Acervo, Rio de Janeiro, v. 37, n. 1, jan./abr. 2024

Memória e história: potências e tensões nos usos de acervos privados | Dossiê Temático

Memórias fotográficas

Poses, olhares e lembranças de um educador capixaba

Photographic memories: poses, looks and memories of an educator from Espírito Santo / Memorias fotográficas: poses, miradas y recuerdos de un educador de Espírito Santo

André Malverdes

Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília (UnB). Professor titular da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Brasil.

andre.malverdes@ufes.br

Clara Zandomenico Malverdes

Mestra em Ensino na Educação Básica pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Brasil. Doutoranda em Educação pela mesma instituição.

clara.pedagoga@gmail.com

Resumo

Este artigo apresenta uma análise do processo de patrimonialização do acervo privado do educador capixaba José Celso Cláudio junto ao Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (Apees). Também explora as potencialidades da fotografia como fonte para a história da educação e discute o tema da organização de acervos pessoais e sua institucionalização em arquivos públicos.

Palavras-chaves: arquivos pessoais; arquivo público; acervo fotográfico; história da educação.

Abstract

This article presents an analysis of patrimoniali-zation process of the José Celso Cláudio’s private collection at the Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (Apees). It also explores the potential of photography as a source for the history of education and discusses the topic of organizing personal collections and their institutionalization in public archives.

Keywords: personal files; public archive; photographic collection; history of education.

Resumen

Este artículo presenta un análisis del proceso de patrimonialización de la colección privada del educador José Celso Cláudio en el Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (Apees). También explora el potencial de la fotografía como fuente para la historia de la educación y discute el tema de la organización de colecciones personales y su institucionalización en archivos públicos.

Palabras clave: archivos personales; archivos públicos; colección fotográfica; historia de la educación.

Apresentação

A valorização da memória e do conhecimento data de antes mesmo do surgimento da escrita. Nossos antepassados transmitiam de geração a geração, de forma oral, histórias e acontecimentos cotidianos, fossem reais ou mitológicos. Com a criação e a evolução de novas formas e meios de se comunicar, por pinturas, cartas, monumentos, telégrafo, telefone, fotografias, entre outros, tornou-se possível obter a produção de memória.

São nossos atos que constituem nossa identidade, tanto individual quanto coletiva, e o registro desses atos é o que mais contribui para que a nossa memória seja passada adiante. Segundo Henry Rousso, o atributo mais imediato da memória “é garantir a continuidade do tempo e permitir resistir à alteridade, ‘ao tempo que muda’, às rupturas que são o destino de toda a vida humana; em suma ela constitui – eis uma banalidade – um elemento essencial da identidade, da percepção de si e dos outros”.

Os arquivos pessoais surgem da necessidade do indivíduo de registrar os acontecimentos ao longo de sua vida. Mas, seja esse registro de âmbito legal (certidão de nascimento, título de eleitor, certidão de casamento) ou uma mostra do cotidiano, como fotografias e diários, a verdade é que essa documentação reunida pode nos contar muito mais do que somente os atos do produtor do acervo. É comum que mudanças sociais, acontecimentos políticos, registros de trabalho e outros eventos apareçam nessa documentação, nos mostrando mais que somente o “personagem principal”.

A partir de 1970, novos objetos e novas fontes se colocam ao historiador como alternativa metodológica para a escrita de novas narrativas. Atrelados a esse fenômeno, os arquivos pessoais se inserem nas reflexões e fazem emergir uma nova cultura de pesquisa. Isso, possivelmente, se consubstanciou na criação do Conarq, em 1990.1 Muitas questões podem ser levantadas a partir da constituição de um arquivo pessoal, visto que o processo de produção e acumulação documental é atravessado por configurações materiais e simbólicas. Todos nós produzimos arquivos. Desse modo, é importante compreendermos quais imbricações e circunstâncias desse acervo são imprescindíveis ao serem deslocadas para o espaço público.

O arquivo não é somente um repositório de documentos do passado, mas também um lugar onde o passado é construído e produzido [...]. O arquivo está ligado com a escrita que removeu a memória de dentro do ser humano e a tornou fixa e independente dos portadores vivos. (Assmann, 2011, p. 25)

Portanto, no exercício de contemplação e reflexão, precisamos perceber os arquivos como objetos de memória dotados de tessituras cotidianas que são mediadas entre o passado e o presente. Nesse sentido, ao colocarmos os documentos em circunstâncias históricas de produção e consumo, necessariamente precisamos elaborar perguntas que darão suporte para a compreensão dos significados que os sujeitos operam sobre eles, “significados que não se encontram imediatamente revelados ao nível da experiência sensível, mas que demandam um complexo trabalho de decodificação, análise, interpretação” (Abreu, 1996, p. 28).

Bellotto (2006) afirma que construir um arquivo pessoal é concernente à sociedade grafocêntrica, pois a partir do domínio da escrita na vida dos indivíduos foi possível conferir legitimidade aos fatos. Nessa perspectiva, a autora considera como arquivos pessoais os conjuntos de papéis e de material audiovisual ou iconográfico reunidos no decurso da vida de uma pessoa e nos alerta que eles podem ser constituídos de dois momentos que se reportam a diferentes motivações. O primeiro momento é identificado como sendo o processo no qual se acumula o documento, que abrange sua utilização no cotidiano, como forma de comprovar a existência civil ou na relação com outros indivíduos; o segundo momento refere-se à preservação, na qual o arquivo pessoal vai além das finalidades jurídicas e relacionais e passa a atender a terceiros por meio da pesquisa, como um documento de arquivo. A esse respeito, afirma Bellotto (2006, p. 24),

o historiador não analisa o documento pelo documento; antes, utiliza-o como ponte para o passado, ou do arquivo para uma realidade. Esta passagem do documento ao passado é um processo decisivo pelo qual cumpre o essencial da elaboração do conhecimento histórico.

Em consonância com os estudos de Bellotto (2006), percebemos que o acervo de José Celso Cláudio potencializa as reflexões sobre as várias etapas de constituição de um arquivo pessoal e ainda nos ajuda a compreender os acervos pessoais como produtos naturais das trajetórias dos indivíduos. Ao investigarmos as singularidades do processo de acumulação, precisamos estar atentos e empreendermos análise ao trajeto percorrido pelo documento, adotando procedimentos que respeitem a organização operada pelo titular, vislumbrando a possibilidade de atribuir também um valor histórico e rico de investimentos pessoais.

Nesse sentido, é essa junção de informações que torna a organização de acervos pessoais tão complexa e exige que seja feito um trabalho minucioso, para que dados e contextos não sejam perdidos. No trabalho aqui apresentado, foram levadas em consideração todas as facetas de José Celso Cláudio, pois, muito mais do que mostrar sua vida como indivíduo, foi apresentada sua trajetória como membro e participante ativo da sociedade capixaba.

A produção de documentos constitui uma importante fonte de informação sobre a história e a cultura de um povo. Porém, para que se torne uma fonte de pesquisa e conservação da memória, é necessário que a documentação seja devidamente tratada e disponibilizada. Para atingir o objetivo, o acervo em questão precisou passar pelas fases de identificação, descrição, arranjo e digitalização, além de enfrentar desafios terminológicos que serão apresentados ao longo do artigo.

Apresentamos como elemento principal o estudo do conjunto documental, especialmente das fotografias produzidas pelo educador José Celso Cláudio. Portanto, apresentaremos pressupostos e alternativas metodológicas, aliadas a iniciativas de preservação e custódia desse acervo histórico. Apostamos no potencial dos acervos pessoais como via importante na construção do processo de consolidação da pesquisa histórica na qualidade de campo de investigação para a área da educação no Brasil.

Poses, olhares e lembranças: o acervo de José Celso Cláudio e a história da educação capixaba

Os documentos nos possibilitam a reflexão, a construção de narrativas sobre o passado, e despertam a formulação de questões sobre conceitos já constituídos. Entendemos a imagem como um artefato/documento imprescindível para a formulação do conhecimento histórico, que pode se articular como mediador do conhecimento. Dessa forma, acreditamos que o acervo fotográfico de José Celso Cláudio proporcionou duas frentes reflexivas, pois potencializa o trabalho com a imagem como instrumento de ensino e pesquisa, além de proporcionar ao pesquisador que faz a escolha por essa fonte um novo olhar sobre a fotografia, que ultrapassa seu status ilustrativo e incorpora significações, conceitos e interpretações.

A consulta a fontes e documentos é um processo vital para pesquisadores de diversas áreas, e na história da educação não seria diferente. As fontes que consultamos e nas quais trabalhamos possuem origens diversas e servem a diferentes propósitos. Entretanto, se conjugam e se constituem na necessidade de agregar informações na construção das narrativas históricas elaboradas pelos pesquisadores. No que se refere ao levantamento das fontes, em relação à história da educação no Espírito Santo, tratamos de explorar e investigar tanto os documentos garimpados como também a possível escassez de fontes. Dessa forma, nossa perspectiva na organização do catálogo é que este contribua para o debate em torno de novas narrativas históricas sobre a educação no nosso estado e no Brasil, bem como, e especialmente, possa ajudar no resgate de uma importante fonte de pesquisa: as fotografias de cunho pessoal custodiadas por arquivos privados.

Os acervos pessoais compõem um lugar de grande relevância e vêm sendo mobilizados em muitas pesquisas na contemporaneidade. Eles podem ser constituídos por cartas, fotos, cadernos, diários, cadernetas, dentre outros objetos que, de alguma forma, segundo Artières (1998, p. 11), “remetam ao exercício de arquivar a própria vida, contrapondo a imagem social e a imagem íntima de si próprio, criando assim um arquivamento do eu a partir de uma prática de construção de si mesmo”. Portanto, um dos objetivos desta pesquisa se encontra nas múltiplas possibilidades que esses documentos podem nos trazer como perspectivas inéditas àquelas que encontramos em documentos de outra natureza, proporcionando ao pesquisador questionar e levantar hipóteses que não seriam possíveis sem a sua utilização.

Pesquisar sobre a história da educação no Brasil e, de modo especial, a história da educação capixaba compreende buscar entender sujeitos, estruturas, modos de organização e de funcionamento de instituições escolares, em tempos históricos diversos, nos quais se produzem as condições de existência no plano material e simbólico. Gostaríamos de ressaltar a importância dos estudos do Núcleo Capixaba de Pesquisa em História da Educação no Espírito Santo (Nucaphe), que vem se consolidando como espaço de investigação, expansão e diversificação na pesquisa em história da educação capixaba. Destacamos que os estudos do núcleo impulsionam possibilidades de comparação e entrecruzamento de temas, ampliando as formas de pesquisa e compreensão das potencialidades a respeito da sistemática das fontes, das narrativas históricas, das ferramentas teórico-metodológicas e da publicação e divulgação dos trabalhos produzidos a respeito da historiografia da educação capixaba (Simões; Berto; Salim, 2018).

No trabalho com o acervo de José Celso Cláudio foi recorrente e surpreendente perceber a riqueza que muitas famílias podem ter guardadas em suas casas e que contam parte da história da educação, da administração pública e da vida cotidiana de uma região, bem como a evocação das memórias. O acesso a esse acervo, em especial, tem demonstrado isso. São acervos familiares ou pessoais, acúmulos que potencializam o campo de pesquisa, pois “não há sentido unívoco para as coisas do passado, e o arquivo [os acervos] contêm em si essa lição” (Farge, 2009, p. 91-92).

São essas lembranças e esquecimentos que possibilitam comparar as diferentes experiências que nos aproximam e transformam, os modos como os sujeitos vivem; por exemplo, suas experiências escolares. Ou seja, a pesquisa em acervos pessoais permite a apreensão do social a partir das trajetórias e experiências dos indivíduos inscritos em um projeto histórico de análise. Nesse sentido, quando nos debruçamos sobre esse acervo, percebemos a riqueza de informações e narrativas históricas sobre a história da educação do nosso estado que podem ser construídas. Somaram-se às fotografias outros documentos sobre a vida de José Celso Cláudio, como diplomas, carteiras funcionais, boletim escolar, documentos identitários, entre outros, que possibilitaram mais do que o exame de uma materialidade, pois também oportunizaram uma reflexão acerca da produção de um determinado modo de ser e permitiram várias incursões sobre o tempo em que foram produzidos, as práticas que ensejavam, os modos cotidianos de ser e fazer a escola, a vida cotidiana.

Pensar na instituição escolar como produto histórico é um dos objetivos da publicação e organização desse acervo. Propomos lançar reflexões sobre a valorização do patrimônio fotográfico familiar, entendendo que preservar esse acervo também representa ressignificar e contextualizar a cultura profissional docente e seus itinerários, ampliando o repertório de conhecimentos sobre currículo, cultura escolar, práticas e políticas educacionais. Concordamos com Nóvoa quando diz que

a história da educação amplia a memória e a experiência, o leque de escolhas e de possibilidades, o que permite alargar o repertório dos professores, ao mesmo [tempo] que lhes fornece uma visão da diversidade das instituições e lhes revela que a educação não é um “destino”, mas antes uma construção social. (Nóvoa, 1998, p. 430)

Portanto, no cruzamento da memória e dos achados em acervos familiares, podem se desdobrar inúmeras pesquisas que certamente irão produzir novas narrativas e alternativas para pensar a história da educação no Espírito Santo e no Brasil. A trajetória de vida de José Celso Cláudio conflui com inúmeras transformações do Estado brasileiro, especialmente com relação aos marcos educacionais locais e nacionais. É possível perceber continuidades e rupturas a partir da composição do seu acervo, sobretudo ao contextualizarmos traços da sua biografia com características e experiências do período vivido por ele. Nesse sentido, esses vestígios significativos auxiliam pesquisadores em seus estudos sobre educação e trazem marcadores importantes no delineamento e na configuração de projetos educacionais no Espírito Santo.

Desejamos que os pesquisadores, ao estarem diante do acervo e de seu trabalho de organização, possam inquietar-se com o vivido e que, a partir da análise dos vestígios das dimensões temporais/históricas projetadas pelo passado, construam interrogações e reconstruam, a partir delas, a complexa trama dos fragmentos do tempo registrados em imagens custodiadas em acervos pessoais.

Por fim, as imagens e documentos que constituem o acervo de José Celso Cláudio retratam a memória histórica, social, cultural e educacional de onde ele atuou e dedicou sua vida pública, entre os anos de 1930 e 1970. Salvaguardar essa memória e permitir sua visualização e ressignificação no tempo presente, por públicos diversos, foi a principal justificativa para a realização deste projeto.

A descrição, a digitalização e a disponibilização desses documentos estão entre as principais medidas de preservação das informações históricas, como também dos documentos físicos em sua materialidade. A imagem, assim como a fenda, é o que torna um fragmento da história visível e, concomitantemente, deixa vestígios das muitas invisibilidades a serem investigadas, convocando o observador a escavar a história. Esperamos provocar e instigar o exercício de compreensão da história, abrindo possibilidades para novas descobertas sobre a história da educação capixaba.

A fotografia como objeto de descrição

A imagem fotográfica desempenha um importante papel na transmissão, conservação e visualização das atividades políticas, sociais, científicas ou culturais da humanidade. Além disso, reduz a tridimensionalidade característica do mundo real à bidimensionalidade própria do plano, marcada por um quadro, escolhido pelo fotógrafo, como limite infranqueável e com uma destacável alteração da escala de representação.

As fotografias estão em nossas casas em álbuns, emolduradas em paredes, nas estantes, ou em nossas carteiras. Embora seja importante documento de memória pessoal, desde os primórdios da fotografia, essa não é a única função de uma coleção ou de conjuntos específicos de fotografia. Dessa maneira, pessoas (profissionais ou amadoras) no mundo inteiro fotografam, e essas fotografias são publicadas em periódicos, revistas, livros, cartazes e também entram em fototecas, arquivos, banco de imagens, coleções ou álbuns.

Cumprindo diferentes funções e atendendo a critérios distintos, as fotografias se encontram custodiadas em arquivos, museus, bibliotecas e outras instituições públicas de caráter cultural, bem como são conservadas em fundos e coleções em âmbito privado. Conhecer e estudar essa importante fonte documental e artística pode resultar, com frequência, numa atividade longa e penosa. Facilitar a difusão dos principais arquivos e coleções fotográficas ajudará a iniciar, ou continuar, frutíferas investigações que têm como objetivo a preservação e difusão do patrimônio fotográfico.

No que diz respeito à descrição arquivística, nossa pesquisa entende como sendo a elaboração de uma acurada representação de uma unidade de descrição e de suas partes componentes, por meio da extração, análise, organização e do registro de informação visando identificar, gerir, localizar e explicar documentos de arquivo, bem como o contexto e o sistema de arquivo que os produziram (CIA, 2000).

A descrição arquivística é a atividade que permite a compreensão ampla do conteúdo de um conjunto documental, possibilitando tanto o conhecimento como a localização dos documentos que o integram, além da apresentação de seus contextos de produção e arquivístico. As vantagens de uma atividade de descrição constante e eficiente são a conservação dos fundos, a facilidade de acesso aos documentos, o favorecimento do controle por parte do profissional da informação, a economia nas horas de trabalho do pesquisador, a redução do desnível entre a demanda dos pesquisadores e a oferta da instituição e a agilização na administração da instituição custodiadora. Sem a descrição, como bem corrobora Lopez (2002), corre-se o risco de criar uma situação semelhante à do analfabeto diante de um livro, que ele pode pegar e folhear, mas ao qual não pode ter acesso completo por não possuir meios que lhe permitam compreender a informação.

O trabalho de digitalização do acervo focou a produção de cópias digitais, a partir dos originais, possibilitando a criação de matrizes digitais. Assim, estas estão disponíveis para o manuseio virtual, em substituição ao manuseio físico. As cópias receberam tratamento através de programas específicos de computação gráfica, e a digitalização atendeu às Recomendações para Digitalização de Documentos Arquivísticos Permanentes (Conarq, 2010).

Entre os motivos para a digitalização, destacamos: a contribuição para o amplo acesso e a disseminação dos documentos arquivísticos, por meio da tecnologia da informação e comunicação; a possibilidade de intercâmbio de acervos documentais e de seus instrumentos de pesquisa, por meio de redes informatizadas; a promoção das entidades custodiadoras dos acervos e a difusão dos acervos fotográficos não digitais; e, por fim, a preservação e segurança dos documentos arquivísticos originais que estão em outros suportes não digitais, por restringir seu manuseio.

Patrimônio fotográfico e o arquivo pessoal

O patrimônio fotográfico, em nossa pesquisa, é entendido como a ideia de organização, guarda, preservação e possível divulgação de acervos fotográficos que compreendem também os objetos e documentos. Incluímos nesse conceito materiais relacionados às indústrias fotográficas, tais como publicações, fotografias, cartazes, materiais publicitários, manuscritos, várias criações e equipamentos técnicos.

No que tange ao arquivo pessoal, os critérios para fundos não corporativos de pessoas e de famílias têm sido raramente trabalhados na literatura arquivística. Isso acontece, talvez, porque a questão parece ser tão evidente que não é preciso dizer nada (Cook, 2017). Em comparação com fundos criados por entidades coletivas, isso pode ser uma verdade relativa, nunca absoluta. Arquivos não são coleções artificiais adquiridas, arranjadas e descritas inicialmente por tema, local ou tempo, e, sim, em uma relação contextual, orgânica e natural com sua entidade produtora e com os atos de sua produção.

Importante tentarmos aqui estabelecer a diferença entre fundo e coleção visando um melhor entendimento de nosso trabalho arquivístico. No caso da coleção, estamos diante de um ato voluntário. A partir de alguns critérios geralmente preestabelecidos, uma pessoa ou instituição decide criar, por vontade própria, uma coleção para uso e desfrute pessoal ou coletivo. Além disso, no caso específico das fotografias, o conjunto reunido é composto por muitos autores diferentes, que podem ter diferentes procedências, o que nos leva a um conjunto documental sem organicidade, ou seja, não existe uma relação natural entre os documentos do arquivo, em decorrência das atividades da entidade produtora.

Por outro lado, o fundo com documentos fotográficos vem de um ato inevitável. Espontaneamente e como resultado da atividade, profissional ou amadora, do seu criador, é produzido um conjunto de documentos fotográficos que de maneira acumulativa gera um arquivo. Geralmente, resultante do trabalho de um fotógrafo profissional, uma família, uma pessoa, uma instituição ou uma empresa fotográfica (Boadas i Raset, 2016).

Desse modo, os arquivos pessoais são entendidos como conjuntos documentais, de origem privada, acumulados por pessoas físicas e que se relacionam de alguma forma às atividades desenvolvidas e aos interesses cultivados por esses indivíduos ao longo de suas vidas. Essa acumulação resulta da seleção dos documentos a serem guardados, entre todos os papéis manuseados cotidianamente, e vai sendo feita ao longo do tempo. Muitas vezes, principalmente no caso de arquivos privados de pessoas públicas, essa seleção também é feita por auxiliares e, após a morte do titular do arquivo, por familiares e amigos.

Consideramos, a partir deste trabalho, que os arquivos pessoais constituem valiosas fontes de pesquisa, seja pela especificidade dos tipos documentais que os caracterizam, seja pela possibilidade que oferecem de complementar informações constantes em arquivos de natureza pública. O crescimento das pesquisas nas áreas de história da vida privada e história do cotidiano, bem como o interesse crescente pelas análises de tipo biográfico e pelas edições de correspondência escolhida, tem provocado aumento da procura por esse tipo de fonte, chamando atenção para a importância de sua preservação, organização e abertura à consulta pública (Cpdoc, 2019).

Quando tratamos de um arquivo pessoal, os critérios para delimitar um fundo envolvem duas questões: um produtor definido (entidade coletiva ou pessoa) e um sistema de arquivamento de documentos relacionados. Se ambos existirem independentemente um do outro e demonstrarem alguma continuidade ao longo do tempo, então todo o acúmulo físico de documentos resultante daquele produtor (como séries, dossiês/processos e/ou itens) pode ser identificado como um fundo (Cook, 2017).

Optamos por uma metodologia arquivística no sentido de manter os documentos dentro das séries estipuladas conforme as principais atividades de seu produtor, possibilitando reflexões acerca das relações funcionais e estruturais da pessoa que as produziu, com o risco de se perderem caso o arranjo não fosse estabelecido. Carvalho e Alencar (2010) destacam que “na arquivística, [...] a noção de contextualização se fixa na ‘gênese documental’, isto é, no momento de produção, incluindo ainda o pequeno circuito que cumpre o documento dentro da empresa, instituição ou vida privada”. Foi nessa perspectiva que pensamos, organizamos e apresentamos a proposta de arranjo e descrição desse trabalho.

Na busca pela organização da informação para disponibilizar o patrimônio documental em questão, decidimos por uma visão abrangente da descrição arquivística. Sendo assim, optamos por elaborar um instrumento de pesquisa e disponibilizar as imagens pela plataforma do AtoM2 do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (Apees), doando o acervo físico e uma matriz digital para a instituição, visando à difusão da informação e à construção do conhecimento referente à história e à cultura do Espírito Santo.

Trabalhamos com a perspectiva dada por Michael Cook (1993) em seu livro Information management and archival data, na qual a descrição tem como base a teoria da representação, compreendendo que, enquanto os arquivos originais devem ser necessariamente armazenados na estante numa determinada ordem e localização física (normalmente em embalagens fechadas), as representações dos originais podem ser multiplicadas e armazenadas em qualquer ordem e em qualquer lugar que seja considerado útil, ou seja, acessível ao usuário (para os mais diversos usos: educacional, por curiosidade, cultural, para criar outros produtos, para publicidade etc.).

Imagens de uma vida: procedimentos metodológicos adotados na organização do acervo

A tentativa de elaborar uma metodologia de identificação e coleta das fontes de informação é importante para facilitar o processo de compreensão, comunicação, organização, aplicação e uso dessas fontes. Nesse sentido, a construção e o método do nosso trabalho partiram da observação do acervo pessoal, analisado de forma empírica por meio de uma pesquisa exploratória e documental que consistiu em levantamento, catalogação e digitalização de fontes de informação sobre esse acervo. A partir daí, construímos um catálogo e um relatório de observações que podem, no futuro, subsidiar a proposição de modelos e a organização de pesquisas realizadas em fundos e coleções que contenham fotografias custodiadas por pessoas, visando à doação para instituições de acervos arquivísticos.

A pesquisa também foi qualitativa, visando ao aprofundamento dos levantamentos realizados no conjunto documental recebido e doado para custódia do Apees, com objetivos exploratórios que abrangem pesquisa bibliográfica e documental, entrevistas com pessoas envolvidas na vida do produtor e análise do fundo.

Durante a realização da pesquisa, buscamos aproximações teóricas referentes ao tema arquivo pessoal, à história da educação no Espírito Santo, à arquivologia e à ciência da informação, acompanhadas de uma análise da gênese documental do acervo e dos procedimentos de tratamento de acervos fotográficos. A pesquisa de campo também consistiu no estudo da biografia do produtor do acervo, resultando em um levantamento sobre a realidade do conjunto documental em análise e suas possibilidades para a história da educação no Espírito Santo.

Nesse sentido, o corpus de trabalho de nossa pesquisa analisou os procedimentos de tratamento de um fundo de natureza pessoal que existe hoje (e que está sendo produzido), visando à destinação ao arquivo público, para a gestão de documentos fotográficos, no âmbito público e privado. A partir de uma pesquisa documental, buscamos analisar publicações, legislação, instrumentos de pesquisa e da gestão documental do Apees para compreender o lugar da fotografia na instituição, no que concerne à gestão dos acervos pessoais e à representação da história da educação em seu acervo.

Elaboração do catálogo e o trabalho de descrição arquivística

O desenvolvimento dessa atividade faz parte de um projeto financiado pelo Fundo de Cultura do Estado do Espírito Santo (Funcultura), cujos recursos visam incentivar a formação e fomentar a criação, a produção e a distribuição de produtos e serviços que usem o conhecimento, a criatividade e o capital intelectual como principais recursos produtivos. Assim, transforma-se a atividade cultural em uma importante estratégia nos programas de desenvolvimento do estado do Espírito Santo. Nesse contexto, o projeto intitulado “O Mundo da Educação em Imagens: acervo pessoal de José Celso Claudio” foi contemplado pelo edital n. 19/2019, que atende a projetos culturais e concessão de prêmio para inventário, conservação e reprodução de acervos no estado.

O acervo composto por fotografias e documentos textuais contempla a trajetória administrativa e pessoal do professor e ex-secretário de Educação José Celso Cláudio. Nascido na Serra, iniciou sua vida pública como professor primário e, posteriormente, inspetor escolar. Em seguida, foi diretor da Divisão de Administração da Secretaria de Educação. Organizou o Departamento de Serviços Públicos, do qual foi diretor duas vezes. Na década de 1940, bacharelou-se em direito. No primeiro governo de Carlos Lindenberg (1947-1951), foi secretário de Educação, voltando a exercer esse mesmo cargo na administração de Rubens Rangel (1966-1967). No governo de Hélsio Cordeiro (1962), foi diretor do Departamento de Serviço Público, que depois se tornaria a Secretaria de Administração.

Portanto, o arquivo pessoal corresponde às atividades e aos eventos de seu produtor. Documenta os fatos relacionados a solenidades, inaugurações, relações familiares, visitas e acontecimentos pertinentes à sua trajetória, que possibilitam um resgate da história da administração pública, da educação, das cidades, dos costumes e da sociedade na história e na cultura do Espírito Santo. Suas gestões destacam-se pela construção de várias escolas no interior do estado e pelo investimento em garantir a gratuidade do ensino público.

Após o tratamento do acervo, ele foi disponibilizado para consulta presencial na sede do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo e no site da instituição. O projeto ainda realizou, entre seus produtos, oficinas de capacitação técnica, exposição fotográfica, palestra e lançamento do catálogo.

A relevância desse projeto justificou-se pela importância de uma política de descrição no país a respeito de arquivos históricos, pois a produção de instrumentos de pesquisa bem planejados e elaborados oferecem condições aos pesquisadores de melhor orientar sua pesquisa, ampliando as possibilidades de acesso aos documentos. Igualmente, possibilita às instituições custodiadoras divulgar e preservar a documentação, uma vez que, em muitos casos, reduz seu manuseio.

No que diz respeito à difusão do acervo, além da produção do catálogo e da elaboração de uma exposição, ele está disponível no AtoM do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo.3 No que tange à sua organização, optamos por manter a ordem original do fundo com relação à configuração material. Entendemos que essa opção garantiria seu contexto, ao mesmo tempo que não comprometeria em nenhum momento a investigação, considerando que o catálogo e a inserção no AtoM propiciam a identificação de interesse na pesquisa. Optamos por uma configuração lógica, de forma que a classificação observou as atividades de seu produtor, ou seja, criamos dossiês conforme suas principais atividades ao longo de sua trajetória na administração pública, cuja individualidade se buscou recuperar a partir do contexto em que foram produzidos e acumulados.

O acervo fotográfico do arquivo pessoal de José Celso Claudio é composto por 284 fotografias, divididas em seis séries: Conselho Diretor IPAJM, Conselho Fiscal Ibes, Departamento de Serviço Público, Documentos Pessoais, Secretaria de Educação e Secretaria de Trabalho e Promoção Social. Há 45 dossiês que correspondem às atividades e aos eventos de seu produtor, no período compreendido entre 1905 e 2015, e 0,5 metro linear de documento textual. Documentam os fatos relacionados a eventos, solenidades, inaugurações, relações familiares, visitas e acontecimentos concernentes à vida de José Celso Claudio em diversas cidades no Espírito Santo.

Os documentos receberam um código de referência da seguinte forma: BR.ESAPEES.JCC.EDU.5.F.041. A sigla BR corresponde ao país de origem (Brasil); Esapees é o código de entidade custodiadora de acervos arquivísticos (Codearq) cadastrado junto ao Conarq – no caso, o Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, que está recebendo o acervo; JCC é a abreviatura do nome do fundo, no caso, José Celso Claudio; o número 5 corresponde à ordem do dossiê dentro da série; enquanto F.41 é o código topográfico do documento para sua localização física no acervo, ou seja, a fotografia de número 41.

Optou-se por uma organização intelectual de dossiês por atividades, conforme a pesquisa realizada, referentes ao conjunto que refletem. São elas: visitas oficiais; representação em eventos nacionais; visitas ao interior do estado; prédios escolares; vida familiar; formação escolar e acadêmica; e acontecimentos relacionados à vida pública e pessoal do ex-secretário de Educação José Celso Claudio, de forma a atender aos interessados na consulta ao acervo.

O projeto resultou na publicação de um catálogo e na descrição do fundo José Celso Claudio.4 A digitalização de todo o material recebeu minucioso trabalho de identificação e adequação do acervo para inserção na plataforma do AtoM, do Apees, com dedicação de toda a equipe do projeto e seus colaboradores, visando proporcionar à sociedade um amplo acesso a esse acervo. Destacamos mais uma vez que esse projeto só foi possível graças ao recurso disponibilizado pelo Funcultura, da Secretaria de Estado da Cultura, e esperamos que esse trabalho proporcione mais pesquisas e produtos culturais (livros, exposições, filmes, monografias etc.), no que diz respeito à história política, social, educacional e cultural do Espírito Santo.

Os arquivos pessoais, em alguns casos, possuem informações fundamentais para a recuperação da memória e para o desenvolvimento da pesquisa histórica, científica ou tecnológica do país. Conhecer e identificar essa importante fonte documental pode resultar, na maioria das vezes, numa atividade complexa e de difícil desenvolvimento. Porém, identificar e proporcionar a difusão de arquivos fotográficos, em nível local e nacional, propiciará, a médio e longo prazo, subsídios para importantes investigações que tenham como objeto o patrimônio documental e cultural brasileiro.

Nessa perspectiva, os arquivos pessoais e familiares são de importante valor para o patrimônio documental e proporcionam possibilidades de reconstituição e construção de novas narrativas da história e da memória do Espírito Santo. Vale ressaltar o grande valor desses acervos para o patrimônio cultural brasileiro, pois resgatam as transformações e permanências que caracterizam a evolução do estado e da sociedade capixaba no tempo e no espaço.

Considerações finais

A descoberta de um arquivo é um maná que se oferece.
Farge (2009)

A materialização de um acervo pessoal se constitui em fragmentos de memória viva, dotados de elementos biográficos e composições afetivas, que, ao arquivar a vida de um indivíduo, produzem representações de uma época, propondo uma leitura associada à imagem que se quis preservar de si mesmo.

Considerando suas especificidades, é importante perceber as contribuições desse conjunto documental para pensar a história, preservar, divulgar e criar condições para sua consulta. Acreditamos que a essência que constitui os trabalhos de preservação, catalogação e descrição está não apenas em preservar memórias, mas também em servir de documentos à produção historiográfica. O acervo de José Celso Cláudio cumpriu essa relação e, por sua composição documental, anunciou inúmeras possibilidades de pesquisa, que possivelmente ampliarão os horizontes de expectativa para a pesquisa em história da educação.

A temática da documentação abrangeu os espaços escolares (sala de aula, corredores, pátios internos e externos, fachadas laterais e frontais dos prédios etc.); os personagens que ocuparam esses espaços (os alunos, professoras/es, pais, funcionárias/os e visitantes); os eventos, as práticas e os rituais, entre eles atividades esportivas (futebol, atletismo, educação física); atividades pedagógicas escolares (reunião dos professores, conselho de aula, concursos, formação de professores); atividades culturais/sociais (desfiles, grupos teatrais, musicais, de canto, exposição de arte, feira de ciências, festas); e atividades de confraternização e comemoração (almoços, inaugurações, discursos e palestras em solenidades, visitas de autoridades etc.).

Além disso, as imagens mostram um pouco das cidades do estado do Espírito Santo, demonstram também o cotidiano e o estilo da sociedade e da administração pública no período em que José Celso Cláudio esteve ativo profissionalmente, e, inclusive, de suas relações pessoais e familiares. O acervo reúne fotografias, postais, certificados, diploma, discursos, entre outros documentos referentes à vida pessoal e à trajetória profissional do produtor como professor, secretário de Educação, administrador e advogado. As fotografias retratam as relações familiares, representações em eventos nacionais da educação, prédios escolares, posse em diversos cargos, visitas oficiais, entre outras situações nas quais podemos observar a história da educação, da administração pública e da sociedade capixaba.

A memória construída no processo de constituição de um acervo pessoal, ainda que produzido individualmente, consiste numa representação e está inundada do pensamento social que envolve o sujeito, que, por sua vez, ao afirmar sua própria trajetória, jamais deixará de remeter ao universo social que o cerca. Os elementos e lembranças pessoais deixam de pertencer exclusivamente a quem os produziu e carregam consigo sentidos e concepções de uma construção coletiva: “Diríamos voluntariamente que cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda conforme o lugar que ali ocupo, e que este lugar mesmo muda segundo as relações que mantenho com outros meios” (Halbwachs, 1990, p. 50). Como afirma Maurice Halbwachs, as aventuras e experiências individuais serão sempre provenientes de processos estabelecidos a partir das interações e relações com os grupos e espaços de sociabilidade nos quais o sujeito está inserido.

Partimos da seguinte premissa: faz-se necessário que a memória, um dia registrada por imagens, seja resgatada e difundida com auxílio de ferramentas arquivísticas. Como meio de descrição e difusão dessa memória, é apresentado como produto um catálogo, resultado de um processo inicial de descrição que possibilitou a identificação, o rastreamento e a localização de todas as informações do objeto a ser descrito nas fotografias, e que atendeu à inserção de metadados em sistemas informatizados da instituição arquivística.

O catálogo é instrumento de pesquisa em que a descrição exaustiva ou parcial de um fundo ou de uma ou mais de suas subdivisões toma por unidade a peça documental, respeitando ou não a ordem de classificação (Arquivo Nacional, 2005). Sendo assim, a metodologia aplicada à realização deste trabalho seguiu as recomendações e as normas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), que é o órgão central do Sistema Nacional de Arquivos (Sinar), do qual o Apees faz parte. O Apees recebeu o acervo organizado, acondicionado e digitalizado para compor seu patrimônio documental.

Esses sistemas visam também à identificação, descrição e difusão de objetos analógicos em meios digitais, através da digitalização, conforme orientações do Conselho Internacional de Arquivos (CIA), e fazem parte das funções arquivísticas que contemplam os requisitos metodológicos e teóricos. As áreas como patrimônio cultural/documental e tecnologia da informação contribuem para a aplicação e promoção da pesquisa. Nesse sentido, a reunião, identificação e descrição das fotografias devem contribuir para a difusão da memória da educação capixaba, salientando cada vez mais a importância do patrimônio cultural e documental do Espírito Santo.

O projeto de organização do acervo apresentou-se como uma oportunidade de contribuirmos com as diretrizes e os objetivos do Plano Nacional de Cultura, ao promovermos o tratamento de uma documentação – preservação, pesquisa e difusão dos acervos de interesse público e social. Além disso, a temporalidade da documentação possibilitou um entendimento do papel da cidade e seu diálogo com a população e a geografia urbana no decorrer da história.

Importante ressaltar que a pesquisa está vinculada ao Departamento de Arquivologia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e consistiu na identificação, catalogação e indexação dos documentos do acervo pessoal de José Celso Cláudio, que teve como enfoque a história da educação no estado do Espírito Santo (Brasil). Para o desenvolvimento do projeto, utilizamos como fonte o acervo custodiado pela família, que, posteriormente, foi doado ao Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. A catalogação teve como base uma descrição orientada pela Norma Brasileira de Descrição Arquivística (Nobrade). A pesquisa também concluiu que os conceitos relacionados aos acervos fotográficos são ricos dispositivos para pensar sua relação como fonte de pesquisa, sua gênese documental e sua importância social, cultural, artística, histórica e documental.

Com a organização de um catálogo e a elaboração de um eficiente instrumento de pesquisa, o projeto, consequentemente, possibilitou mais pesquisas, que vão resultar em vários produtos como monografias, livros, exposições, documentários etc. Outra forma de benefício ao grande público (não só os pesquisadores especializados) é permitir subsídios para o planejamento das políticas públicas destinadas à cultura e às ações de vários profissionais, que terão acesso às imagens e informações que subsidiarão seus trabalhos, demonstrando as transformações das cidades e do cotidiano.

Referências

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Recebido em 27/7/2023

>Aprovado em 6/9/2023


Notas

1 O Conselho Nacional de Arquivos (Conarq) é um órgão colegiado, vinculado ao Arquivo Nacional, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, que tem por finalidade definir a política nacional de arquivos públicos e privados, bem como exercer orientação normativa com vistas à gestão documental e à proteção especial aos documentos de arquivo. A Constituição Federal de 1988 e, particularmente, a lei n. 8.159, de 8 de novembro de 1991, dispõem sobre a política nacional de arquivos públicos e privados.

2 O AtoM é um aplicativo para web destinado a apoiar as atividades de descrição arquivística em conformidade com os padrões do Conselho Internacional de Arquivos. AtoM é um acrônimo para “access to memory”.

3 Disponível em: www.ape.es.gov.br.

4 O acervo e seus produtos também estão disponíveis no blog do projeto, em: https://patrimoniofotograficojosecelsoclaudio.blogspot.com/.


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