém de tudo um pouco (ou o pouco de muito) e pode se contradizer ou mesmo deixar de dizer algo. Ele pode levar quem tenta desvendá-lo por lugares ambíguos. Por isso, a necessidade de olhá-lo cada vez mais de perto, de experimentá-lo com sensatez, a ponto de saber distinguir as condutas ditas masculinas e femininas, para então saboreá-lo (nos dizeres de Farge, 2009) em sua plenitude. Mas nunca de forma definitiva, pois em um outro arquivo ou em um outro documento podem surgir novos detalhes, modificando, assim, toda a lógica da pesquisa.

Cabe dizer que, através dos séculos, o uso de pseudônimos masculinos por mulheres foi uma prática frequente, devido ao preconceito que escritoras sofriam, facilitando a aceitação e a publicação de seus textos. Mas o uso de um pseudônimo feminino por um homem é algo incomum e diz muito sobre a pretensão da publicação de ser uma revista para mulheres e escrita por mulheres. De acordo com Giovanna Nardini,

Como as crônicas de Anna Rita Malheiros ocupavam geralmente as primeiras páginas, acreditamos que a presença de um autor homem logo no início, em uma página de destaque, poderia gerar desinteresse e desconfiança nas leitoras, um dos possíveis motivos que levaria à utilização desse pseudônimo. Embora o conteúdo apresentado se pretendesse feminista, seguia a tendência dos outros textos, sempre dentro dos costumes e incentivando o feminismo católico e a importância da família. Podemos pensar em duas hipóteses: a de um homem que, assim como tantos, queria se impor sobre as mulheres, ou a de um escritor que escrevia aquilo que julgava ser do gosto das leitoras e apropriado à sua leitura. Fato é que se tratava de um autor talentoso, que conseguiu se passar por uma mulher durante muitos anos, caindo no gosto das leitoras. (2022, p. 24-25)

Acreditamos que esse elemento representa uma ruptura com o discurso da revista que teve ao longo de suas edições um homem “dando o tom” do periódico. Mesmo assim, apresentava um conteúdo bem variado, tendo sessões fixas que abrangiam questões como política, feminismo, trabalho e estudos femininos, passando por roteiros de viagens, moldes de roupas, receitas culinárias e cuidados com o lar. Ainda segundo Giovanna Nardini (2022), em quase todo o periódico é possível encontrar recomendações e prescrições em relação à vida das mulheres, seus comportamentos e ideias.

De acordo com as novas possibilidades de pesquisa, o reconhecimento da imprensa como importante fonte histórica tem nos ajudado a resgatar momentos passados do cenário da vida cotidiana feminina. A imprensa registra, comenta, forma opiniões, distrai; através de suas palavras e imagens reencontramos valores e comportamentos perdidos. A consciência dessa riqueza documental fez aumentar a quantidade de estudos que usam a imprensa como suporte. Já na primeira metade do século XIX, surgiram no Brasil periódicos voltados para as mulheres, em atitudes de corajoso desafio ao alto grau de analfabetismo da sociedade brasileira, especialmente desse grupo. Avançando no século XX, as mulheres passaram a ocupar um espaço maior nas matérias e propagandas das revistas de grande circulação. É nesse cenário que surge a Revista Feminina (Lima, 2007).

A Revista Feminina, publicação “escrita” e dirigida por mulheres, inteiramente voltada ao público feminino, criada no início do séc. XX (1914-1936), não foi uma iniciativa pioneira na imprensa brasileira. Corajosas precursoras, mais ousadas em suas denúncias ou conformadas com a condição que a sociedade lhes impunha, já haviam aberto caminho. No entanto, a Revista Feminina veio ocupar um espaço importante no variado e numeroso universo de publicações de revistas da época. (Lima, 2007, p. 225)

Além disso, esse reconhecimento da imprensa deve levar em consideração o contexto de produção, pois os jornais e revistas não são obras solitárias, mas

empreendimentos que reúnem um conjunto de indivíduos, o que os torna projetos coletivos, por agregarem pessoas em torno de ideias, crenças e valores que se pretende difundir a partir da palavra escrita [...]. Daí a importância de se identificar cuidadosamente o grupo responsável pela linha editorial, estabelecer os colaboradores mais assíduos, atentar para a escolha do título e para os textos programáticos, que dão conta de intenções e expectativas, além de fornecer pistas a respeito da leitura de passado e de futuro compartilhada por seus propugnadores. (Luca, 2020, p. 140)

As revistas femininas tiveram um papel crescente nos séculos XIX e XX. De acordo com Michelle Perrot (2017), os patrocinadores procuraram, principalmente, captar consumidoras potenciais, guiar seus gostos e suas compras. Na Revista Feminina, é claro que a indústria dos cosméticos, das artes domésticas, visava às mulheres mais “sofisticadas”. Porém, para além das promessas advindas das propagandas, havia editoriais que pretendiam educar a mulher para ser uma boa mãe, esposa, dona de casa. E, ainda, alguns textos que podemos considerar mais “libertinos”, como determinados editoriais sobre o direito ao voto, sobre a guerra ou mesmo sobre mulheres escritoras. Mas, em linhas gerais, o pensamento da revista girava em torno do aperfeiçoamento da mulher – dentro de um contexto da vida privada – e, consequentemente, a educação dos filhos e o cuidado com o lar e sua própria beleza física.

Representações femininas: presenças e ausências no arquivo

E os arquivos? O que eles podem nos dizer sobre a história das mulheres? Organizar arquivos, conservá-los e guardá-los supõe certa relação com a memória dos lugares e das pessoas, além, é claro, das relações de poder que envolvem esses arquivamentos. Michelle Perrot (2017) nos diz que, infelizmente, as perdas, destruições e até mesmo a autodestruição eram/são muito frequentes quando se diz dos arquivos femininos. Os/as descendentes pareciam se preocupar muito mais com a memória dos homens da família do que com a das mulheres. No caso da autodestruição de possíveis fontes de pesquisa, as mulheres a praticavam muito por conta do medo e do risco que seus diários e/ou cartas pudessem atentar contra sua honra, destruindo assim relatos de emoções, esperanças, sofrimentos e histórias. Por isso, também, a análise da revista possui desafios, até mesmo identificar as autorias, que muitas vezes eram representadas por pseudônimos, e reconhecer quem foram as escritoras desses artigos, em alguns casos, é irrealizável.


Figura 3 – Capa da Revista Feminina, ano 2, número 1, janeiro de 1915

Porém, quando esses traços da memória são guardados, arquivados, nesses lugares de história, então, poderemos encontrar as mulheres. Além do espaço privado, elas também estão nas ruas, participando de forma espontânea (ou não) nas atividades da vida urbana. Localizá-las nos arquivos pode ser até acessível, já que, como diz Arlette Farge (2009, p. 38), elas estão “nos edifícios, mercados, feiras [...] são migrantes, como o homem, ela vem do campo, sozinha ou acompanhada, e procura se estabelecer tomando conta da cidade e seus bairros”. E no caso da Revista Feminina não é diferente, especialmente no que tange ao “Jardim fechado”, seção fixa mensal, que circulou de 1917 a 1927, e incentivava as leitoras à escrita. Nesta seção, apenas as assinantes podiam publicar poemas, contos, notas, entretanto, o espaço permitia a troca de mensagens e até mesmo debates políticos entre as leitoras e escritoras, se fazendo também a própria revista um espaço público de compartilhamento de experiências.

Nesse sentido, podemos pensar a relação entre passado e presente via arquivo. E, apesar da noção de arquivamento, de Jacques Derrida (2001), que é marcada por um poder presente nas mãos do arquivista, da perspectiva da história cultural com esses arquivos constituídos é possível, sem anacronismos, relacionar a trajetória das mulheres e sua escrita ao longo do tempo. Quanto ao processo de arquivamento, o arquivista, mais do que possuir tal “objeto”, tem uma autoridade hermenêutica. Interpretar, reunir, classificar, ordenar, preservar eram algumas das atribuições do arkhê,5 espécie de “casa-guardião” que representava e fazia a lei. Além disso, o arquivamento pode vir como um sintoma, um desejo de lidar com a memória e a preservação de algo. Vê-se assim que o poder é inerente ao arquivo. Ele é alvo de disputas constantes: quem o concebe, quem o narra, onde se aloca, que história conta(m)?

No que diz respeito às mulheres, Arlette Farge, em seu livro O sabor do arquivo, destaca a “presença delas” nesse espaço. Ela enfatiza que o “arquivo fala das mulheres” e em muitos casos “as faz falar”. Porém, é preciso um exercício quase hercúleo para recuperar essas vozes: é necessário “recuperá-la como quem recolhe uma espécie extinta, uma flora desconhecida, fazer seu retrato como quem repara um esquecimento, denunciar seu vestígio como quem exibe uma morta [...] tornar visível a mulher quando a história se abstinha de vê-la” (2009, p. 37).

Fato é que, a partir da história cultural, da história social e da nova história,6 pensar a história das mulheres passou a ser algo quase emergencial. E nesse sentido, as fontes dizem muito desse novo cenário de pesquisa. Não apenas os documentos ditos “oficiais” serão analisados. Mas também jornais, revistas, cartas, diários, relatos de vida, biografias, narrativas, literatura, entre outros. Há uma diversidade de potenciais fontes documentais e/ou orais para se pensar os estudos sobre o universo feminino e suas relações com a história.

E essa vasta opção de fontes levou também a desfazer a ideia de que somente o que estava em âmbito público ou sob o viés do Estado era algo a se escrever/pesquisar. Com o advento da história das mulheres, a história da vida privada também entra em cena. E pelo seu caráter privado, essas fontes são quase que “mosaicos”, quebra-cabeças a serem montados; e sendo o universo feminino diverso, não seria diferente com as fontes que dizem delas e sobre elas.

Com as fontes, multiplicam-se as interpretações e os temas abordados dos quais são exemplos as expressões culturais, modos de vida, relações pessoais, redes familiares, étnicas e de amizade entre mulheres e entre mulheres e homens, seus vínculos afetivos, ritos e sistemas simbólicos, construção de laços de solidariedade, modos e formas de comunicação e de perpetuação e transmissão das tradições, formas de resistência e lutas até então marginalizadas nos estudos históricos, propiciando um maior conhecimento sobre a condição social da mulher. (Gonçalves, 2015, p. 88)

Neste quesito, o empenho da Revista Feminina em refletir e, ao mesmo tempo, moldar a vida privada e pública das leitoras se destaca, especialmente considerando-se as representações que constrói em referência ao que seria uma feminilidade ideal. Como na edição de número 7, do primeiro ano (1914), quando a revista ainda se intitulava A Luta Moderna, podemos observar sempre uma separação entre aquilo que representava uma “patrícia”,7 bem-educada, e as demais. Na seção “Notas sobre a moda”, Marinette escreve: “Além destes modelos, existem as saias mais elaboradas, de andares, assim ensinadas, as quais são compostas de folhos sobrepostos: porém este estilo só convém para damas de grande altura, e é por este motivo que sua aparição não tem obtido grande sucesso” (n. 7, 1914, p. 7). Nesta mesma nota, a escritora afirma a necessidade de que as mulheres se vestissem sem extravagância; frente aos problemas da guerra, não poderiam exagerar enquanto algumas outras, na Europa, estavam de luto. Mesmo assim, Virgínia Mancilha, partindo de uma análise a partir da história social, reflete sobre a dissonância entre a seção “A Moda” e os editoriais escritos por Anna Rita Malheiros (Cláudio de Sousa) que atacavam a moda. Segundo a pesquisadora, “por não se preocupar se as saias curtas, os decotes e os cabelos à la garçonne atentavam à moral católica que dava certo tom à revista” (Mancilha, 2011, p. 9).

Na edição de janeiro de 1920, número 68, Anna Rita Malheiros (Cláudio de Sousa) afirma: “Com muito acerto entrou a religião a pelejar contra a moda feminina, que de arte de vestir está, aos poucos, se transformando em arte de despir...” (n. 68, 1920, p. 11). Em outra seção, “Belezza”, desta mesma edição, afirma-se: “Todas as mulheres sabem que o homem não procura nelas o gênio ou a inteligência – o que sucede só em caso acidental – mas sim a beleza que o seduz e o atrai” (1914, p. 8). A distinção do que é a beleza feminina perpassa pelas demais edições e demonstra uma delimitação dos sentidos da feminilidade no período. Tal elemento reflete o caráter da revista, que não buscava romper totalmente com os padrões sociais exigidos às mulheres, mas que permitia debates importantes, fator que contribui para o grande alcance da publicação, que precisava refletir, em alguma medida, o pensamento do contexto em que foi produzida.

Não era um movimento que sugeria o rompimento com as hierarquias de gênero, mas sim uma reivindicação, demandada por líderes letradas do período, com o intuito de adquirir direitos – compatíveis com os dos homens – que garantissem a modernização de sua condição feminina. (Mancilha, 2012, p. 21)

Além de poesias, contos, educação feminina, entre outros, a ideia da mulher bela era o que mais chamava atenção nos primeiros anos de publicação da Revista Feminina. Nas revistas especializadas dirigidas ao público feminino do início do século XX, era comum a mulher ser comparada à natureza, à pintura, à música e até às mulheres idealizadas de uma Grécia antiga. De acordo com Maria Raquel, Paula Matos e Maria Costa (2011), a idealização do corpo na Grécia antiga era vista como elemento de glorificação e de interesse do Estado. Como o corpo era considerado uma dádiva dada pelos deuses, os cuidados estéticos eram uma forma de retribuição e reconhecimento, tornando-se essenciais para a representação de um bom cidadão grego. Para o Estado, naquele contexto, o corpo ideal necessitava ser saudável, ter a capacidade atlética e ser fértil, levando a esse conceito de cidadão que deveria buscar a imagem idealizada através de exercícios e meditações. Vejamos um trecho da edição de número 8, de janeiro de 1915 (Figura 4).


Figura 4 – Seção “A beleza feminina”, Revista Feminina, ano 1, número 8, janeiro de 1915

A mulher é a parte boa de uma sociedade, idealizada com virtudes, passividade e doçura. Era quase sempre comparada às belezas da natureza e suas qualidades físicas. Contudo, pouco era dito sobre o ser humano mulher em sua essência. Mesmo a Revista Feminina sendo uma das pioneiras no quesito explorar mais a potencialidade de seu público, ao oferecer uma variedade maior de seções e de assuntos, ainda emergia como uma revista que valorizava a mulher bonita, jovem e por vezes até frívola.

Fofa e feminina; passiva; alegremente satisfeita em um mundo de quarto e cozinha, sexo, bêbes e lar. A revista [nesse contexto] definitivamente não esquece o sexo; a única paixa, a única busca, o único objetivo permitido à mulher é a busca por um homem. É repleta de comida, roupas, cosméticos, móveis e corpos de mulheres jovens, mas onde está o mundo de pensamentos e ideias, a vida da mente e do espírito? Nas imagens da revista, as mulheres não trabalham, à exceção do trabalho doméstico e do trabalho para ter o corpo bonito e conseguir manter um homem. (Friedan, 2021, p. 38)

Mas vale ressaltar que, no Brasil no início do século XX, também havia perspectivas ditas “mais sérias” em relação à mulher, só que na imprensa geral, não na especificamente feminina. Nessa época, por exemplo, a imprensa anarquista começava com seus jornais efêmeros e veementes.

Rio e São Paulo já estavam se tornando grandes centros de manufatureiros, e o número de operárias crescia ano a ano, principalmente no setor têxtil. As mulheres recebiam bem menos que os já magros salários dos homens. O número de horas de trabalho por dia, as más condições, a industrialização etc., tudo gerava um clima reivindicatório. O movimento trabalhista brasileiro nascia, e a atividade dos anarquistas europeus tinha reflexos aqui, uma vez que muitos operários eram imigrantes. (Buitoni, 1986, p. 54)

Entretanto, a Revista Feminina, além de ter um alto custo para o período (Mancilha, 2012), somente abordava a questão das trabalhadoras em raros casos. Em outro texto, ainda no mesmo ano de 1915, vemos uma página inteira dedicada à beleza e ao cuidado do rosto no intuito de evitar manchas, espinhas e o envelhecimento da pele – a eterna busca pela mocidade (Figura 5).


Figura 5 – Seção “A beleza do rosto”, Revista Feminina, ano II, número 10, março de 1915

Destarte, no contexto da moderna República,8 a força do capital já se fazia proeminente, sendo que, pela influência do capitalismo, os veículos de comunicação de massa, como revistas, rádios e televisão, foram (e ainda são) utilizados como mecanismos a serviço da indústria da beleza, pois reproduziam imagens de mulheres com características adequadas ao padrão de uma determinada era.

Apesar disso, o arquivo pode ser um grande aliado nessa constituição da história das mulheres, pois, ao descrever o cotidiano urbano ou privado de um determinado tempo e espaço, podemos encontrar as mulheres tecendo sua vida rotineira.

Naturalmente, os manuscritos informam antes de tudo sobre suas funções ditas mais tradicionais: promessas de casamento, moças seduzidas e abandonadas, certidões de filhos enjeitados, brigas conjugais, arquivos escolares a interceptam em meio aos seus conflitos e seus desejos, às vezes sacudida pela violência do tempo, pela agressividade masculina, pela miséria gritante e pelo simples prazer de encontros que depois acabam decepcionando. (Farge, 2009, p. 38)

Mesmo sendo um local de poder, o arquivo – “mas a quem cabe, em última instância, a autoridade sobre a instituição arquivo?” (Derrida, 2001, p. 7) – ainda consegue não isolar totalmente as mulheres: “Em meio às rixas e disputas, cenas de ruas ou de prédios, no trabalho em oficinas ou em lojas, é fácil distingui-las, o que permite uma reflexão aprofundada sobre os papéis masculino e feminino” (Farge, 2009, p. 39).

Além da beleza, a revista também trazia dicas de corte e costura, bordado, moda, como enfeitar a casa, aleitamento materno, entre outros assuntos do universo doméstico. No mês de junho de 1915, na edição de número 13, encontramos um artigo que disserta sobre “O que uma noiva deve saber”. A proposta do texto era ensinar as jovens noivas a se tornarem boas esposas, sendo que o destino das moças era o casamento, e que um lar feliz depende dessa esposa abnegada, criativa, dócil e compreensiva.

O que uma noiva deve saber

A transformação que de uma moça faz uma mulher se opera insensivelmente, mas graves responsabilidades a acompanham. Se durante a vossa adolescença bem orientastes vossa vida, se lhe deste um objetivo alevantado, estareis bem-preparada para a vida nova que se abre diante de vós e para executar todos os deveres que ela vos impõe; se, pelo contrário, viveste na inércia, como muitas moças o fazem, não podereis compreender o que o futuro vos reserva. Sois chamada a funda um novo lar, a construir um novo altar para a oferenda do vosso amor e da vossa dedicação áquele que escolhestes para companheiro de vossa vida. Começai vossa vida conjugal com a idea que o lugar que ides ocupar não é um posto de inferioridade e empregai toda vossa alegria em preparar-vos para ocupá-lo dignamente. [...] Toda vossa adolescência foi aclarada por uma esperança, uma doce visão do que seríeis mais tarde, na floração da vossa feminilidade, até o momento em que aquele que esperáveis, veio provar que vossa vida foi criada para complemento da sua, que o lar que ele fundou não será perfeito senão sob o vosso reinado, que sua vida, em uma palavra, espera de vossa união o seu pleno desabrochar. Se vosso amor tudo isto compreender, se tiverdes coragem, vontade, abnegação, paciência incansável, e energia necessária, fareis de vossa vida conjugal uma força e uma benção para a humanidade. Estão realizados vossos sonhos; não deixai um só momento enfraquecer-se vossa coragem: não permiti que vosso ideal se desnivele. (Drake, n. 13, 1915, p. 20)

O artigo finaliza aconselhando as jovens noivas para que “estudem o que as cerca” procurando “compreender o vosso marido e a vossa nova vida e estareis no limiar da perfeição, no início de uma era feliz, pronta a consagrar-vos ao fim integral e nobilíssimo da vossa feminilidade heroica” (n. 13, 1915, p. 20). O texto segue assinado pela “dra. Emma Drake”, que acreditamos9 ser Emma F. Angell Drake, médica, sufragista, membro da Woman’s Christian União de Temperança (WCTU).

Durante a década de 1920, a Revista Feminina continuava firme sua carreira, com leitoras fiéis e uma apresentação gráfica moderna, que segundo Dulcília Buitoni (1986) se assemelhava, em algumas páginas, a revistas femininas estadunidenses.


Figura 6 – Capa, Revista Feminina, ano XII, número 138, novembro de 1925

É importante ressaltar elementos que ultrapassam os debates de mulheres; poucas são as vezes em que mulheres negras, pobres e/ou trabalhadoras são lembradas pela revista. Na edição de novembro de 1925 (Figura 6), podemos observar uma mulher negra sendo retratada como empregada de uma mulher branca. Também em uma propaganda na edição de dezembro daquele ano (Figura 7) há, em uma referência à bebida Caxambu, um homem negro servindo, o que sinaliza que, apesar de não serem representadas pessoas negras em propagandas de beleza ou de moda nas muitas edições da revista, quando são apresentadas estão em posição de serviço.


Figura 7 – Propaganda da bebida Caxambu, Revista Feminina, ano XII, número 139, dezembro de 1925

Da mesma forma, na edição de julho de 1926, denuncia-se o tráfico de mulheres sob o título “O tráfico da escrava branca” (Figura 8).


Figura 8 – Artigo “O tráfico da escrava branca”, Revista Feminina, ano XIII, número 146, julho de 1926

Entretanto, é relevante considerar o contexto de produção da revista, não somente o seu público-alvo, mas os elementos sociais, culturais e econômicos que predominavam, pois refletem no desafio da categoria de gênero de, não somente descrever, e sim realizar uma análise da relação entre a “história do passado” e as “práticas históricas atuais” (Soihet; Pedro, 2007). No artigo apresentado na Figura 8, ainda é mencionado:

É horrível pensar que, neste momento em que escrevemos, centenas, milhares de moças de todas as nacionalidades se acham nas garras desses traficantes desalmados, sofrendo a mais humilhante das escravidões e isso sem auxílio nenhum de ordem moral, material ou pecuniário. Quem sabe se algumas de nossas patrícias, vítimas desconhecidas de sua ignorância e inexperiência, não estarão neste momento em Buenos Aires lutando inutilmente contra o destino cruel! [...] A Bahia, bafejada pela aragem do progresso civiliza-se pouco a pouco: a corrente imigratória, que se cogita justamente nesta ocasião de intensificar, traz às nossas plagas centenas de estrangeiros, homens e mulheres desconhecidos, bons ou maus elementos de progresso, fatores de grandeza ou de decadência nacional. Sem aliás desprezar esses braços que vêm concorrer para a cultura e a riqueza de nossos campos, devemos todavia defender-nos contra os vícios e maus costumes que eles possam importar: plantas nocivas que mais tarde virão a intoxicar o meio social da nossa terra que desejamos ver realmente civilizada. (n. 146, 1926, p. 61, 64)

Desse modo, já que “as representações sociais são consideradas como uma forma de construção social da realidade cuja mediação atravessa e constitui as práticas através das quais se expressam” (Swain, 2001, p.13), a questão racial no país é fundamental para se entender a dinâmica de representação dos corpos na imprensa, especialmente se considerarmos que, ainda hoje, mesmo com avanços, há disputas no que tange às formas de representação da população negra e uma luta pelo resgate de suas memórias.

Simultaneamente, a experiência das mulheres brancas era radicalmente diferente em relação à das mulheres não brancas, e o construto da raça também interferiu no processo de elaborar e ler a revista. Embora isso não seja explicitado na Revista Feminina em nenhum momento, quando consideramos o período histórico e a classe social em questão, fica evidenciado que as leitoras eram, em sua maioria, brancas.

Além dos destaques apresentados, faz-se imprescindível reconhecer o papel das propagandas veiculadas no periódico, que, para além de contribuírem para as condições financeiras da revista, também são selecionadas de acordo com os valores e discursos empreendidos. Em pesquisa desenvolvida por Ana Soares e Neide Célia (2014), percebeu-se que, entre 1920 e 1922, 35% dos anúncios eram direcionados à “modelagem do corpo” e a revista “também mantinha uma própria empresa de produtos do gênero. Isso nos faz notar que a rentabilidade do consumo do belo não é uma questão apenas do nosso tempo [...] mas faz parte de um processo que envolve interesses econômicos e políticos” (p. 117). Entretanto, o periódico contava também com publicidade de automóveis, empresas voltadas à moda, remédios e, inclusive, artigos “masculinos”. Para elas, “ainda que as atividades de cuidadora concentrem o maior espaço nas páginas publicitárias, essas são ligadas a diversas funções do cuidar” (p. 110).

Uma das principais marcas que publicaram na revista ao longo das edições foi a Mappin Stores, uma empresa de moda que vendia roupas, acessórios, e buscava lançar modelos inspirados ou mesmo importados da moda francesa e inglesa. Um de seus anúncios, na edição de abril de 1919, afirma: “Acabamos de receber uma preciosa coleção de vestidos ‘d’aprés-midi’ e de passeio, modelos elegantíssimos, últimas criações das mais afamadas modistas parisienses da atualidade” (n. 59, 1919, p. 3). Apesar de ser uma loja de departamento que se organizou nos moldes americanos e europeus e atendia a elite, segundo Nathália Lobato (2018), a empresa procurou expandir o público e oferecer possibilidades de compra para setores em ascensão social, mesmo tendo o preço mais caro em comparação com outras lojas. A pesquisadora também afirma que, mesmo que as classes mais baixas não tivessem acesso aos produtos, a publicidade da empresa fez circular valores, ideias, referências e ideais de consumo, especialmente para a classe média que tinha em sua ascensão referências do estilo de vida dito “burguês”. Desta forma, “consumir passou a significar existir, inventar-se e distinguir-se em uma sociedade onde o luxo era exaltado. [...] O consumo, ancorado no sistema publicitário, oferecia a ilusão de que qualquer um poderia se apropriar das ferramentas que demonstravam o bom gosto” (p. 272). Ela também evidencia que era raro encontrar figuras femininas vestidas em anúncios de moda, ao contrário da Revista Feminina, onde podemos encontrar imagens de mulheres em várias das propagandas da empresa Mappin.

Enfim, até certo ponto, a Revista Feminina estava antecipando uma tendência mais tarde predominante na imprensa feminina: veículos que abarcassem uma variedade de assuntos – embora não saindo das artes domésticas – em uma perspectiva mais voltada para o lado comercial. Mesmo assim, a Revista Feminina pode ser considerada precursora dos modernos veículos dedicados à mulher (Buitoni, 1986), tendo se mantido no mercado editorial até o ano de 1936.

Considerações finais

Pensar a história das mulheres via arquivo e pelo “olhar” da Revista Feminina (1914-1930) – produção das primeiras décadas do século XX – foi a ideia proposta para elaboração deste texto. Com esse artigo buscamos analisar como alguns números do periódico contribuíram para identificar a representação das mulheres na imprensa, de modo a compreender quais mulheres eram referenciadas e retratadas pela revista. Para tanto, recorremos aos referenciais teóricos de pensadoras que discutem a questão de gênero, em diálogo com Arlette Farge (2009) e Jacques Derrida (2001) para contribuir com os debates sobre as fontes históricas via arquivo.

Joan Scott (1995), no texto “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”, nos diz da necessidade de estudar questões de gênero (assim como de raça e classe) como categoria(s) útil(eis) para repensar as relações sociais, dando inclusive um sentido histórico para o conhecimento ora produzido. O resgate da história das mulheres, via gênero como “categoria da análise”, nos possibilita entender as dimensões políticas e ideológicas descritas no campo da construção humana.

E como o arquivo pode auxiliar nesse percurso de repensar a história humana perpassando outros seres que também estão no centro do processo político e social? O arquivo, tal como ele existe, não isola ou elimina os/as personagens que nele estão. Como nos lembra Derrida (2001, p. 17), o arquivo pode ser tanto “instituidor” e “conservador”, como também “tradicional” e até “revolucionário”. É, além disso, um espaço de “armadilhas” e “tentações”, por isso a necessidade de manter “certa distância” do arquivo, a ponto de não ser totalmente absorvido/a por ele e não saber mais como “interrogá-lo” (Farge, 2009, p. 70).

O arquivo ainda pode ser um local que nos surpreende, mostrando algo que, com um “novo olhar” e através de novas teorias e de um novo cenário sócio-histórico, apresenta um punhado de palavras, imagens, sons etc. antes desprezados e que em uma (re)vista podem (re)significar toda uma pesquisa, um trabalho, um contexto. Acervos e manuscritos, aliados à experiência pessoal do/a historiador/a, podem romper com modelos estabelecidos, normas instituídas. E, pensando no universo feminino, o arquivo pode oferecer mil e uma possibilidades de repensar o passado, assim como o próprio presente.

Nesse sentido, as mulheres eram estudadas, sabiam de sua existência, mas quase nunca eram/são inseridas em algum acontecimento, seja qual fosse. Com o advento da nova história, pensar no passado dos “excluídos”, nos dizeres de Michelle Perrot (2017), passou a ser também uma ocupação dos/as historiadores/as. Assim, as pesquisas sobre a complexidade do ser e estar mulher no mundo passaram a mostrar a presença, a ação, a atuação delas, em toda a sua plenitude, mesclando inclusive privado e público.

Com as novas possibilidades de fontes históricas, refazer os passos femininos tornou-se algo menos árduo. A literatura, a biografia, as cartas, os diários, os censos, os jornais etc. passaram a ser materiais imprescindíveis para se pensar a história das mulheres, a história de uma sociedade mais completa e complexa. Além disso, no século XX, a cidade de São Paulo passava por inúmeras transformações, sociais e urbanas, que vão da imigração à industrialização e à reformulação do eixo estrutural de suas vias. De acordo com Juliana Bonilha (2013), tais mudanças, inclusive estimuladas pelas próprias publicações impressas, contribuíram para que fosse possível aos periódicos atingirem categorias específicas, como operários/as, imigrantes, mulheres e comunidades.

No caso deste artigo, fomos investigar mais de perto a imprensa feminina, com foco na Revista Feminina entre os anos de 1914-1930. É claro que no início do século XX ainda temos uma imprensa que em muitos casos pensa a mulher de forma idílica, quase como um objeto do poder masculino. E a Revista Feminina, mesmo sendo um periódico feito por mulheres e para mulheres, ainda representava o contexto “patriarcal” de um país que estava instaurando uma república pautada nos papéis duais de gênero (e nos pilares excludentes de raça e classe). Mas nas entrelinhas, em algumas imagens e até nos editoriais, podemos ver a atividade multiforme das mulheres, mesmo que ainda houvesse a ideia quase que central da tríade mãe, esposa e dona de casa.

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Recebido em 24/3/2023

Aprovado em 10/10/2023


Notas

1 Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Edital 009/2022 – Fortalecimento e consolidação da pesquisa na Uemg e Unimontes.

2 Bióloga por formação, Bertha também foi uma ativista política para o reconhecimento da mulher na esfera pública cidadã. Seu interesse no feminismo teve início durante o período que passou estudando na Europa, quando teve contato com o movimento sufragista que ocorria por lá. Em 1919, criou no Brasil a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, que mais tarde se tornaria a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, liderando a campanha sufragista no país. Em 1932, por decreto de Getúlio Vargas, foi alcançado o estabelecimento do direito ao voto feminino no Brasil. Bertha Lutz investiu em sua vida política e, em 1936, assumiu posição de deputada federal, cargo no qual executou propostas de mudança na legislação referente ao trabalho da mulher, visando, dentre outros direitos, a igualdade salarial, a participação em questões públicas e a licença maternidade. Ver Lôbo (2010).

4 Andradina América de Andrada e Oliveira (1864-1935) foi uma escritora, referência no debate feminista no período, e fundou o jornal Escrínio no Rio Grande do Sul. Escreveu o livro Divórcio?, em que defendia o direito de separação.

5 Arkhê, lembremos, designa ao mesmo tempo o começo e comando. Este nome coordena aparentemente dois princípios em um: o princípio da natureza ou da história, ali onde as coisas começam – princípio físico, histórico ou ontológico –, mas também o princípio da lei ali onde os homens e os deuses comandam, ali onde se exerce a autoridade, a ordem social, nesse lugar a partir do qual a ordem é dada – princípio nomológico” (Derrida, 2001, p. 7, grifos do autor).

6 A história social foi elaborada a partir das produções de Edward Thompson e permitiu o estudo do cotidiano, de diferentes sujeitos antes não vistos como objetos e sujeitos da história, como corrobora Rachel Soihet e Joana Pedro (2007). Já a história cultural se estabelece por meio de referências como Roger Chartier e, segundo Ana Galvão e Juliana de Melo (2019), “a análise das estruturas textuais é, na verdade, um dos procedimentos centrais que caracterizam as produções da história cultural sobre impressos populares.” (p. 237). Ainda, a nova história, produzida no contexto da terceira geração do “movimento” dos Annales, contribuiu para a reflexão sobre novas fontes.

7 Patrícia, mulher que é da pátria, remete ao ideal nacionalista.

8 Após a proclamação da República (1889), houve uma grande transformação social que exigiu outros modelos femininos. A mulher, enquanto mãe, esteve no centro das campanhas de modernização; quando o Estado relacionou, como símbolo de construção nacional, a família, implicou a atuação da mulher enquanto educadora dos filhos para os novos ideais, como aponta Rosa Gautério (2015).

9 Inclusive por sua trajetória e escrita, um de seus títulos em inglês – “What a young wife ought to know” (“O que uma jovem esposa deve saber”) – se assemelha muito aos títulos das publicações na revista: “O que uma noiva deve saber”, “O que a mulher deve saber”, “O que uma boa dona de casa deve saber”.


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