Acervo, Rio de Janeiro, v. 37, n. 1, jan./abr. 2024
Memória e história: potências e tensões nos usos de acervos privados | Dossiê Temático
Acervos pessoais institucionalizados entre o recurso historiográfico e didático
Uma relação entre história regional, currículos e o tenentismo em Campos dos Goytacazes
Institutional personal archives between the historiographic and teaching resources: a correlation between regional history, curriculum and tenentismo in Campos dos Goytacazes / Acervos personales institucionalizados entre recursos historiográficos y didácticos: una relación entre historia regional, currículo y tenentismo en Campos dos Goytacazes
Taiany Felipe
Bacharela e licenciada em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), Brasil.
Simonne Teixeira
Doutora em Filosofia e Letras (História) pela Universitat Autònoma de Barcelona, Espanha. Professora associada da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), Brasil.
Claudia Atallah
Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora adjunta do curso de História da UFF, campus Campos dos Goytacazes, e do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Brasil.
Resumo
Este artigo tem como proposição apresentar limites e potencialidades didático pedagógicas dos arquivos pessoais. A partir das discussões do campo da história regional e sua inserção nos currículos nacional e municipal, visamos apontar algumas possibilidades do acervo Godofredo Tinoco para a temática do tenentismo em Campos dos Goytacazes e imbricações da lei do município que determina os elementos regionais a serem incluídos nas disciplinas.
Palavras-chave: arquivos pessoais; história regional; tenentismo; Campos dos Goytacazes.
Abstract
This article proposes to present the educational limits and potential of personal archives. From the discussions of the field of regional history and its insertion in the national and municipal curriculum, we aim to point out some possibilities from Godofredo Tinoco collection for the theme of tenentismo in Campos dos Goytacazes. Thus, we also considered the intermingling of the municipal law that determines the regional elements to be included in the disciplines.
Keywords: personal archives; regional history; tenentismo; Campos dos Goytacazes.
Resumen
Este artículo tiene como objetivo presentar los límites y el potencial didáctico y pedagógico de los archivos personales. A partir de las discusiones del campo de la historia regional y su inserción en los currículos nacional y municipal, nuestro objetivo es señalar algunas posibilidades a partir del acervo Godofredo Tinoco para la temática del tenentismo en Campos dos Goytacazes e imbricaciones de la ley del municipio que determina los elementos regionales a ser incluidos en las disciplinas.
Palabras clave: archivos personales; historia regional; tenentismo; Campos dos Goytacazes.
O uso de acervos documentais está geralmente ligado a objetivos profissionais técnicos ou de temáticas especializadas, entre arquivistas e historiadores. Sua utilização para mediações mais práticas e lúdicas, como no ensino básico, não é comum, dadas as complexidades de gestão e acesso desses componentes na maioria das instituições mantenedoras. No entanto, é perceptível um movimento em favor da ampliação da fruição pública de conjuntos documentais por meio da digitalização de acervos, o que vem se estabelecendo desde a criação da Lei de Arquivos (n. 8.159, de 8 de janeiro de 1991) e principalmente da Lei de Acesso à Informação – LAI (n. 12.527, de 18 de novembro de 2011). Ainda assim, as possibilidades de apropriação de acervos, sobretudo os pessoais, continuam atreladas a grupos muito específicos, o que traz alguns questionamentos sobre sua utilidade em outras condições e espaços e como isso se daria.
Os acervos pessoais ainda são de maior complexidade, tanto por seu caráter de informações “sensíveis” e “íntimas” (Oliveira et al., 2017), quanto pela dificuldade metodológica de operá-los para fins educativos, o que corrobora a fronteira entre o público e o privado, característica própria dessa categoria de arquivo. Fato é que os acervos pessoais podem em muito contribuir como recurso didático para uma melhor apreensão de temáticas curriculares que perpassam as vivências individuais e coletivas de determinados personagens que têm suas heranças documentais institucionalizadas. Vemos esse potencial especialmente dentro dos currículos municipais que tentam, com certas limitações, incorporar a história local e/ou regional, o que nos leva a dialogar diretamente com as questões específicas desses dois campos de estudo.
Ainda que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) mais recente, de 2018, não ofereça menção metodológica à assimilação do regionalismo em suas competências específicas e/ou habilidades, a presença da dimensão regional mostra-se frequente, mas é deixada para maiores adequações pelos currículos municipais. Na cidade de Campos dos Goytacazes (RJ), essa demanda fica a cargo da lei n. 8.214/2011, que institui quais personalidades da história local e regional devem ser inseridas dentro de sala de aula. A lei traz alguns questionamentos quanto aos nomes selecionados e como sua inserção se daria de forma prática dentro das disciplinas estipuladas. Contudo, mesmo que não seja uma das personalidades nomeadas, apresentaremos o percurso analítico feito sobre uma temática curricular nacional que cabe ao acervo pessoal do intelectual radicado em Campos Godofredo Tinoco (1897-1983), sendo, portanto, uma proposta de como a lei pode ser melhor apreendida na disciplina de história a partir do recurso arquivístico, ao mesmo tempo articulando de forma teórica as problemáticas inerentes aos usos dessa categoria de arquivo e à instituição de currículos municipais de natureza da qual estamos tratando.
A pertinência da atribuição ao respectivo acervo mostra-se fundamentalmente na primeira unidade temática para o ensino de história do 9º ano, à qual concerne o estudo dos processos históricos das primeiras formatações republicanas do Brasil, até a metade do século XX. Isso porque, a partir da atuação política e intelectual de Tinoco no movimento tenentista, conteúdo indispensável para as temáticas deste ano, pode-se estabelecer uma relação bastante profícua entre o quadro político nacional, regional e local, onde vê-se a cidade de Campos inserida nas contestações que criam a ruptura entre primeira e segunda república, assim como também imersa em debates bastante próprios em torno da sua identidade administrativa e política, entre o sonho da capitalidade e a perpetuação das suas linhagens ideológicas.
Essa proposta é dividida dentro deste artigo em três seções. A primeira trará uma breve revisão bibliográfica sobre a discussão entre memória, história e arquivos pessoais. A segunda apontará as atribuições gerais e específicas das nossas discussões dentro dos currículos nacional e municipal. A última apresentará de forma mais aprofundada a relação proposta em nosso subtítulo, com foco nos resultados da análise documental realizada sobre parte do acervo Godofredo Tinoco que se encontra no Arquivo Nacional e no Instituto Histórico Geográfico Brasileiro.1
Arquivos pessoais e a construção da memória: um breve levantamento bibliográfico
A proposta de uso de arquivos pessoais para o ensino de história conduz ao questionamento sobre esquemas de valores investidos que determinam sua institucionalização e validade enquanto recurso para o saber histórico e conhecimento do conteúdo curricular. Para isso, deve-se promover o diálogo entre o campo da história e as questões arquivísticas.
Na observação histórica caracterizada por Marc Bloch (2001, p. 73), os documentos expressam “vestígios, quer dizer, a marca, perceptível aos sentidos, deixada por um fenômeno em si mesmo impossível de captar”. Logo, exprimem uma certa artificialidade dos valores que não lhes são inerentes, já que o documento é um produto cultural. Contudo, quando se trata de acervos pessoais institucionalizados, a condição sintética dos valores investidos no material confunde-se na ideia de que o juízo para ele arquitetado é inato. Para Duarte (2018, p. 201),
as razões podem ser múltiplas, mas a igualdade no movimento se localiza na necessidade de estabelecimento e construção de uma importância, pautada na sua naturalidade: “Este arquivo pessoal foi custodiado porque não poderíamos deixar de fazê-lo. Este titular é importante demais para o levantamento histórico e social do nosso país!”. Se há esta afirmação, é porque algum tipo de trabalho imaginário já foi realizado antecipadamente para a criação deste valor cultural sobre aquela figura específica. Tais valores culturais investidos aos personagens da história coletiva são construídos ao longo do tempo por estratégias de legitimação, em grande medida, promovidas pelo próprio personagem.
A incursão nesses vestígios em busca do conhecimento do passado deve, portanto, estar atrelada à inépcia de neutralidade das instituições que cobrem arquivos privados, principalmente a categoria dos pessoais.2 No contexto de uso dos documentos e de seus simbolismos, emerge também a possibilidade e o risco de preservar a memória que, consequentemente, se consolida como parte da institucionalização. No entanto, é crucial não descartar a imparcialidade inerente aos próprios documentos, mas sim reconhecer as características que podem revelar “outros interesses que não os ditados por sua estrita e imediata funcionalidade” (Camargo, 2009, p. 36). Esta contradição se deve ao fato de que, ainda que não seja diretriz declarada das instituições a produção de lembranças e esquecimentos, suas ações não deixam de induzir nesse sentido a partir das permanências de determinados “costumes, de determinado hábito, de tradições de pensamentos e de práticas” (Duarte, 2018, p. 13).
Instituições como os centros de documentação e memória e os arquivos públicos municipais exemplificam essa determinação da memória por serem potenciais “pontos de regionalização”, que servem às caracterizações de identidades e memórias que se constroem pela própria comunidade que representam. Assim, o movimento de interesse por documentos pessoais remonta a essas instituições, que começam a buscar sua preservação ao final dos anos 1960, dada a descoberta desses arquivos como potencial de fonte, juntamente com a mudança do campo historiográfico e o surgimento de novos objetos de pesquisa.
Desse modo, segundo Gomes (1998, p. 124), esse boom de arquivos privados relaciona-se com a revalorização do indivíduo e de suas ações na história, em que “não apenas a história cultural está no centro dessa transformação, mas igualmente uma ‘nova’ história política e uma ‘nova’ história social, cujas fronteiras são fluidas e móveis”. Nesse sentido, as novas tendências do campo buscaram ‘dar vida à história’ se interessando pelas pessoas reais dentro dos acontecimentos e, portanto, os documentos pessoais se mostraram como uma forma de se aproximar desses sujeitos a partir da pesquisa.3
Adentra-se, então, na questão da personalidade nos atributos desses arquivos e sua relação com a dimensão pública. A maneira pela qual a cultura material, seja de documentos ou objetos, integra a presença do indivíduo em seus registros apresenta-se de múltiplas formas, suscitando principalmente relações com sua identidade, produção e circulação. E é nesses quesitos que se instala a relevância da interação para a identidade pessoal e seu processo de construção que se cumpre na relação social. Como salienta Meneses (1998, p. 96), a participação do privado nos documentos em publicização não “seria relevante se não estivesse imbricada na rede de relações que lhe dá suporte”. Essa rede, no entanto, pode representar variados segmentos e campos de atuação social por parte dos indivíduos nela inseridos, o que requer também ampliar o escopo de análise dos documentos. Por conseguinte, Oliveira (2015, p. 120) reitera que
nesse processo de construção de memória e de identificação, a relação do indivíduo com o coletivo se dá de forma diversa, na medida em que participa de mais de um coletivo – e ao mesmo tempo. A complexidade de suas inserções sociais impõe ao indivíduo uma dinâmica que permite sua identificação com mais de um segmento social. Essa dinâmica se reflete nos documentos que constituem os arquivos pessoais. O indivíduo desempenha diferentes papéis na sociedade e o conjunto de atividades e ações inerentes a esses papéis são registrados nos documentos.
No caso de arquivos pessoais de intelectuais, essa complexidade é diretriz para um exame que considere inquirir as ideias e suas condições de produção, o discurso histórico, as formas narrativas e a construção de identidades, políticas de memória e esquecimento, bem como a relação dessas particularidades com o saber, com o poder e com as disputas hegemônicas. Decerto, trata-se de documentos que logram dizer respeito tanto ao seu titular quanto às sociabilidades em que está inserido, numa “situação de fronteira – como toda fronteira, móvel – entre a casa e a rua, entre o individual e o coletivo, entre a memória e a história, entre os arquivos e as coleções” (Nedel, 2011, p. 13). A esse respeito, o balanço de Iumatti e Nicodemo (2018, p. 100) acerca da relação desses fundos privados com a escrita da história no Brasil igualmente esclarece as competências dos documentos que resultam da função intelectual:
Um dos potenciais presentes na pesquisa em arquivos pessoais de intelectuais é o da compreensão das redes sociointelectuais e institucionais evidenciadas pela documentação. Entender melhor como se situa determinado autor ou trajetória em relação aos seus “pares” oferece indício para configurarmos as redes frequentemente muito dinâmicas e heterogêneas nas quais eles se projetavam. Essa questão tem claros desdobramentos teórico-metodológicos pois essas “redes” são naturalmente inseridas em contextos mais largos e nos ajudam a compreender melhor como o conhecimento circulava em determinado espaço e tempo. Tais condicionantes estão muito longe de serem apenas aspectos cenográficos, pois determinam a própria natureza do conhecimento, sua epistemologia. Em poucas palavras, a forma com que o conhecimento circula determina, em parte, sua natureza; sendo assim, entender a circulação implica entender os valores, pressupostos e protocolos da própria produção do conhecimento.
Como mencionado anteriormente, espólios documentais de intelectuais têm sido usados para apreensão dessas redes, produção, recepção e circulação de ideias a partir da ampliação de alguns campos da história, como a história social, cultural e política. Ademais, o trabalho analítico sobre as ideias movimenta-se na história desde o início do século XIX, a partir das abordagens das chamadas história das ideias, história conceitual e história intelectual. Segundo Whatmore (2015, p. 23), tais categorias já eram enunciadas desde o século XVII, mas constituíram-se metodologicamente no campo da história intelectual “quando foi reconhecido que os limites da ação possível pelos atores históricos estavam sendo limitados pela contemporânea cultura das ideias”.4 A passagem de “ideia” como ação psicológica e epistemológica para ação histórica a partir do século XVIII deu-se no mesmo contexto em que a história é atribuída enquanto parte significativa dos estudos metafísicos, principalmente no momento em que os discursos estão sendo cooptados como emergentes nas ações políticas.
Desviando dos debates que giram em torno das diversas tradições que tratam das ideias e de seus produtores enquanto objeto de estudo, cabe aqui apenas elucidar o seu lugar de relevo na historiografia geral até sua acomodação na história do Brasil. Nesta, o trabalho sobre a natureza complexa de trocas de ideias pelas redes e locais de sociabilidade deve estar atento tanto às especificidades de ideias globais5 aqui adaptadas quanto à canonização de seus titulares pela via da construção de memórias.
Se o processo de constituição de um arquivo está relacionado com os próprios processos de consagração e de desejo de memória do seu titular ainda atuante, cabe à teoria e história da historiografia assumir o desafio hermenêutico de pesquisas de maior abrangência e articuladas em dois planos temporais entrecruzados: a evolução cronológica do pensamento e sociabilidade de determinado autor e sua rede, em contraposição ao desafio retrospectivo de se compreender como determinadas interpretações foram se cristalizando ao longo do tempo, informando a imagem que nos foi historicamente produzida sobre autores e temas. (Iumatti; Nicodemo, 2018, p. 112)
Por isso, é indispensável se municiar contra abordagens que acabam por monumentalizar ou perpetuar certas construções de memória, em qualquer forma de apropriação de personagens históricos e sua produção. Este procedimento é bastante relativo à mitificação de vultos históricos e, tratando-se de arquivos pessoais, adequa-se ao que Gomes (1998) chamou de “malhas do feitiço”, como uma “ilusão da verdade” oriunda de escolhas teóricas e metodológicas indevidas. Segundo a autora,
Por guardar uma documentação pessoal, produzida com a marca da personalidade e não destinada explicitamente ao espaço público, ele revelaria seu produtor de forma “verdadeira”: aí ele se mostraria “de fato”, o que seria atestado pela espontaneidade e pela intimidade que marcam boa parte dos registros. A documentação dos arquivos privados permitiria, finalmente e de forma muito particular, dar vida à história, enchendo-a de homens e não de nomes, como numa histoire événementielle. Homens que têm a sua história de vida, as suas virtudes e defeitos e que os revelam exatamente nesse tipo de material. (Gomes, p. 1998, p. 125)
Em vista disso, a relação entre memória e história é fecunda no sentido que estabelece suas reais atribuições, as quais demonstram sua antinomia. A memória, enquanto história vivida e “inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos usos e manipulações”, tem propriedade sacralizante sobre as lembranças. Já a história, enquanto “operação intelectual e laicizante”, busca livrar a memória de sua permanente evolução produzida por lembranças e esquecimentos (Nora, 1993). Desse lugar se faz necessário buscar nos arquivos representações cristalizadas pelas subjetividades que constroem valores velados pela memória. Daí que
aos historiadores de hoje não seja lícito esperar dos arquivos o registro objetivo de fatos. Em lugar disso, espera-se que construam a partir dos arquivos – eles próprios construções anteriores – fontes que documentem a repercussão subjetiva de acontecimentos singulares, gestados e experimentados pelos atores sociais, individual e coletivamente. (Nedel, 2011, p. 4)
Estabelecer essas relações metodológicas é indispensável para o aproveitamento das possibilidades presentes em qualquer acervo pessoal. Considerando tais fatores, o campo simbólico que emoldura a produção do contingente documental de Godofredo Tinoco diz respeito à apropriação de uma identidade regional que reverberou aplicadamente até o século XX na cidade de Campos dos Goytacazes. Logo, também a intelectualidade performada por Tinoco, em seu sentido orgânico de atuação ideológica e prática, está imbuída no imaginário identitário forjado pelas elites locais desde o século XVIII, e a qual ele próprio, sendo herdeiro desta classe, perpetua em seus discursos e ideias, que circunscrevem a cidade como patente econômica, política e cultural, em sobreposição às demais ao redor.
Dessa forma, a contribuição de seu espólio documental que trata de sua participação frente aos espaços de conhecimento, informação e cultura e, sobretudo, de sua articulação direta com as ações políticas efervescentes no campo nacional de sua época, não pode ser exposta e usada como recurso antes dos valores intrínsecos que tangem e determinam a identidade regional que ele mesmo representa. Não se podem rejeitar também as redes domésticas que se sustentam no afeto e dizem respeito não somente a “microclimas” (Iumatti; Nicodemo, 2018), mas sobretudo a redes de produção de identidades regionais.
Sejam elas físicas e ambientais, sejam econômicas, sociais ou ainda históricas, a região concebida pelo pesquisador deve ser construída a partir de questionamentos relativos aos “afrontamentos e luta em torno de distintos interesses”. Os esforços em se forjar, memorar e rememorar, cotidianamente, uma identidade regional que delimita os espaços sociopolíticos sobrepõem-se sobre identidades veladas e são impetrados, quase sempre, por elites que detêm o poder. (Iumatti; Nicodemo, 2018, p. 103-104)
Em suma, parte-se do pressuposto de que a guarda e o trato de arquivos pessoais por si só requerem comprometimento histórico com as forças simbólicas que são intrínsecas às identidades geográficas que primeiro produzem seu conteúdo e, posteriormente, dão relevância à sua institucionalização. Portanto, sua contribuição como ferramenta de associação entre temas nacionais que têm impacto sobre o regional deve encaminhar diretamente a esses ardis entre memória e identidade que reverberam na inclusão da história regional de cunho romanceado. Para tanto, devemos antes ter como consenso que o uso de arquivos pessoais não deve se dedicar unicamente ao fazer científico-acadêmico, mas também adquirir utilidade nas interações intelectuais primárias, onde seu conhecimento possa ser descentralizado da memória construída e, assim, ampliar a autoridade de determinação do que se preserva e do que se deve preservar (Freire, 2009). Para isso, cabe reconhecer os métodos para sua incursão e mediação direcionadas às problemáticas aqui ressaltadas, o que constata a indispensabilidade da relação entre ensino e pesquisa para a qualidade dessas associações.
A BNCC e o currículo municipal na conformação da história regional
A BNCC estipula como primeira unidade temática para o último ano do ensino fundamental “O nascimento da República no Brasil e os processos históricos até a metade do século XX”, dando margem para uma ampla gama de objetos a serem considerados. No que se refere ao potencial recurso da coleção Godofredo Tinoco para o tema, cabe especialmente o objeto de conhecimento especificado como “Primeira República e suas características” e “Contestações e dinâmicas da vida cultural no Brasil entre 1900 e 1930”. O encontro desses dois objetos se insere no que seria o processo de ruptura entre a república oligárquica e a república varguista, em que vemos, nesse ínterim, o aparecimento de diversos movimentos de contestação que abrem espaço para ações políticas incisivas que serão fundamentais para a entrada de Vargas no poder em 1930. Traremos como proposta o enfoque no movimento tenentista e suas ramificações, como a Aliança Liberal, os quais têm apoio e participação direta de Tinoco e da facção política da qual era parte, traçando um diálogo entre estrutura nacional e condições locais e regionais.
No que se refere a esses recortes territoriais, percebe-se a ocorrência das dimensões regional e local em alguns pontos da BNCC. Elas são pontuadas nas competências específicas de história para o segundo segmento do ensino fundamental, em que são sinalizadas importâncias analíticas como as “particularidades da história local e regional” e as “diferentes escalas (nacional, regional, cidade, comunidade)” (Brasil, 2018, p. 429). Sua determinação, contudo, é colocada sobre efetivação autônoma dos municípios, de modo que cede aos sistemas e redes de ensino a função de “incorporar aos currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de temas que afetam a vida humana em escala local, regional e global” (p. 19). Tratando-se especialmente do recorte regional em sua confluência com o local, reconhecemos a necessidade de compreendê-lo a partir de seu próprio campo, dentro dos estudos historiográficos.
A história regional, preocupada com os métodos com que se analisa um determinado recorte espacial, deve o reconhecimento da própria historicidade dos espaços ao considerar que não é a região “um referente identitário que existiria per se, ora como um recorte dado pela natureza, ora como um recorte político-administrativo, ora como um recorte cultural”, mas que é, sobretudo, “fruto de um dado processo histórico’’ (Albuquerque Junior, 2008, p. 55). Nesse sentido, o uso de personalidades, assim como de seus acervos pessoais, para atribuição de sentido às identidades de determinado local ou região, também requer recompor essas condições que produzem o território no qual seus personagens atuam. A respeito de acervos pessoais, por se tratarem em grande medida de intelectuais e mediadores sociais com certa relevância em suas funções, cumprem com a construção de memórias a partir do que vale preservar.
Contudo, para além das problemáticas que enquadram a utilização desses acervos junto ao campo teórico da história regional e campos correlatos, está sua possibilidade de uso para o ensino de conteúdos curriculares que pautam temas nacionais ou globais, gerando efeitos sobre as "redes" e estruturas de sociabilidade que projetam a região dentro da macro-história e vice-versa.
Considerando tais questões, propõe-se aqui uma adequação da contribuição da abordagem regional para a indicação da BNCC (Brasil, 2018, p. 389) quanto à “utilização de diferentes fontes e tipos de documento (escritos, iconográficos, materiais, imateriais) capazes de facilitar a compreensão da relação tempo e espaço e das relações sociais que os geraram”. Esta indicação fica sob responsabilidade direta dos municípios, e deve ser realizada de forma transversal com diversos campos metodológicos, como o da história regional.
Esse atributo de transversalidade encontra-se na matriz curricular de Campos dos Goytacazes (resolução Smece n. 2/2017) que, em seus parâmetros interdisciplinares, estipula duas horas semanais do ensino de história e geografia regional do 6º ao 9º ano. As novidades tanto da BNCC quanto das resoluções municipais deixam vago o conteúdo e, principalmente, os subsídios que os professores terão para articular esses novos debates, os quais poucos professores têm capacitação institucional para operar. Em Campos, reconhecemos como possível direcionamento para o que seria o conteúdo de história regional, a lei n. 8.214, de 24 de março de 2011, reiterada no diário oficial do município n. 520, art. 35, de 31 de janeiro de 2020, a saber, do ensino da “história de José do Patrocínio, Benta Pereira, Mariana Barreto, Nina Arueira e Nilo Peçanha na área de ciências humanas (história, geografia e sociologia)”. São estes os nomes consagrados na memória pública da região e constantemente reiterados nas datas comemorativas e pontos históricos/turísticos da cidade. Cada um deles carrega uma relação estreita com a história da cidade por meio de algum feito ou função que os enquadra no lugar de mitos e "filhos ilustres", de uma cidade que também se forja na história como tal.
Vale observar, mais uma vez, o papel da memória nessa construção de opulência do território que se estabelece a partir dos grandes feitos e feitores. Benta Pereira e Mariana Barreto, sua filha, demarcam, por exemplo, os conflitos pelas terras da antiga capitania da cidade ainda em 1748, quando estiveram à frente das rebeliões contra a Coroa. Nina Arueira, contudo, consagra-se como a jovem literata e militante, num contexto de rupturas e reorganizações políticas do começo do século XX, sendo nome disputado para autoidentificação tanto do movimento comunista quanto espírita (Carneiro, 2002). Já José do Patrocínio e Nilo Peçanha confluem no imaginário regional com suas importâncias nacionais, sendo, por isso, os dois nomes mais rememorados na cidade. Ambos alcançaram valiosa repercussão nos movimentos republicanos e abolicionistas do XIX e XX, ocupando lugar na política local e nacional, onde ressalta-se a ocupação da presidência do país por Peçanha em 1909. Portanto, são resgatados como vultos exatamente por corroborarem a representação de cidade heroica que se relaciona e disputa com as grandes demandas nacionais.
Não se trata aqui de retirar a contribuição da cidade de Campos dos contextos em que realmente teve considerável participação, até porque, com as novas abordagens sobre o que compreende a história nacional, agora ampliada sobre as micro-análises, as importâncias de outras regiões, que não capitais, estão sendo constantemente desveladas e reconsideradas. Por isso mesmo, propomos rever o movimento tenentista a partir da cidade, compreendendo seu valor histórico, mas, sobretudo, suas condições em historicidade. Isso significa cartografar as linhas de força que abrem espaço para essas participações e, principalmente, sua reciclagem como narrativa para usos da posteridade.
A correlação temática entre o currículo comum nacional e municipal a ser exposta, dá-se sumariamente na discussão de temas como “primeira república”, “tenentismo”, “revolução de 30” e “segunda república”, pontos substanciais no conteúdo de Brasil para o 9° ano e que se insere na habilidade EF09HI02 da BNCC, na qual deve-se “caracterizar e compreender os ciclos da história republicana, identificando particularidades da história local e regional até 1954”. Contudo, como também já determinado na última seção, estabelecer tal correspondência requer de antemão repensar os objetivos atrelados ao ensino de história regional ou local, de modo a não confundi-las com a reprodução de uma história nacional oficial, por meio da transmissão do simples somatório de acontecimentos e nomes canonizados. Procedimento este que parece recorrente no ensino de conteúdos programáticos, como o pautado na lei n. 8.214/2011, onde não há qualquer menção sobre como e por que devem ser articulados em sala de aula vultos como José do Patrocínio, Benta Pereira, Mariana Barreto, Nina Arueira ou Nilo Peçanha, e que certamente arrisca esbarrar numa memória regionalista camuflada como aprimoramento da cultura local e promoção da cidadania, por meio da ideia de identificação. Sobre este ponto especificamente, cabe ainda considerar que, quando se trata de estabelecer essas relações de identificação por meio de atributos históricos do local e da região, entre o aluno e seu entorno, na maioria das vezes o que se faz é tudo menos tratar da sua própria realidade. O que se deve propor, nesses casos, é mais uma associação histórica pautada no aprofundamento historiográfico e menos na elevação de identidades seletivas a certos grupos, deixando clara a interlocução das classes sociais e políticas destes últimos.
Portanto, este trabalho visa propiciar paralelos a partir da atuação de Godofredo Tinoco em sua inserção local, regional e nacional, partindo do debate acerca da própria identidade regional penetrada nos currículos municipais, que alavanca esses vultos sem adequá-los na construção de um saber histórico escolar que dialogue com a historiografia. Este atributo se torna essencial para nossa discussão dado que
a história escolar é uma construção social produzida por elaborações e reelaborações constantes de conhecimentos produzidos a partir das relações e interações entre as culturas escolar, política e histórica; com os livros didáticos; com outros saberes que não apenas os históricos e muito menos circunscritos aos formais; com as ideias sobre a história que circulam em novelas, filmes, jogos etc.; e, não menos importante, com a história pública (história de grande circulação, ou de massa). (Silva, 2019, p. 52)
A conformação temática se realiza tendo em vista que na análise documental do respectivo acervo encontra-se uma ampla e esclarecida defesa do projeto por parte das dissidências oligárquicas às quais Tinoco somou forças a partir do tenentismo, especialmente como capitão da Coluna Gwyer. Colocamos essa participação como fato de interesse para o ensino básico, uma vez que fornece curiosidades sobre a participação efetiva da cidade de Campos dos Goytacazes num cenário de transição política nacional, além de exemplificar como outros acervos, a exemplo dos personagens locais mencionados em lei, podem ser cooptados como recursos didáticos para uma abordagem que se abasteça na ludicidade e, sobretudo, na historicidade dos temas curriculares.
O tenentismo na cidade de Campos a partir do nilismo: um exemplo do uso de arquivo pessoal como recurso histórico/didático
A temática do tenentismo é indispensável para o entendimento das condições de ruptura da primeira para a segunda república brasileira, assim como para a compreensão geral de nossos processos republicanos ao longo do século XX ou mesmo antes. Por isso, tem espaço significativo na primeira unidade temática de história do 9º ano do ensino fundamental, além de estar ressaltado em diversas abordagens e perspectivas nos livros didáticos.6 Percebe-se que a importância do tenentismo como temática em sala de aula decorre do papel que o movimento ocupou durante os anos 1920, década que demarca o auge da crise da primeira república e na qual as revoltas dos tenentes se consagraram na historiografia como fatos característicos.
A participação de militares na política brasileira deflagrou a república de 1889 e sua queda. Como se sabe, sua instauração estava ligada, dentre outros importantes fatores, às insatisfações militares que vinham se acumulando durante o período monárquico e se agravaram após a participação da corporação na Guerra do Paraguai em 1870. Associado aos ideais positivistas de modernidade e se vendo como grande responsável pelo Estado brasileiro, o Exército foi buscando espaço e representação nos processos políticos do país, a começar pelo governo de Floriano Peixoto. No entanto, as possibilidades e limites dessa relação militar com a política serão pauta dentro da própria Forças Armadas e dos governos civis que se sucedem. Vemos amplas tentativas de retração da participação militar a partir do expansionismo político das oligarquias regionais que, aliás, são quem personalizam essa primeira experiência republicana. Dentre essas tentativas de despolitização do Exército e de seu ímpeto de soldado-cidadão (Carvalho, 1985) está sua profissionalização, a partir dos conhecimentos técnicos que foram adquiridos com os exércitos europeus e repassados no Brasil já na década de 1910. Ainda que a vertente ideológica do soldado profissional tenha tomado maior espaço na reestruturação do Exército no começo do século XX, o militarismo intervencionista permanece e será pressuposto do tenentismo ainda na década de 1920.
Momento aglutinador de transformações ideológicas e práticas no Brasil e no mundo, a década de 1920 irrompe no cenário brasileiro com influências da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e da Revolução Russa (1917). Fatores que, aliás, nos apontam o teor também global dessa temática e, em vista disso, apresentam-se nos currículos e livros didáticos de forma sequencial e comparativa. Portanto, as motivações por mudanças na sociedade e política do país eram variadas e, nacionalmente, se apresentavam a partir dos desafios da modernidade e da nacionalidade que se colocavam sobre o Brasil naquele momento.
Os anos 1920, sobretudo, faz eclodir essas demandas por meio da crise da participação política, limitada às oligarquias do café e estando de fora os setores médios urbanos e as oligarquias dissidentes. Com isso, se instaura um "clima revolucionário" que encontra agência no movimento tenentista, no qual ocorre uma convergência entre a questão militar e a questão civil (Prestes, 1990) que enquadra os "tenentes" como um grupo político já que, mesmo imbuídos da “experiência do desprezo republicano” (Viviani, 2009, p. 85) na ação coletiva que movimentam nessa década, colocam-se como independentes à corporação.
Com o aquecimento eleitoral de 1921, em que São Paulo e Minas Gerais, no pacto de alternância política, lançam Artur Bernardes como candidato à presidência, é articulada sua oposição com a coligação Reação Republicana, que lança o fluminense Nilo Peçanha. Com a simpatia dos militares à coligação, o tenentismo se apresenta como possibilidade para solucionar a inflexibilidade do sistema oligárquico frente ao resultado negativo dessa eleição, que elegeu mais uma vez o grupo situacionista.
A primeira revolta tenentista ocorreu em 5 de julho de 1922 no Forte de Copacabana, demarcando o início de uma série de eventos ligados ao grupo e que vão expandir o movimento nacionalmente. Dois anos depois, a revolta se repete em São Paulo e começa a tomar o interior do país a partir da Coluna Prestes, que se espraia para os demais estados. De 1925 a 1927, a Coluna percorrerá 12 estados, 25 mil quilômetros, por meio da guerra de movimento e propagando um projeto político e social para o Brasil, tornando-se a referência da organização militar e do alcance do movimento tenentista. Com a forte pressão das forças do governo, há na Coluna um espraiamento de seus membros e dissolução de seus propósitos iniciais, levando seus integrantes ao exílio nos países fronteiriços, como Bolívia, Uruguai e Argentina.
Mesmo que não caiba aqui esmiuçar o trajeto, entre rupturas e continuidades, em que operou o movimento tenentista, para chegarmos às contribuições possíveis na documentação pessoal de Tinoco precisamos demarcar a quebra ocorrida a partir da acepção das oligarquias dissidentes de Minas Gerais ao movimento, que se recria a partir da Aliança Liberal em 1929. Será essa nova reinvenção do que era a Reação Republicana de 1922, agora com parte dos revoltosos exilados e os dissidentes do pacto do café, que criará a desvinculação de Carlos Prestes e outros membros do movimento tenentista e produzirá o novo conflito armado que gera a Revolução de 1930, resultando na deposição de Washington Luís e na ocupação de Vargas na presidência pelos próximos 11 anos. O movimento de 1930 é decorrente das conspirações iniciadas em 1929, quando é feita a indicação de Júlio Prestes para as eleições da presidência de 1930, fato que rompeu com a alternância de poder entre São Paulo e Minas Gerais. Em julho, o movimento começa a se estruturar para ação entre Norte e Sul, tendo como estopim a morte do vice de Getúlio Vargas, João Pessoa. Nesse ínterim do movimento para a deposição de Washington, encontramos a participação de Godofredo Tinoco como “emissário revolucionário do Norte Fluminense”.
Godofredo Nascentes Tinoco nasceu em Macaé, em 1897, e desenvolveu sua carreira intelectual em Campos até 1983. Formado em direito pela Universidade Livre do Rio de Janeiro, Tinoco segue caminho comum aos intelectuais dos séculos XIX e XX; com formação humanística que os encarregava de atribuições amplas (entre a política, a arte, a advocacia, o funcionalismo público ou o magistério) próprias do caráter enciclopédico desse grupo (Sá, 2006). Nesse sentido, ao longo do século XX, Tinoco ocupou diversas funções, de delegado à diretor da Academia Campista de Letras e instituições afins. Será principalmente nessas instituições de cunho cultural e educacional que terá seu nome marcado, ora como fundador, ora como importante apoiador e/ou administrador. Sua relação com o campo educacional é, aliás, fator indispensável para pensar sua trajetória a partir da segunda metade desse século, onde está certo protagonismo no movimento de instalação da primeira faculdade de Campos dos Goytacazes. Contudo, o momento prioritário para nossa proposta é o começo da sua trajetória intelectual, a qual está demarcada por uma ação política consolidada entre o contexto nacional e o regional, em que se relacionam nomes como Eduardo Gomes,7 Juarez Távora8 e Asdrúbal Gwyer.9
Inicialmente, para entendermos a participação de Campos no movimento tenentista, é necessário remontar à figura de Nilo Peçanha e à projeção que alcançou na política fluminense. O apoio de Tinoco ao tenentismo desde os atos de 1920 resultou de sua adesão ao nilismo, sendo este uma importante corrente de influência da prática política de Nilo Peçanha e ascensão de seu grupo no poder fluminense (Ferreira, 1985). O movimento dos tenentes seria especialmente legitimado pela facção nilista de Campos, uma vez que é a partir da derrota de Nilo que os militares foram cooptados para o enfrentamento da estrutura política que persistia com sucessivas vitórias eleitorais. Assim, a relação de Tinoco com o movimento tenentista, juntamente com a reverência a Nilo, eram pontos amplamente publicizados nos meios de imprensa que tinha em mãos, com enfoque especial no jornal O Dia.10 Este periódico, do qual Tinoco foi diretor, era propriedade de seu irmão César Tinoco (1884-1960), também advogado e jornalista, além de diretamente vinculado a Nilo Peçanha em todas suas campanhas políticas durante a Primeira República, sendo assim um dos principais descendentes do nilismo e chegando a ocupar lugar de deputado do estado e prefeito de Campos.
O jornal O Dia foi criado após a prisão de César pela participação no primeiro movimento de 5 de julho de 1922 e fechamento de seu antigo jornal O Rio de Janeiro, também com direção de Tinoco. Em seu primeiro número, em 14 de maio de 1924, a capa de O Dia presta homenagem póstuma a Nilo: “Assim, num preito de saudade, o Evangelho da Democracia por ele pregado e defendido até o momento extremo, nas lutas árduas pela republicanização da República”.11 Logo, deixa esclarecidas as filiações políticas do impresso e as bandeiras que levantará no percurso até 1930, de compromisso com os propósitos do que foi a Reação e tudo que dela sucedeu. Portanto, encontramos no jornal uma ampla divulgação do envolvimento de Campos nos conflitos em prol da queda dos governos da situação, dessa maneira construindo uma campanha incessante, e com contornos bastante próprios, da herança política nilista mantida na cidade por esse grupo remanescente. A própria candidatura e vitória de César para a prefeitura de Campos em 1924 será alçada com base na figura-mor do Partido Republicano de Campos, Nilo. A partir de 20 de maio desse ano, O Dia recebeu em seus números o slogan “Quando o nilismo vence é o povo que triunfa”.12
Durante a agitação eleitoral e, posteriormente, da insurreição em 1930, O Dia circulou uma campanha panfletária em favor de Vargas e, ainda, das atividades de seus correspondentes, Godofredo e César Tinoco, com as atribuições que exerceram nos trâmites para o levante contra a vitória da oposição, em meados do mesmo ano. Mais uma vez, já em 1 de março de 1930, o apoio de Campos a Vargas é defendido sob a alcunha do nilismo:
Se quiserdes um Brasil melhor ide a urna votar nos candidatos que a Aliança Liberal e o Nilismo apresentam – elegendo-os, tereis salvo a República, redimindo os erros do passado, e criado uma pátria livre e digna dos brasileiros – votar em Getúlio Vargas é combater a crise, guerrear a carestia da vida, o câmbio vil, os fomentos, os empréstimos e os impostos.13
Por conseguinte, fica evidente o vínculo estabelecido entre o movimento nacional da Aliança Liberal e o discurso nilista regional, o qual se torna indissociável na defesa do governo Vargas mesmo ao longo da década de 1930. Contudo, também queremos aqui ressaltar como, com a derrota de Vargas para Júlio Prestes, Campos será foco do percurso de uma das colunas que rondam o país, ocupando quartéis e abrindo espaço para o golpe que elevou Vargas à presidência. Embora não exista bibliografia que trate diretamente das colunas formadas para a revolta de 1930, uma vez que foram muitas e com estruturas bastante diversas, sabemos que essas organizações regionais civil-militares foram essenciais para o feito de 24 de outubro. Partindo de vários estados de norte a sul, algumas colunas objetivavam chegar à capital e tomar o Catete, onde ficava a presidência da República na época, outras marchavam entre cidades destituindo seus governos e fortalecendo o movimento de insurreição que se encaminhava para a capital. Essas colunas, que conseguiam ocupar as cidades, deixavam suas bases na representação local, dessa forma, “tais colunas revolucionárias – seus integrantes de lenço vermelho no pescoço –, contribuíram para marcar aos olhos da população que se construíam tempos novos” (Achiamé, 2005, p. 111).
Algumas das colunas que desciam de Minas Gerais e Espírito Santo, chamadas de setor leste, visavam chegar à cidade de Campos e tomá-la, considerando que, para seus líderes, a cidade ocupada pelos revolucionários significaria um importante avanço contra o governo federal, dada a proximidade com a capital e a importância populacional que tinha. A coluna Gwyer chegou a Campos em 26 de outubro, com a insurreição já vitoriosa e Washington Luís já deposto. Esta coluna marchou entre a divisa de Minas Gerais com o norte do Rio de Janeiro e teve a figura de Godofredo Tinoco como capitão. No entanto, antes precisamos entender o primeiro papel prático de Tinoco no movimento.
No livro Tempo bom… no setor leste (1931),14 Tinoco descreve seu percurso inicial como “emissário revolucionário”, assim que foi enviado por Eduardo Gomes ao Rio Grande do Sul para articular com Oswaldo Aranha, e demais agentes de ligação do país, as conspirações entre estados, que começaram em julho de 1930. Em agosto, foi a Recife para desembarcar carga que havia sido paga por João Pessoa antes de ser assassinado. Além disso, tinha como objetivo encontrar com Juarez Távora em seu esconderijo, a fim de trazer comunicados para os demais estados. Vale ressaltar que, nesse mesmo ano, Tinoco recebeu Távora em Campos, após sua fuga de Santa Cruz, e o encaminhou para os cuidados do médico Carlos Nascimento Tinoco, onde são fotografados com Távora ainda ferido (Figura 1). São fatos sobre as primeiras relações de Tinoco com Eduardo Gomes e Juarez Távora que podem favorecer um debate em sala sobre a questão da legitimidade das fontes a partir da complexidade desses livros de memórias. Nesses casos, a compatibilidade entre arquivos pessoais se mostra uma importante aliada do papel do historiador, que por meio das correspondências e fotografias pode encontrar maiores constatações dos vínculos entre figuras políticas.
Figura 1 ‒ Juarez Távora e Godofredo Tinoco em Campos, quando Távora fugiu de Santa Cruz, ainda ferido (1930). Fonte: Livro Tempo bom… no setor leste (1931), de acesso privado e com versão nos arquivos do IHGB
Segundo Tinoco (1931, p. 111), a pedido de Miguel Costa, ele também foi responsável pela escolha dos nomes que seriam usados para decodificar o dia em que se iniciaria os atos revolucionários no país. Descreve:
Miguel Costa, que sorria sempre que lhe indagavam do dia certo, pediu-me uma lista de dez nomes, que representassem os algarismos de um a zero, de maneira que o telegrama que chegasse, com qualquer texto, mas com um daqueles nomes, o destinatário teria, na assinatura, o dia prefixado. Dei-lhe, então, os seguintes nomes: Cesar, Gabriel, Gabriella, Cesarina, Augusto, Godofredo, Carlos, Mary, Norma e Margô.
Assim, o nome de Gabriella, uma de suas filhas, teria indicado que os atos começariam em 3 de outubro. Avisado um dia antes, Tinoco ficou encarregado de distribuir o pessoal que cortaria as linhas telefônicas a fim de isolar Campos do Rio. No dia 5, vai à Palma (MG) fugido, onde se encontra com Asdrúbal Gwyer, o tenente que seria responsável pela coluna de oito homens que cortaria o Norte Fluminense até o fim daquele mês.
Figura 2 ‒ Oficialidade da Coluna Gwyer. Fonte: Livro Tempo bom… no setor leste (1931), de acesso privado e com versão nos arquivos do IHGB
A coluna Gwyer (Figura 2) foi uma das que contaram com menor contingente de soldados e carregamentos bélicos e alimentícios durante seu percurso. Os soldados ficavam restritos às armas que conseguiam nos quartéis das cidades que ocupavam e à espera das munições que vinham do comando em Recreio. Os homens que se incorporaram à coluna vinham de Campos ou eram remanescentes de outras colunas que dividiram apoio, além dos cooptados dentro da polícia de oposição quando prisioneiros nas cidades tomadas. Esses fatores ocasionaram constantes desestruturações da capacidade da coluna de manter as cidades ocupadas pelo poder revolucionário, a exemplo de Itaocara (RJ), que foi retomada pelas forças legalistas ao menos duas vezes. Além disso, Tinoco ressalta as rebeliões ocorridas dentro da própria coluna nos últimos dias de posicionamento.
Figura 3 ‒ Mapa da marcha da Coluna Gwyer em 1930. Fonte: elaborado pelas autoras
Tomada as cinco cidades e seus vilarejos, a coluna Gwyer se estabeleceu em sua base, principalmente entre Miracema, Pádua e Aperibé, e o escoamento de São Fidélis para Campos, que era o movimento principal da coluna (Figura 3), só ocorreu após a tomada do Catete em 24 de outubro. Hervé Salgado, em seu livro Na taba dos goytacazes (1988, p. 224), descreve que
Campos havia se transformado em praça de guerra. Tropas da Polícia Militar fortemente armadas, com metralhadoras pesadas e até canhões; um batalhão de fuzileiros navais, integrado por indivíduos de grande estatura, aguardavam os revolucionários. Na verdade, a “Coluna Gwyer” jamais entraria em Campos, presente aquele aparato bélico todo.
A recepção dos revolucionários se deu com grande adesão da população campista, que os recebeu com empolgação e lenços vermelhos, como anunciava O Dia em 26 de outubro.15 Com a junta provisória já responsável pelo Estado brasileiro, Gwyer recebeu a nomeação de prefeito de Campos e comandante da Praça Militar. Uma outra consequência da vitória dos revolucionários na cidade foi o retorno do projeto discursivo para Campos se tornar a capital do estado do Rio de Janeiro, uma narrativa que vinha há séculos sendo levantada pela elite política campista e regional (Chrysóstomo, 2011), que retoma força em 1930 e com manifesto em defesa da “Campos-capital”, publicado por Alberto Lamego Filho. O Dia, aproveitando o ensejo, estampa em suas capas de outubro e novembro a pauta Campos capital do estado:
Sugerindo brilhantemente pelo O Dia, a mudança da nossa capital, Lebelte Barroso deu início a uma campanha cujo alcance patriótico é por demais visível [...]. Campos, a capital do trabalho, não pode ver submissos os seus esforços a uma capital de burocratas [...]. Ela que lhe foi paradigma na conduta, na defesa de seus direitos usurpados com Benta Pereira e Marianna Barreto, e na magnanimidade de suas ideias libertadoras, com Lacerda, Patrocínio e Nilo Peçanha.16
O espectro de capitalidade em questão se justificou ao longo da história de Campos em uma caracterização supervalorizada da cidade, carregada de epítetos elaborados sobre suas capacidades naturais e legado de seus filhos ilustres principais, aqueles mesmos nomeados pela lei n. 8.214/2011. Além disso, Nilo Peçanha já havia endossado o discurso em prol da capitalidade ainda no século XIX quando, empossado como deputado da Constituinte em 1890, manifestou em discurso que “ou a capital se transfere para Campos ou eu renunciarei a meu mandato de deputado” (Salgado, 1988, p. 226). Logo, a partir de um único arquivo pessoal, pôde ser estabelecida uma compreensão mais aprofundada não somente da temática do tenentismo e sua adequação na delimitação regional, mas também sobre como as identidades, que ainda hoje se perpetuam de forma despretensiosa dentro de currículos escolares, operam em favor de cristalizações e narrativas quando estas não são revisitadas com critérios adequados.
Ao final deste artigo, gostaríamos de reiterar a importância das relações metodológicas entre ensino de história, memória e arquivo. Nossa intenção foi propor ao leitor uma reflexão sobre as dificuldades, no Brasil, em se coadunar ensino e pesquisa, considerando os regionalismos históricos e as diversas faces do currículo. Objetivamos, a partir do estudo de caso apresentado, ampliar a discussão sobre o uso de arquivos pessoais como metodologia de aula. A partir daí, foi possível analisar o caráter civil que implodiu o movimento tenentista, principalmente a partir da Aliança Liberal, decorrente dos grupos políticos regionais que estavam entrelaçados no contexto da década de 1920. Reconhecemos a capacidade metodológica ímpar dos arquivos pessoais no tratamento de temáticas pautadas nas identidades e regionalismos, principalmente no que diz respeito à documentação de figuras com certa alçada política.
Importante reafirmar que a não efetividade dos currículos, quando se trata dos conteúdos para o regional e local, está relacionada à falta de políticas públicas qualificadoras dos professores. Ao sugerirmos metodologias para a inclusão de temáticas identitárias no currículo consideradas escorregadias e vulneráveis aos poderes instituídos, reconhecemos suas dificuldades de escolarização. Tais dificuldades apontam para uma estrutura educativa que opõe ensino e pesquisa, sobretudo nas ciências humanas. As discussões aqui apresentadas colocam em pauta a participação de espaços de arquivos, e afins, na cultura escolar, não rechaçando uma possível hierarquização do saber histórico.
Ainda que a função educativa dos arquivos esteja em desenvolvimento desde a década de 1980, sua efetividade está relacionada a outras problemáticas inerentes ao ambiente escolar, especialmente o público. A colaboração entre escola e arquivo deve considerar a capacidade administrativa e financeira desses dois importantes agentes sociais. Tal simbiose poderá colaborar com o movimento corrente de digitalização de acervos, focalizado na ampliação e promoção do acesso à informação, oferecendo suporte determinante ao saber histórico escolar.
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Recebido em 28/8/2023
Aprovado em 24/10/2023
Notas
1 Ainda não é possível mapear a totalidade do acervo, considerando seu desmembramento entre memorialistas e instituições privadas das cidades de Campos e Macaé. No entanto, seu contingente de maior relevância para a temática aqui tratada também pode ser encontrado na Casa de Cultura Villa Maria (Uenf) e no Arquivo Público Municipal de Campos dos Goytacazes.
2 Para Bellotto (2006, p. 207), os arquivos pessoais constituem-se por “papéis ligados à vida familiar, civil, profissional e à produção política e/ou intelectual, científica, artística de estadistas, políticos, artistas, literatos, cientistas etc. Enfim, os papéis de qualquer cidadão que apresente interesse para a pesquisa histórica, trazendo dados sobre a vida cotidiana, social, religiosa, econômica, cultural do tempo em que viveu ou sobre sua própria personalidade e comportamento”.
3 Nessa nova tomada historiográfica, a biografia também adentra como gênero discursivo próprio para a construção do saber histórico, uma vez que o “uso de narrativas sobre ações e emoções de sujeitos individuais expandiu-se consideravelmente, na esteira do que veio a ser designado de virada linguística e guinada subjetiva” (Gonçalves, 2011, p. 120-121).
4 “The history of ideas proper can only be seen to exist when it was recognised that the limits of possible action by historical actors was being limited by the contemporary culture of ideas” (tradução nossa).
5 Em grande medida, ideias e conceitos de origem europeia que nesse quesito de transposição são identificados como “modificação do suposto ‘original’ por influência do suposto periférico” (Iumatti; Nicodemo, 2018, p. 103).
6 Ver: FREITAS, Itamar. O tenentismo no livro didático. Palestra proferida no Memorial de Sergipe, Universidade Tiradentes. Aracaju, 4 jun. 2007.
7 Eduardo Gomes (1896-1981) nasceu em Petropólis (RJ) e começou a carreira militar em 1916 na Escola Militar do Realengo. Em 1930, já como tenente, foi um dos participantes e sobreviventes do levante do Forte de Copacabana que deu início ao movimento tenentista. Ver mais em: Verbetes GFV.
8 Juarez Távora (1898-1975) nasceu em Jaguaribemirim (CE) e em 1917 também entra na Escola Militar do Realengo onde, posteriormente, conhecerá Carlos Prestes, Eduardo Gomes e outras importantes figuras do tenentismo.
9 Asdrúbal Gwyer de Azevedo (1899-1970) nasceu em Santa Maria Madalena (RJ) e, tendo também se formado na Escola Militar do Realengo, participou do segundo ato do movimento tenentista, em 1924. Em 1930, foge da prisão para se juntar à Aliança Nacional no movimento iniciado em 3 de outubro, no qual esteve à frente da coluna que partiu do norte do estado do Rio de Janeiro.
10 Suas circulares de 1924 a 1951 estão sob custódia do Arquivo Nacional na coleção Godofredo Tinoco, de código BR AN, RIO TZ, onde foram acessados para a apresentação aqui colocada.
11 Capa “A democracia de luto”, jornal O Dia, ano I, n. I. Instituição custodiadora: Arquivo Nacional, fundo TZ. 0001 Jornal O Dia (Volume 1). Data: 14/5/1924 – 24/6/1924. Local: Campos.
12 Capa “A vitória do nilismo”, jornal O Dia, ano I, n. 6.
13 Capa “O dia da liberdade”, jornal O Dia, ano VI, n. 1.556.
14 Este livro, ainda que raro em seus exemplares, pode ser encontrado na biblioteca pessoal e de pesquisa de Wellington Paes e na biblioteca do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB). Para a análise deste trabalho, ambas fontes foram utilizadas, pois trata-se de edições distintas.
15 Capa “As grandes manifestações que se projetam. A chegada dos heroicos revolucionários”, jornal O Dia, ano VIII, n. 1.749.
16 Capa “Campos capital do estado”, jornal O Dia, ano VIII, n. 1.753.